Um quinto das espécies de répteis estão ameaçadas, crocodilos e tartarugas correm os maiores riscos
Primeira avaliação abrangente do risco de extinção dos répteis a nível global dá pistas para estabelecer prioridades de conservação.
Cerca de 21% ou um quinto das espécies de répteis estão ameaçadas de extinção, sugere um estudo global de 10.196 espécies publicado esta quarta-feira na revista Nature, que é a primeira avaliação abrangente do risco que correm estes animais, feita em 24 países e seis continentes. Crocodilos e tartarugas sãos os répteis mais ameaçados (57,9% e 50%, respectivamente). O risco é menor para o grupo dos répteis escamados (no qual se incluem as serpentes, os lagartos, e as anfisbenas), cerca de 19,6%.
Há avaliações abrangentes do risco de extinção para aves, mamíferos e anfíbios, mas até agora não havia algo equivalente para os répteis, que com este trabalho se fica a saber que correm maiores riscos de extinção do que as aves (13,6% das espécies ameaçadas em risco), mas riscos menores do que os mamíferos (25,4% ameaçados) e os anfíbios (40,7%).
As estratégias de conservação têm-se baseado nos critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e métodos indirectos, baseados na distribuição de outros animais, para elaborar políticas e prioridades relativamente aos répteis, escreve a equipa, que recebeu dados de 961 cientistas espalhados pelo mundo: “Japão, Espanha, Argentina, Sri Lanka, só para nomear alguns”, enumerou Neil Cox, co-líder da equipa e gestor da Unidade de Avaliação da Biodiversidade da UICN e da Conservation Internacional, numa conferência de imprensa através da Internet.
Participaram no estudo cientistas da NatureServe – uma rede de organizações e cientistas norte-americanos que recolhe e analisa dados sobre biodiversidade –, da UICN e da Conservation Internacional. “Foi um esforço que 15 anos, sobretudo porque foi preciso arranjar financiamento e os répteis não são animais carismáticos, para a maioria das pessoas”, explicou Bruce Young, um dos líderes da equipa e zoólogo-chefe e cientista de conservação na NatureServe, na conferência de imprensa.
Mas a investigação permitiu perceber que os esforços para conservar mamíferos, aves e anfíbios ameaçados terão tido um efeito benéfico também na conservação dos répteis, mais do que se esperava. “Fiquei surpreendido por quanto mamíferos, aves e anfíbios podem servir, colectivamente, como representantes dos répteis”, disse Bruce Young. “Isto é uma boa notícia. Os esforços para proteger animais mais bem conhecidos provavelmente contribuíram para proteger muitos répteis. A protecção dos habitats é essencial para amortecer as ameaças que os répteis e outros vertebrados enfrentam, como a actividade agrícola e o desenvolvimento urbano”, adiantou ainda Bruce Young.
Perigo nas florestas
Outra surpresa é que, embora exista uma alta diversidade de espécies de répteis em zonas áridas, ao contrário do que se esperava, não é nestas zonas, que incluem desertos e charnecas, que estão as 1829 espécies ameaçadas em maior grau. Estão antes nos habitats de floresta: 30% dos que vivem aí correm risco de extinção, enquanto apenas 14% dos que vivem em zonas áridas correm esse risco.
Nas florestas, os répteis estão submetidos ao mesmo tipo de ameaças à sua sobrevivência que outros tipos de animais, como o corte de árvores e a conversão dos terrenos para a agricultura. Embora as florestas não sejam os seus habitats de eleição – ambos preferem as zonas húmidas –, é lá que crocodilos e tartarugas estão mais ameaçados. Os riscos de extinção que correm são comparáveis aos das salamandras (57%, um anfíbio), um dos tetrápodes (animais de quatro patas) mais ameaçados do planeta.
