Solidários a tempo inteiro ou pelo bem da reputação?

O futuro só é sustentável se se assumir que a resolução de problemas sociais e ambientais é uma maratona e não uma corrida de 100 metros.

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Nelson Garrido

Estamos a assistir a uma guerra em directo, graças ao crescente uso das tecnologias e redes sociais, e, nesse contexto, as organizações vêem-se também confrontadas com o desafio cada vez mais exigente de gerir a sua reputação online. Todos os dias nos chegam notícias de mais uma personalidade ou uma empresa que disponibiliza serviços para ajudar, como o caso de Elon Musk com o sistema de satélites, ou a Google que acolhe refugiados nos seus escritórios polacos.

O actual conceito de guerra e a forma como as guerras acontecem é completamente diferente do que conhecíamos antes — joga-se mais no plano do mercado, da economia e da diplomacia económica. Joga-se igualmente no campo reputacional e da necessidade de criar uma imagem para a opinião pública, que tanto peso tem nos negócios das empresas, e nas suas escolhas de gestão.

Estamos, assim, perante um paradigma de mudança da reputação e da opinião pública, muito por culpa da guerra da Ucrânia e das sanções económicas impostas que alteram a opinião dos consumidores. No entanto, e quando falamos em mudanças, devemos ter também um pensamento a longo prazo e sobre qual o futuro de problemas sociais complexos e profundos, que precisam de respostas consistentes. Não podemos cair no erro de avaliar as alterações destas dinâmicas apenas no agora, no imediato.

Celebrou-se a 24 de Abril o Dia para o Multilateralismo e a Diplomacia para a Paz, da ONU, e, enquanto todos ansiamos pelo restabelecimento da paz na Ucrânia e assistimos da Europa e do resto do mundo às sanções económicas, empresas a retirarem-se da Rússia e mesmo organizações a quebrarem negócios de longa data (como o caso das gasolineiras, por exemplo), é altura também de pensar no futuro do fim deste conflito: qual a reputação da Rússia quando a guerra acabar? Qual a imagem da empresa X que fechou escritórios em território russo? Foi só naquele momento ou será para durar? E a empresa Y, que nada fez para ajudar, vamos continuar a comprar os seus produtos?

Não chega ser neutro. A neutralidade é cada vez mais vista da pior forma e não são só os países que são chamados a tomar uma posição, também as empresas e os cidadãos têm de escolher um lado.

A própria integração dos refugiados entra para a balança da reputação das empresas, e é a ilustração do que sempre defendemos na Casa do Impacto: há uma acrescida importância de uma sociedade civil cada vez mais forte e preocupada em ter um impacto positivo para resolver possíveis problemas sociais e ambientais. A grande diferença está na inclusão das empresas e das organizações na tomada de acção para criar impacto, para além dos governos e instituições públicas. Assistimos a empresas a terem uma posição, uma causa, uma tomada de acção, uma mão amiga que contribui activamente para a inclusão dos refugiados, assim como para a conclusão da guerra.

Há empresas que deixam de ter relações comerciais com um país e também há empresas a fazerem inúmeras coisas para ajudar (para além de apoio monetário e voluntariado), como alguns exemplos que nos têm chegado de empresas portuguesas que abriram vagas para receber cidadãos ucranianos para trabalhar e querem também integrar as crianças e jovens familiares desses trabalhadores. Nesta grande onda de solidariedade vimos crescer também no ecossistema das start-ups projectos como o Speak for Ukraine, que apoia refugiados através da sua plataforma ligando-os a quem possa ajudar — sejam cidadãos ou empresas.

Questões ambientais e questões sociais têm cada vez mais peso na forma como as empresas têm de ser geridas, no sentido em que não é só a qualidade dos produtos ou serviços prestados, mas também a forma como funcionam para além da lei da oferta e da procura, que contam cada vez mais para a sua reputação e para a forma como são vistas pelos consumidores. Fala-se mesmo do desenvolvimento de um capitalismo ético e inclusivo, como cunhou o Papa Francisco, no ano passado.

O grande desafio vai ser a longo prazo — neste momento temos quase seis milhões de refugiados em dois meses de guerra, mas no futuro como será a integração destas pessoas e a ajuda para a reconstrução do país? Temos de abraçar a questão das consequências, tantas vezes tão nefastas quando abandonamos a maratona a meio. O que acontece se as empresas e a sociedade civil decidirem que já não navegam esta onda solidária? A solidariedade a que assistimos será de curto prazo?

Fazendo um paralelo com o empreendedorismo de impacto: é sempre preciso capital paciente (gíria do investimento), pois problemas altamente complexos implicam uma consistência para a resolução eficaz e duradoura de problemas.

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