Devido à maneira como explora certos recursos, o Homo sapiens da era pós-industrial sabe fazer coisas com que os homens e as mulheres das cavernas nunca terão sonhado. Mas também conseguimos ser os grandes responsáveis por eventos catastróficos, como acidentes nucleares e grandes derrames de petróleo ou de outras substâncias perigosas. Tais eventos tendem a ser perigosamente mortais e a tornar inabitáveis os ecossistemas — assim como as suas repercussões tendem a fazer-se sentir durante largos anos. No dia em que se assinala o 36.º aniversário do desastre em Tchernobil — e numa altura em que, devido à guerra na Ucrânia, preocupações relativas ao uso de armas nucleares voltam a estar na ordem do dia —, lembramos dez desastres ambientais que foram provocados pela actividade humana e marcaram a história dos últimos 100 anos na Terra. Esta contagem remonta a 1932, quando uma fábrica começou a despejar mercúrio num rio do Japão.
Grande Nevoeiro de Londres (Inglaterra) — 1952
Fez muito frio em Londres em Novembro e Dezembro de 1952. Muito, muito frio. Para grande parte da população, a forma de fazer frente ao desconforto gerado pelas baixíssimas temperaturas foi queimar o caixão de baixa qualidade, que era guardado nas habitações justamente para o combate ao tempo gélido. Tal prática viria, no entanto, a ter consequências graves.
Uma vez que um anticiclone estava a pairar sobre a capital britânica, o dióxido de enxofre lançado durante a queima do carvão não se dispersou, levando a que o ar ficasse cheio de ácido sulfúrico. Resultado: entre 5 e 9 de Dezembro de 1952, Londres viu-se coberta por um nevoeiro tão denso que impossibilitou a condução de carros e paralisou os comboios. Os teatros tiveram de fechar portas porque até em espaços interiores ele se infiltrara.
Não que, inicialmente, o clima tenha sido de pânico (Londres é conhecida pelo seu tempo cinzento, afinal de contas). Só semanas depois do fenómeno — que ficaria conhecido como o Grande Nevoeiro de Londres (ou, alternativamente, o Big Smoke) — é que se soube que, segundo estatísticas compiladas por serviços médicos, levara à morte de quatro mil pessoas, acometidas por problemas respiratórios. As principais vítimas foram crianças, idosos e pessoas que já tinham condições respiratórias preexistentes.
Doença de Minamata (Japão) — 1932-1968
Em meados dos anos 1950, um problema estranho começou a afectar os gatos da cidade japonesa de Minamata. De repente, tinham convulsões e comportavam-se muito erraticamente. Muitos dos felinos caíram ao mar. Pensou-se que estavam a matar-se.
Não seria preciso muito tempo para que corvos começassem a cair do céu e algumas zonas marítimas começassem a ficar cheias de peixes mortos a flutuar. E, ainda, para que uma doença misteriosa começasse a afectar os próprios humanos. Sintomas comuns incluíam dormência nos membros, perda de visão periférica e dificuldades auditivas. Parecia ainda que certas pessoas estavam a desenvolver distúrbios neurológicos, gritando incontrolavelmente.
Em 1956, a raiz do problema começou a ser identificada. Uma fábrica petroquímica da empresa Chisso vinha, desde 1932, a despejar toneladas de mercúrio num rio que desaguava na baía de Minamata. Esse metal tóxico contaminou as águas do mar e, consequentemente, os peixes, a base da alimentação na cidade.
A síndrome resultante de tal contaminação ficaria conhecida como a “doença de Minamata”, que, segundo o Governo japonês, terá sido contraída por quase 3000 pessoas desde que foi identificada. Mas estes números são motivo de polémica: muitos investigadores entendem que os critérios que as autoridades usam para se proceder ao diagnóstico do problema médico são demasiado rigorosos.
A Chisso, que só em 1968 deixaria de despejar mercúrio no rio — e que permanece em funcionamento até hoje —, teve de gastar milhões de yen a descontaminar o território e, em 2010, foi obrigada a indemnizar 2123 pessoas que ainda não haviam sido reconhecidas enquanto portadoras da doença. Cada uma recebeu cerca de 15 mil euros, além da cobertura das despesas médicas mensais.
