Um cenário “de filme” no início da guerra: russos tentaram invadir edifício onde Zelensky estava

Numa longa entrevista à Time, Volodomyr Zelensky e a sua equipa mais próxima descrevem as primeiras semanas da invasão russa. Numa das primeiras noites de guerra, as tropas russas fizeram duas tentativas para invadir o complexo onde o presidente e a família estavam.

Foto
EPA/UKRAINIAN PRESIDENTIAL PRESS SERVICE HANDOUT

Nos primeiros dias da invasão da Ucrânia pela Rússia, o edifício onde estava o presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, foi um dos principais alvos das forças russas. Tanto que, numa altura em que a mulher e os dois filhos do presidente ainda estavam no edifício, as tropas russas fizeram duas tentativas para invadir o complexo.

Quando a noite caiu, ouviram-se dezenas de tiros nas ruas que rodeavam o edifício. Os guardas apagaram todas as luzes e trouxeram coletes à prova de bala e armas para Zelensky e cerca de uma dúzia dos seus assessores. Uma das únicas pessoas que sabia pegar numa arma era Oleksiy Arestovych, um veterano dos serviços de inteligência militar da Ucrânia, que narrou esta quinta-feira, à revista Time, as primeiras horas da guerra. “Foi uma loucura absoluta. Armas automáticas para todos.”

As primeiras horas da invasão também foram descritas à revista pelo próprio presidente, que diz ter “memórias fragmentadas” desse dia. Um dos momentos que melhor se recorda aconteceu ainda antes de o nascer do sol do dia 24 de Fevereiro, o primeiro dia da guerra. Zelensky e a esposa, Olena Zelenska, tiveram de contar aos filhos, de 17 e nove anos, que os bombardeamentos tinham começado e que a Rússia tinha mesmo invadido a Ucrânia. “Acordamo-los. Estava muito barulho. Havia explosões perto”.

Depois de os militares informarem o presidente de que vários soldados russos tinham aterrado de pára-quedas em Kiev para matá-lo ou capturá-lo, a ele e à família, concluiu-se que os escritórios presidenciais já não eram um local seguro. “Antes daquela noite, só tínhamos visto essas coisas nos filmes”, diz Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente, à Time.

Os conselheiros do presidente ouvidos para o artigo dizem que, quando os norte-americanos e britânicos se ofereceram para retirar Zelensky da Ucrânia e o aconselharam - e oferecem até ajuda - a estabelecer um governo no exílio para que pudesse coordenar de longe, nenhuma dessas ofertas foi seriamente considerada. Foi nessa altura que Zelensky disse a tão célebre frase “preciso de munições, não de boleia”.

O presidente também se recusou a ir para um bunker que tinha sido preparado fora dos limites da capital ucraniana, um local considerado seguro. Em vez disso, na segunda noite da invasão, enquanto as forças ucranianas lutavam contra os russos nas proximidades, o presidente decidiu sair para o pátio do edifício e gravar uma mensagem em vídeo no telemóvel. “Estamos todos aqui”, disse Zelensky depois de mencionar vários nomes de funcionários do Governo que estavam ao seu lado. “Vamos defender a nossa independência e o nosso país.”

Zelensky diz à revista que foi nessa altura que entendeu o seu papel na guerra. “Entendes que todos estão a assistir. És um símbolo. Precisas de agir da forma que o chefe de Estado deve agir”, diz.

O isolamento forçado obrigou a equipa de Zelensky a ver a guerra através de ecrã, mas poucos dias passaram até que o presidente insistisse em ir ver pessoalmente o que se passava nas ruas. No início de Março, quando os russos ainda bombardeavam Kiev e tentavam controlar a capital, o presidente saiu do complexo em segredo, acompanhado por dois amigos e uma pequena equipa de guarda-costas.

“Tomamos a decisão de um momento para o outro”, diz Yermak, chefe de gabinete do presidente, acrescentando que não houve câmaras para testemunhar o momento e que alguns dos assessores mais próximos de Zelensky só souberam dessa viagem quase dois meses depois, quando o presidente mencionou o assunto durante a entrevista à Time.

Sugerir correcção
Ler 12 comentários