SEF suspende ligações a associação pró-Putin
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras decidiu abrir um inquérito interno para aferir que perguntas foram feitas aos refugiados ucranianos recebidos em Setúbal. Presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal não ficou convencido com explicações dadas pelo autarca de Setúbal em Assembleia Municipal.
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O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) decidiu esta sexta-feira suspender quaisquer solicitações efectuadas a pessoas ligadas à Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo), na sequência das alegações de que refugiados ucranianos foram recebidos por russos apoiantes de Vladimir Putin.
A suspensão das solicitações, disse o SEF ao PÚBLICO, não tem por base suspeitas ou irregularidades detectadas pelo serviço. Devido à situação na Câmara Municipal de Setúbal denunciada esta sexta-feira, foi decidida a abertura de um inquérito interno para “aferir que perguntas foram feitas” aos refugiados ucranianos recebidos em Setúbal e se alguma das questões ou procedimentos está “fora dos processos do SEF”.
Até que seja esclarecida a situação, a direcção nacional “determinou hoje que as solicitações efectuadas a pessoas ligadas a essa associação fossem suspensas” – até porque “há outras alternativas” a que o SEF pode recorrer para os serviços prestados pela associação Edintsvo, com quem “não tem qualquer protocolo assinado”, sublinha num esclarecimento por escrito.
Na mesma nota, a entidade reconhece que foi solicitada “pontualmente, pela Delegação de Setúbal do SEF”, a colaboração para serviços de tradução de uma cidadã, ucraniana com nacionalidade portuguesa, que pertence à associação – Yulia Khashin, funcionária do município desde Dezembro.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras explica que esta colaboração foi através de “trabalho voluntário” e refere ainda que o presidente da associação Edintsvo e marido de Yulia, Igor Kashin, “não prestou qualquer colaboração ao SEF”.
Associação dos Ucranianos critica explicações do autarca de Setúbal
O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal não ficou satisfeito com as explicações que o presidente da Câmara de Setúbal deu esta sexta-feira sobre o acolhimento de refugiados por russos alegadamente pró-Putin.
“É inaceitável que os ucranianos que fogem da guerra e venham para Portugal – e foram bem recebidos pelos portugueses – sejam recebidos por organizações que sempre fizeram parte da propaganda russa”, disse Pavlo Sadokha que esteve ao início da noite na Assembleia Municipal de Setúbal para falar no período de intervenções do público.
“Esta guerra não começou agora. Os preparativos para a matança de ucranianos começaram há muito tempo. Nós alertámos o Alto Comissariado [para as Migrações] para a existência de associações que têm ligação à Rússia e que fazem parte da ideologia do fascismo russo de matar ucranianos”, acrescentou o responsável ucraniano.
Para Pavlo Sadokha, quando “Putin fala em desnazificar a Ucrânia significa que eles querem que os ucranianos desapareçam deste mundo, e não só na Ucrânia mas também na diáspora”.
O responsável concluiu que casos como o de Setúbal são “perigosos para os ucranianos e suas famílias”, que se trata de uma situação “inaceitável num país democrático” e que “tem de ser parada”.
Na resposta, o presidente da Câmara de Setúbal disse que a autarquia actuou com “boa-fé e transparência” no acolhimento de refugiados da guerra da Ucrânia e não tem “razão nenhuma” para identificar a associação Edinstvo como uma organização pró-Putin.
“Pedimos a esta associação para fazer a tradução, no âmbito de uma relação antiga. Não temos nenhuma informação, ao longo de todos estes anos, que tenha havido algum problema. É verdade que recorremos a esta associação para os serviços de tradução”, disse.
Sobre a digitalização de documentos dos refugiados ucranianos, o autarca comunista garantiu que “a recepção é feita cumprindo o protocolo, as regras que nos foram trazidas pelas entidades competentes”, apontando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
“O presidente da associação [Igor Khashin] deu apoio nos primeiros dias, e tem dado apoio ao SEF e a outras entidades, no mesmo sentido, de facilitar a relação entre os cidadãos e as entidades”, disse André Martins.
O autarca de Setúbal sublinhou ainda que o município já pediu ao Ministério da Administração Interna (MAI) que abra um inquérito ao caso. “Pedimos ao MAI para avaliar todo o registo – porque há um registo completo das mais de 200 pessoas que foram registadas -, porque o MAI é que tem essas competências e nós [Câmara Municipal] não temos essa capacidade”, referiu.
Esta sexta-feira, o gabinete de António Costa confirmou ter recebido uma carta do autarca mas negou que lhe tenham sido solicitadas informações sobre a Edintsvo. Já a autarquia não quis comentar a “troca de correspondência oficial” e escusou-se a comentar o desmentido do Governo.
Funcionária retirada do serviço
Relativamente a Yulia Khashin, que é funcionária do município e estava a trabalhar no gabinete de acolhimento de refugiados, André Martins disse que “é uma cidadã que está em Setúbal há 20 anos”, que foi contratada através de um concurso público, e que as suas funções eram fazer traduções.
O autarca explicou que o município retirou a funcionária desse serviço para que “não fosse molestada” pelo que, neste momento, o gabinete está a funcionar “com dois funcionários que não sabem falar a língua”.
Questionado pelo PÚBLICO, no final da resposta do autarca, o presidente da associação dos ucranianos disse “não ter ficado satisfeito com as explicações”. Pavlo Sadokha afirma não compreender como é que as autoridades em Portugal não têm conhecimento das ligações de Igor Khashin ao regime de Putin.
O PSD, pela voz do deputado municipal Rui Lamy, pediu a André Martins para renunciar ao cargo de presidente da Câmara Municipal, considerando que o autarca comunista deixou de ter condições para continuar a desempenhar as funções para que foi eleito há seis meses.
O autarca eleito pela CDU não chegou a responder ao PSD porque abandonou a reunião da assembleia municipal pouco depois do início devido a “outro compromisso”.