Há informação limitada sobre 1507 espécies de répteis, cerca de 14,8% – são sobretudo espécies que escavam e vivem debaixo do solo ou têm outro tipo de habitats difíceis de perscrutar, ou que habitam áreas ainda mal estudadas. Há uma uma proporção semelhante de espécies com poucos dados entre os mamíferos (15,1%), mais baixa do que com os anfíbios (20,4%), mas muito mais elevada do que o que se passa com as aves (0,5%).
O resultado disto é que o cálculo da proporção de répteis ameaçados de extinção oscila entre 18% (assumindo que nenhuma das espécies para as quais há poucos dados está ameaçada) e 32,8% (assumindo que todas essas espécies estão ameaçadas). A melhor estimativa considerada pelos investigadores é que 21,1% das espécies de répteis corram risco de extinção.
É nas áreas em que se concentram mais espécies de tetrápodes ameaçados que há também mais répteis em risco de extinção: Sudeste da Ásia, África Ocidental, Norte de Madagáscar, Norte dos Andes e Caraíbas. Pelo contrário, estão quase ausentes dos desertos australianos, dos desertos do Calaári, Karoo e Sara, do Norte da Eurásia, das Montanhas Rochosas e da parte mais a norte da América do Norte.
Ameaças variadas
“Os resultados da Avaliação Global de Répteis assinalam a necessidade de aumentar os esforços globais para os conservar”, disse Neil Cox. “Como os répteis são tão diversos, enfrentam um vasto leque de ameaças em habitats variados. É necessário haver um plano multifacetado para proteger estas espécies, com toda a história evolutiva que representam”, considerou.
Os cientistas calculam que se se extinguirem todas as espécies ameaçadas de répteis, a perda combinada de diversidade filogenética (medida da diferença numa árvore evolutiva) será de aproximadamente 15.600 milhões de anos.
Os autores do artigo na Nature sublinham que são necessárias medidas urgentes e com alvos bem definidos para proteger algumas das espécies de répteis mais ameaçadas – em especial lagartos que são endémicos em ilhas, mas que ficaram em risco devido à introdução de espécies invasoras pelo homem, que se tornam seus predadores, como o mangusto para tentar caçar ratos, em alguns casos. “Podem não ser muito eficazes com os ratos, mas comem pequenos répteis”, frisa Blair Hedges, da Universidade Temple (Pensilvânia, EUA), outro autor do artigo.
De uma atenção redobrada necessitam também espécies que sofrem mais directamente o impacto dos seres humanos. Por exemplo, a caça, que é a principal ameaça para crocodilos e tartarugas. “Há uma sobreexploração dos crocodilos, primeiro como fonte de alimento e porque as pessoas não gostam de os ter por perto. E as tartarugas são muito procuradas como alimento, mas também para usos medicinais, sobretudo na Ásia, e também pelo seu valor como animais de estimação. Uma das espécies ameaçadas em Madagáscar está em risco porque tem valor de mercado como animal de estimação, por exemplo”, disse Neil Cox.
As alterações climáticas trazem ameaças para os répteis cujo impacto é difícil de discernir claramente. “Mas nas ilhas onde o terreno é baixo, o nível do mar vai subir nas próximas décadas, e muitas vão desaparecer, com certeza”, sublinhou Bruce Young.
“De tartarugas que respiram através dos seus órgãos genitais até camaleões do tamanho de um grão-de-bico, os répteis são um grupo muito ecléctico”, disse Mike Hoffman, responsável pelo sector de Recuperação da Vida Selvagem na Sociedade Zoológica em Londres, citado no comunicado de imprensa sobre o artigo.
“Há investigação científica que comprova que espécies carismáticas, penugentas ou peludas, recebem mais atenção e mais financiamento para fazer estudos. Mas todas as espécies fazem parte da árvore da vida e merecem a nossa atenção. Muitos répteis fazem parte da microfauna que faz o mundo funcionar”, sublinhou Bruce Young, na conferência de imprensa. “Espero que a situação mude, que se dê mais atenção ao risco de extinção dos répteis, agora que foi feita esta avaliação. As pessoas não tinham consciência da dimensão do problema até agora”, acrescentou Neil Cox.