“As pessoas deviam fazer um curso antes de terem animais”
Presidente da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa diz que há muito quem não perceba as implicações de adoptar um bicho: “Hoje em dia toda a gente quer ter cães e gatos”.
O presidente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, Rui Caldeira, defende que “as pessoas deviam fazer um curso antes de terem animais porque há muita gente que não está preparada”.
O dirigente académico falou esta sexta-feira no encerramento de um colóquio dedicado aos crimes de maus tratos contra os animais de companhia, organizado pela PSP e por esta faculdade, que também presta cuidados veterinários aos bichos que deles necessitam. Mas fá-los aos preços de mercado, para espanto de alguns donos que recorrem à instituição.
“Quando vêem contas que podem chegar às centenas de euros as pessoas deitam as mãos à cabeça e dizem que não vão pagar. Já tivemos de recorrer à polícia”, descreve Rui Caldeira, explicando que nem a escola é subsidiada para praticar tarifas sociais nem tal faria grande sentido, por causa da concorrência desleal que isso significaria para com os seus antigos alunos.
“Hoje em dia toda a gente quer ter cães e gatos. É fácil apaixonarmo-nos por um cachorrinho ou um gatinho. Mas os animais crescem e envelhecem, e se as pessoas não têm noção daquilo que implica cuidar de um animal depois surgem os problemas”, diz o presidente da faculdade. Que preconiza, por isso, cursos de curta duração – tipo pré-matrimoniais – que possam pôr os candidatos à adopção ou à compra de um animal a par de tudo o que isso implica. Quer a nível de custos quer a nível da disponibilidade para estar com o bicho - até porque o problema é comum aos diferentes estratos sociais. “Há quem pense que não tem de os vacinar”, exemplifica.
Uma alternativa aos cursos, equaciona o mesmo responsável, seriam as campanhas de sensibilização, para evitar que quem adopta um animal pequeno por impulso o abandone quando vai de férias.
Desde que os maus tratos foram criminalizados que a Faculdade de Medicina Veterinária alberga um serviço similar ao do Instituto de Medicina Legal pelo qual passam animais que se suspeita terem sido vítimas de humanos. Uns ainda vivos, outros já mortos. As perícias, que incluem necrópsias, são efectuadas a pedido do Ministério Público, numa tentativa de determinar se determinado ferimento ou envenenamento foram acidentais ou provocados por alguém. Nos últimos seis anos foram feitas mais de quatro centenas de perícias a animais, a um ritmo crescente que só abrandou em 2020, por causa da pandemia.
Bolsa de peritos médico-veterinários
Também oradora neste colóquio, uma procuradora que esteve alguns anos ligada à investigação de crimes contra animais, Ana Rita Andrade, falou da necessidade da criação de uma bolsa de peritos médico-veterinários que possam auxiliar o Ministério Público nos inquéritos deste tipo. Como ela não existe, os inquéritos ficam por vezes dependentes da disponibilidade dos profissionais existentes em cada localidade, normalmente dos veterinários municipais.
Os quais se defrontam por sua vez com dilemas difíceis de resolver. “É muito comum quando um cão morre envenenado o dono pedir uma necrópsia, por suspeitar que quem o fez foi um vizinho que se queixava dos latidos”, contou uma veterinária. Não sendo fácil determinar se a causa da morte foi acidental ou não, estão estes profissionais obrigados a denunciar estes casos ao Ministério Público?
Os animais que causam problemas de vizinhança são, de resto, uma questão com que a PSP se defronta quase diariamente. A um agente a prestar serviço nos Olivais, em Lisboa, ninguém tira da cabeça o caso do cão que incomodava tudo e todos com o barulho que fazia. Um dia os telefonemas dos vizinhos queixosos deixaram de se fazer sentir na esquadra: “O proprietário deu cabo dele. Matou-o, para não ouvir mais reclamações.”