Têxteis infantis resistentes a líquidos ou manchas rotulados como “verdes” podem ter substâncias nocivas

Estudo analisou 93 peças de roupa e mobiliário infantil, detectando a presença de substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) em 54 itens.

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Cientistas testaram roupas de cama anunciadas como resistentes a líquidos ou manchas Kendra Wesley/Unsplash

Têxteis para crianças e adolescentes anunciados como resistentes às manchas, ou ainda capazes de repelir líquidos, podem conter substâncias potencialmente prejudiciais à saúde humana. As substâncias perfluoroalquiladas​ – conhecidas como PFAS – estão presentes numa parte significativa dos produtos analisados num estudo publicado esta quarta-feira. O trabalho desenvolvido por cientistas do Instituto Silent Spring, nos Estados Unidos, concluiu que mesmo as roupas de cama, os móveis forrados e as peças de vestuário que exibiam uma “certificação verde” podiam conter PFAS.

“As certificações verdes são úteis para ajudar os pais e outros consumidores a evitar outros tipos de produtos químicos nocivos. Contudo, os nossos resultados mostram que este tipo de ‘selo’ poderia prestar um serviço melhor se protegesse os consumidores dos PFAS, ao incluir tais substâncias nos critérios de atribuição da certificação. Os pais também devem estar cientes de que rótulos como ‘não tóxico’ ou ‘ecologicamente correcto’ não exigem certificações de terceiros”, explicou ao PÚBLICO Laurel Schaider, autora principal do estudo e cientista sénior do Silent Spring. O instituto em Massachusetts dedica-se à investigação das causas ambientais do cancro da mama. A exposição às PFAS por inalação e ingestão tem sido associada a vários problemas de saúde, incluindo o cancro, o colesterol alto e a diminuição da eficácia de vacinas em crianças, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, uma agência governamental dos EUA.

Estas substâncias químicas têm diferentes aplicações comerciais, refere o estudo publicado na revista científica Environmental Science & Technology, incluindo espumas de combate a incêndios, tintas, embalagens alimentares, têxteis, utensílios de cozinha antiaderentes e ainda produtos médicos ou electrónicos. As empresas adicionam PFAS a vários bens de consumo para torná-los antiaderentes, à prova de água e resistentes a manchas. Há tapetes, estofados e vestuário destinados a uso infantil que estão impregnados com PFAS apesar de apresentarem rótulos “verdes” ou “ecológicos” que sugerem a ideia de segurança.

“Os corpos das crianças ainda estão em desenvolvimento e são especialmente sensíveis a exposições químicas. Faz sentido que os pais queiram evitar produtos que contenham ingredientes que possam afectar a saúde dos filhos hoje e no futuro”, refere a investigadora. Schaider defende que as PFAS sejam removidas de todos os produtos quotidianos que não sejam essenciais, por forma a proteger a saúde dos mais jovens.

A equipa do Instituto Silent Spring testou 93 produtos infantis e juvenis, incluindo roupas de cama, móveis e peças de vestuário. Os cientistas seleccionaram apenas produtos rotulados como resistentes a manchas e resistentes à água, ou ainda com o rótulo “verde” ou “não tóxico”. As conclusões indicam que 54 dos objectos analisados continham níveis detectáveis de flúor, um indicador de PFAS. A maior concentração foi encontrada numa camisa de um uniforme escolar. Produtos anunciados como resistentes à água ou a manchas, mesmo aqueles rotulados como “verdes” ou “não tóxicos”, eram mais propensos a conter flúor. E também tinham concentrações mais altas de flúor em comparação com outros produtos.

Os cientistas também testaram um subconjunto de produtos para 36 compostos PFAS diferentes. As PFAS foram encontradas apenas em produtos rotulados como resistentes à água ou a manchas, independentemente de serem comercializados como “verdes” ou “não tóxicos”. As PFAS foram detectadas com mais frequência em móveis estofados, roupas e protectores de almofadas. O PFOA, um PFAS legado que foi descontinuado nos EUA, foi detectado em vários produtos, incluindo aqueles rotulados como “verdes” – sendo que a maioria desses produtos era oriunda da China. A equipa não ficou surpreendida com os resultados das análises. Isto porque os processos de certificação não incluem a verificação de PFAS.

Um grupo com 9000 compostos

As PFAS constituem uma classe que engloba mais de 9000 compostos químicos sintéticos com fortes ligações carbono-flúor. São informalmente referidas como “químicos eternos” porque não se decompõem facilmente e, por isso, persistem na natureza e acumulam-se no corpo humano. Alguns tipos de PFAS já não podem ser produzidas nos EUA ou na Europa, uma vez que foram considerados preocupantes em termos de toxicidade.

“O problema é que agora outras PFAS estão a ser usadas como substitutas e estas ainda não estão bem estudadas, embora também tenham aquelas ligações fortíssimas carbono-flúor. Na Europa já está a ser preparada uma restrição de todas as PFAS, à luz do REACH, o regulamento europeu sobre substâncias químicas. Muitos especialistas apoiam a aplicação do princípio da precaução para restringir o uso de PFAS como uma classe, particularmente em usos não essenciais, como é o caso de produtos têxteis infantis”, explica Susana Fonseca, vice-presidente da associação ambientalista Zero, que não fez parte do estudo.

Susana Fonseca refere que, apesar de o mercado europeu ter uma grande preocupação em regular substâncias nocivas, estes produtos podem chegar aos lares portugueses através de compras online. “Se encomendarmos um produto oriundo de um país onde a regulação é menos apertada – a China, por exemplo –, não há como controlar a entrada dos mesmos”, refere a ambientalista. Em caso de dúvida, a recomendação da Zero é evitar produtos que se anunciem como resistentes à água ou a manchas. “Um pijama anti-manchas não é essencial, o melhor é evitar, por precaução”, sugere a dirigente da Zero.

O conselho da autora do estudo, Laurel Schaider, vai no mesmo sentido. “Os resultados mostram que os produtos rotulados como resistentes a manchas são mais propensos a ter PFAS do que os produtos rotulados como à prova de água. Para evitar trazer produtos assim para as nossas casas, devemos evitar produtos comercializados como resistentes a manchas. Para alguns produtos, como um tapete ou sofá, ter resistência a manchas ou à água é uma característica conveniente, mas não essencial à funcionalidade do objecto. Outros produtos precisam ser à prova de água para serem úteis, como um protector de colchão. E estes podem ser impermeabilizados de outras maneiras, com uma camada de borracha, por exemplo, que não requer a adição de PFAS”, afirma a autora principal do estudo.