Acidente químico em Seveso (Itália) — 1976
Estava a ser um dia de trabalho normal na fábrica de químicos Icmesa, propriedade da farmacêutica Roche e situada na comuna de Meda (região da Lombardia, em Itália). Até que o reactor em que era produzido o triclorofenol, composto orgânico usado na preparação de herbicidas e do hexaclorofeno, uma substância antibacteriana, libertou, na sequência de uma reacção inesperada, uma nuvem de TCDD, uma dioxina carcinogénica. Os poluentes espalharam-se rapidamente e atingiram tanto Meda como as comunas vizinhas. A de Seveso, então com cerca de 17 mil habitantes, foi a mais afectada.
Dias depois desse crítico 10 de Julho de 1976, já se contabilizavam cerca de 3300 animais mortos. E, para que a dioxina TCDD não entrasse na cadeia alimentar dos humanos, muitos mais viriam a ser abatidos de emergência ao longo dos anos seguintes.
Duas semanas depois do acidente, 736 habitantes de Seveso e Meda foram obrigados a deixar as suas casas, não tendo podido levar consigo qualquer objecto pessoal. Cerca de 200 destas pessoas não puderam regressar, uma vez que as suas habitações foram destruídas durante os trabalhos de descontaminação das comunas.
A população foi aconselhada a não comer ou sequer tocar em frutos ou vegetais cultivados localmente. Das cerca de 1600 pessoas que, numa fase prematura, foram examinadas por médicos, 447 viriam a ser diagnosticadas com cloracne, uma doença de pele semelhante a uma manifestação severa de acne e que é causada pela exposição a químicos que contêm cloro (como a TCDD).
A directiva europeia Seveso III (2012) tem esse nome porque visa prevenir e controlar os riscos de acidentes químicos graves.
Fuga de gás em Bhopal (Índia) — 1984
As fábricas da antiga Union Carbide India Limited (hoje Eveready Industries India) já tinham antecedentes. Em Janeiro de 1982, uma fuga de fosgénio, gás tóxico e corrosivo que durante a Primeira Guerra Mundial foi muito usado como asfixiante, levara a que 24 trabalhadores tivessem de dar entrada num hospital. Ninguém fora obrigado a usar equipamento de protecção.
O maior e mais fatal dos acidentes aconteceu a 3 de Dezembro de 1984, no entanto. Nas primeiras horas do dia, nas instalações da empresa química em Bhopal (capital do estado indiano de Madhya Pradesh), uma fuga de 40 toneladas de isocianato de metila traduziu-se na formação de uma nuvem nociva que, quase instantaneamente, matou milhares de pessoas e animais.
Segundo o Governo de Madhya Pradesh, a exposição ao isocianato de metila provocou 3787 mortes, mas as estimativas em relação ao número de perdas humanas variam muito (há cálculos que sugerem que o acidente possa ter vitimado mais de dez mil pessoas). A fuga de gás terá também causado mais de 558 mil lesões, sendo que aproximadamente 3900 dos feridos ficaram com problemas de saúde severos e permanentemente debilitantes.
Desastre em Tchernobil (Ucrânia) — 1986
É, indubitavelmente, “o” desastre dos desastres nucleares. Na madrugada de 26 de Abril de 1986, a explosão do reactor 4 da central de Tchernobil, na então Ucrânia soviética, foi o início de um cenário catastrófico. Nuvens de resíduos radioactivos propagaram-se por boa parte do continente europeu e levaram à evacuação de Pripyat, cidade que fora fundada em 1970 justamente para albergar os trabalhadores da central e que tinha pouco mais de 49 mil habitantes quando ocorreu a tragédia (a localidade nunca mais deixaria de ser uma cidade-fantasma). Estima-se que, só na Ucrânia, pelo menos quatro mil pessoas tenham morrido nas regiões mais expostas, quer por causa da explosão quer devido ao risco de cancro resultante da exposição à radioactividade.
Acidente do Exxon Valdez no Alasca (EUA) — 1989
O dia 24 de Março de 1989 acabara de começar quando o navio norte-americano Exxon Valdez, que menos de três horas antes partira de um terminal no Alasca, embateu num recife da costa meridional desse estado e começou a derramar mais de 40 milhões de litros de petróleo.
