Doris Wishman: quando havia gente nua na lua

Uma cineasta idiossincrática e totalmente coerente. Retrospectiva no Indielisboa.

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Bad Girls Go to Hell (1965)

Era no F for Fake que Orson Welles mencionava um poema de Kipling sobre o dia em que, estando Adão a garatujar uma figura na areia com uma vara, lhe aparecia o Diabo a soprar-lhe ao ouvido: “esse desenho é bonito, mas será que é Arte?...”. Por alguma razão, esse poema, a associar a aspiração artística a uma tentação instilada pelo demónio, vem-nos ao espírito a propósito de Doris Wishman. Em rigor, não a propósito dela nem dos seus filmes, mas a partir dos esforços de legitimação artística da sua obra que nos últimos anos têm frutificado. “Um dia, o contributo de Wishman será considerado tão importante como o neo-realismo italiano ou a nouvelle vague”, podemos ler — e esta frase é um zénite — em artigos disponíveis na internet. Pobre Doris Wishman, que nada fez, e presumivelmente nunca desejou, este tipo de canonização: fez os seus filmes, em autora completa e totalmente independente, nas margens das margens do cinema comercial, parasitando géneros, devolvendo ao cinema “normal” um espelho distorcido (e por extensão, distorcendo o “modo americano de vida”), procurando gastar tão pouco quanto possível em cada filme para que eles, exibidos em salas de bas fonds (enquanto o porno a sério não vinha) para um público restrito mas não necessariamente selecto, lhe rendessem tantas centenas de dólares quanto possível. Há suficiente dignidade nesta vida — como nas de Edward Wood, de Herschel Gordon Lewis, de Radley Metzger ou até de Russ Meyer — para que se dispense a pompa museográfica.

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