Há vida entre as ruínas segundo Manuel Mozos

Manuel Mozos apresenta no IndieLisboa o seu novo filme, Atrás Dessas Paredes - uma quase-sequela de Ruínas que se inscreve de corpo inteiro no interesse do realizador pelas histórias que sobrevivem.

"Atrás Dessas Paredes" recorre ao mesmo dispositivo de “câmara fixa” de "Ruínas", percorrendo espaços entretanto abandonados
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"Atrás Dessas Paredes" recorre ao mesmo dispositivo de “câmara fixa” de "Ruínas", percorrendo espaços entretanto abandonados cortesia indielisboa
"Atrás Dessas Paredes" inscreve-se numa linhagem de filmes sobre a memória do Portugal do século XX
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"Atrás Dessas Paredes" inscreve-se numa linhagem de filmes sobre a memória do Portugal do século XX cortesia indielisboa
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Há um filme na carreira de Manuel Mozos (Lisboa, 1959) que é uma “referência” directa do que o realizador agora apresenta a concurso no IndieLisboa, Atrás Dessas Paredes. Trata-se de Ruínas (2009), documentário contemplativo de pendor ensaístico que manifestava um peculiar fascínio pelas “ruínas” do passado português (e que, de caminho, venceu a competição portuguesa do Indie nesse mesmo ano) - com o qual o próprio Mozos admite ao PÚBLICO que Atrás Dessas Paredes “estabelece uma espécie de continuidade”.

Ruínas dava corpo ao interesse de Mozos pelos segredos escondidos à vista de todos, pelas marcas do passado que persistem no presente e pelas histórias que delas emanavam. Um tema que filmes tão díspares como Olhar o Cinema Português (2006), João Bénard da Costa - Outros Amarão as Coisas que Amei (2014) ou A Glória de Fazer Cinema em Portugal (2015) mostraram ser um dos interesses recorrentes do realizador. Na sua última longa de ficção, Ramiro (2017), o herói era afinal um alfarrabista compenetrado…

Não há, aliás, uma diferença significativa entre o “Mozos documentarista” e o “Mozos ficcionista”, reconhece o realizador num pequeno depoimento por e-mail. “Tento fazer filmes. Quer sejam ficções, quer sejam documentários. Cada um terá as suas particularidades e as suas singularidades. No entanto, encontro relações e afinidades entre todos aqueles que já fiz. É-me difícil elaborar sobre esta questão, julgo que outros estarão mais aptos a fazê-lo.”

"Câmara fixa"

Entre Ruínas e Atrás Dessas Paredes passou muito mais do que apenas tempo e filmes. Passou a revelação (confirmação?) de Mozos como um actor/presença quase paternal em filmes como O Filme do Bruno Aleixo (2019), de João Moreira e Pedro Santo, ou Como Fernando Pessoa Salvou Portugal (2018), de Eugène Green. Passou o trabalho do cineasta como investigador no Arquivo Nacional de Imagens em Movimento da Cinemateca Portuguesa.

E é por aí que se deve/pode ver Atrás Dessas Paredes, que recorre ao mesmo dispositivo de “câmara fixa” de Ruínas, percorrendo espaços entretanto abandonados que, segundo nota da produção, “capturam as narrativas dos marginalizados” (fortes, prisões, hotéis, sanatórios, conventos), e utilizando de novo textos e leituras em voz off. “A ideia surgiu a partir de leituras que estava a fazer e notas que fui tomando, há uns seis, sete anos,” explica Mozos. “Aquilo que aproxima [os dois filmes] será evidente em muitos aspectos formais. A diferença mais notória é que neste se utilizam imagens de arquivo maioritariamente habitadas por pessoas, como se um lado fantasmático pretendido em ambos os filmes aqui ganhasse corpo e outra expressão.”

A interpolação de arquivos - que chegou a ser contemplada em Ruínas antes de ser posta de parte - faz-se através de cenas de documentários “institucionais” onde as aspirações do passado são colocadas em contraponto à realidade do presente, para não falar do permanente desfasamento entre a imagem que o regime queria fazer passar e a verdade dos acontecimentos.

Memória do século XX

De modo muito mais discreto (Mozos não é um panfletário, sabemo-lo bem), Atrás Dessas Paredes inscreve-se também numa linhagem de filmes sobre a memória do Portugal do século XX que inclui projectos tão diferentes como Fantasia Lusitana, de João Canijo, Luz Obscura, de Susana de Sousa Dias, ou A Toca do Lobo, de Catarina Mourão. Obras que respondem a uma necessidade muito contemporânea de compreender o país que fomos e de entrar em diálogo com o modo como, hoje, podemos/devemos olhar para ele.

O que torna Atrás Dessas Paredes diferente, como já tornava Ruínas diferente, é precisamente a discrição natural de Manuel Mozos, o “apagamento” que quem o conhece sabe que “não é defeito, é feitio”. Parecendo que não, esse pudor é a chave do sucesso de um projecto tão difuso, tão atmosférico, como este. E cujo diálogo o coloca bem no centro do que é a competição portuguesa 2022 do IndieLisboa: um cinema à procura de um lugar, em assunção plena da sua identidade. “Este filme, agora, deve-se à força das circunstâncias e porque só pode estar feito agora”, diz o seu autor.

Atrás Dessas Paredes

Cinema São Jorge, esta sexta-feira, 29, às 19h

Culturgest, domingo, 1, às 19h15

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