O acidente afectou mais de 2000 quilómetros da costa do Alasca, tendo provocado a morte de aproximadamente 250 mil aves marítimas, 2800 lontras, 300 focas, 250 águias-carecas, 22 orcas e milhões de salmões. Devido ao desastre, o Congresso dos Estados Unidos aprovou, em 1990, o Oil Pollution Act, lei que obriga as companhias petrolíferas a elaborar planos de prevenção de derrames, bem como planos de emergência, caso os esforços de prevenção falhem e aconteça um acidente.
Derrame de cianeto perto de Baia Mare (Roménia) — 2000
Na noite de 30 de Janeiro de 2000, uma barragem no distrito romeno de Maramures — cuja capital é a cidade de Baia Mare — cedeu, “libertando” cerca de 100 mil metros cúbicos de água contaminada por cianeto, um sal inorgânico extremamente venenoso. O incidente comprometeu três rios (o Szamos, o Tisza e o Danúbio) e resultou na morte de variadíssimos animais aquáticos (o cianeto afectou 62 espécies de peixes, 20 das quais constituíam espécies protegidas). A ingestão de peixes contaminados levou à hospitalização de cerca de 100 pessoas.
Acidente do Prestige na Galiza (Espanha) — 2002
O Prestige, um navio com algumas deficiências do ponto de vista estrutural, estava a transportar 77 mil toneladas de fuelóleo quando foi apanhado numa tempestade ao largo do cabo Finisterra, na Galiza, e sofreu um rombo de 35 metros no casco. Depois de seis dias à deriva no oceano Atlântico, o petroleiro partiu-se em dois e afundou, levando àquele que, até hoje, constitui o maior desastre ambiental na história de tanto Espanha como Portugal (as 63 mil toneladas de fuelóleo derramadas afectaram 2900 quilómetros de costa desde Portugal até França, “atacando” 1177 praias).
A maré negra do Prestige representou uma tragédia imediata para a Galiza em termos económicos. A interdição da pesca e da apanha de marisco na região afectou milhares de pessoas. Vários países ofereceram-se para ajudar Espanha após o acidente, mas, temendo que as manchas de fuelóleo chegassem às suas costas, Portugal e França não permitiram que o navio atracasse nas suas zonas económicas exclusivas.
Derrame da Deepwater Horizon — 2010
Foi a 20 de Abril de 2010 que a Deepwater Horizon, uma plataforma petrolífera semi-submersível detida pela empresa de perfuração marítima Transocean, explodiu, matando 11 tripulantes e gerando uma bola de fogo que podia ser avistada a 64 quilómetros de distância. Dois dias depois, a plataforma afundou-se no golfo do México, espalhando-se ao longo das águas 3,2 milhões de barris de petróleo.
A tragédia continua a ser, em termos oficiais, o maior derrame de petróleo de sempre (que só a 10 de Julho daquele ano viria a cessar). A mancha escura que se formou — e que chegou a atingir cerca de 22 milhas náuticas (cerca de 40 quilómetros) de comprimento — foi fatal para muitíssimos animais aquáticos. E não só a curto prazo: em 2015, a agência Reuters noticiou que o número de mortes de golfinhos no golfo do México havia aumentado de 63 por ano, entre 2002 e 2009, para 200 por ano desde Abril de 2010.
Desastre em Fukushima (Japão) — 2011
Trata-se do desastre nuclear mais grave desde o acidente em Tchernobil. A 11 de Março de 2011, um dos maiores sismos de que há memória na Terra deu origem a um tsunami violento, que, por sua vez, semeou o caos na fábrica de Fukushima Daiichi.
A água inundou a central, destruindo a sua rede eléctrica e deixando os geradores de emergência alagados. As falhas no sistema originaram explosões de hidrogénio, que lançaram material radioactivo na atmosfera. Mais de 160 mil pessoas, que viviam a 30 quilómetros da central ou menos, tiveram de abandonar as suas casas. Há quem ainda não tenha podido voltar.
O sismo e o tsunami vitimaram mais de 18 mil pessoas. Em Setembro de 2018, o Governo japonês reconheceu que um trabalhador da fábrica, diagnosticado em Fevereiro de 2016 com um cancro que tomaria a sua vida, ficara doente devido à exposição. É, até ao dia de hoje, a única morte oficialmente associada ao desastre.