A destruição silenciosa: cinco paisagens ameaçadas em Portugal

Das montanhas húmidas do Gerês às ilhas-barreira no Algarve, há cenários naturais que vemos desde a infância e que, por isso, julgamos perenes. Não o são.

NEG - 05 abril 2022 - turfas de coveloes - ameacadas - pitoes das junias
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As zonas húmidas do Gerês podem ser postas à prova pela diminuição das chuvas Nelson Garrido
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As zonas húmidas do Gerês podem ser postas à prova pela diminuição das chuvas Nelson Garrido
NEG - 05 abril 2022 - turfas de coveloes - ameacadas - pitoes das junias
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As zonas húmidas do Gerês podem ser postas à prova pela diminuição das chuvas Nelson Garrido

Quão urgente é o urgente? Alertam-nos para a crise climática há algumas décadas, falam-nos de mudanças irreversíveis e catástrofes ambientais. Não é fácil o exercício de mensurar a urgência quando, à nossa volta, as paisagens permanecem mais ou menos as mesmas. Este é um dos desafios da comunicação ambiental: somos quase sempre os arautos de uma “destruição silenciosa”, como define Paulo Lucas, membro da direcção da associação Zero. Divulgamos dados científicos credíveis, damos espaço a argumentos sólidos, relatamos as previsões de um futuro pouco auspicioso, mas não podemos fotografar as ruínas do futuro.

“São mudanças silenciosas na paisagem, pouco visualizáveis. As coisas estão a ocorrer agora mesmo, mas nós não nos apercebemos disso. Só quando há uma grande tempestade ou um galgamento oceânico é que estes eventos nos fazem reagir. O ser humano é muito reactivo, não é preventivo nem antecipa muito. O ser humano é um animal – os animais também não têm essa perspectiva de pensar muito no futuro, gerem as coisas no dia-a-dia, hoje há comida e amanhã não há comida. Isto é um bocadinho a nossa origem. Mas temos de questionar a nossa sobrevivência enquanto espécie se quisermos continuar por aqui”, afirma o ambientalista Paulo Lucas.

Com a ajuda de Paulo Lucas, seleccionámos cinco imagens de paisagens portuguesas ameaçadas. Das montanhas húmidas do Gerês às ilhas-barreira na Ria Formosa, no Algarve, há vários panoramas no país que tomamos por adquiridos. São cenários naturais que nos confortam a vista desde a infância e, que por isso, julgamos perenes. Não o são. “O que está a acontecer [em termos climáticos] é tão avassalador que as pessoas não conseguem sequer reagir a isto. São coisas que estão a acontecer devagarinho, mas que estão a acontecer: é uma destruição silenciosa”, alerta o ambientalista.

1. Ilhas-barreira na Ria Formosa (Algarve)

Este sistema constituído por cinco ilhas e duas penínsulas, na Ria Formosa, no Algarve, está muito vulnerável à subida do mar e às tempestades oceânicas. Eventos potenciados pelas alterações climáticas, como a subida do nível do mar e intensificação de temporais violentos, colocam em risco estas ilhas, incluindo a de Tavira e Cacela. As ilhas da Ria Formosa são classificadas como protegidas pelo estatuto de Parque Natural, datado de 1987, e integram da Rede Natura 2000.

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Duarte Drago

2. Montado de Sobro e Azinho (Alentejo)

As previsões sugerem mudanças muito significativas nas azinheiras, porque estão dependentes de uma certa quantidade de precipitação. Se as chuvas escassearem, as azinheiras “deixam de ter condições de sobreviver” e talvez passem a ser viáveis cada vez mais para norte. “O sobreiro acaba por sofrer stress hídrico e pode vir a desaparecer. Isto já está mais ou menos estipulado que poderá acontecer. Este mosaico que nós temos hoje no Alentejo vai ser profundamente afectado pelas alterações climáticas”, afirma Paulo Lucas. Em 2001, foi criado o enquadramento legal que estabelece as medidas de protecção ao sobreiro e à azinheira.

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Daniel Rocha

3. Turfeiras do Poço das Rãs, no Gerês (Trás-os-Montes e Alto Douro)

As zonas mais húmidas de montanha também podem sofrer “imenso” com a diminuição da chuva. Turfeiras hoje coloridas, viçosas teriam menos água, que é o mesmo que dizer menos vida. A que aparece na imagem foi registada há poucas semanas pelo PÚBLICO no Poço das Rãs, na freguesia de Covelães, concelho de Montalegre, numa franja do Parque Nacional Peneda Gerês (a primeira área protegida criada em Portugal, sendo a única com o estatuto de Parque Nacional).

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Nelson Garrido

“As turfeiras são resilientes, mas terão cada vez menos condições de resiliência”, prevê Paulo Lucas. Outros habitat de montanha sofrerão mudanças, muitas delas imprevisíveis. “Como é que vai ser a paisagem da Serra da Estrela com as alterações climáticas? Não sabemos. É uma zona adaptada a condições de seca e neve no Inverno, mas que tipos de espécies vão desaparecer? A gente não sabe”, afirma.

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Mara Gonçalves

4. Ribeira do Vascão

Se houver uma situação de seca prolongada ou um Verão brutal sem precipitação durante largos meses – e as previsões indicam que estes episódios extremos serão cada vez mais intensos e frequentes –, Portugal poderá testemunhar a extinção local de espécies no intervalo de um ano. “No Inverno há muita água, mas depois no Verão os peixes ficam confinados aos pegos, que também correm o risco de secar. Se desaparecerem estas acumulações da água dos rios, vão desaparecer também espécies e isto tem um grande impacto na diversidade biológica. Isto pode acontecer numa situação de gravíssima seca”, afirma Paulo Lucas. Um dos peixes em risco é o saramugo (Anaecypris hispanica), uma das espécies piscícolas de água doce mais ameaçada do nosso país e da Península Ibérica e que ainda está presente na Ribeira do Vascão, rio afluente da margem direita do Guadiana que, em grande parte do seu curso, constitui uma fronteira natural entre o Alentejo e o Algarve. A ribeira do Vascão está inserida no Parque Natural do Vale do Guadiana, criada em 1995.

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Miguel Manso

5. Arrozais da Comporta (Lisboa e Vale do Tejo)

A agricultura que se faz na continuidade dos estuários, muitas vezes até abaixo do nível do mar – como é o caso dos arrozais no estuário do Sado, na península da Comporta – também constitui uma paisagem portuguesa ameaçada. “A intrusão salina vai acabar com este tipo de cultivo mais tarde ou mais cedo. Há áreas que já estão a ser abandonadas. Há inclusivamente zonas que hoje já não são produtivas devido ao sal”, refere Paulo Lucas. Os arrozais integram a Reserva Natural do Estuário do Sado e a Rede Natura 2000.