Agricultura intensiva e aumento de calor matam metade dos insectos
Estudo comparativo analisou milhares de populações de insectos em todo o mundo. Resultados apontam para impacto mais grave nas regiões tropicais.
A agricultura intensiva e o aumento da temperatura devido às alterações climáticas estão, em conjunto, a levar à diminuição da abundância de insectos em 49% e à redução do número de espécies em 27% face a regiões não afectadas. Apesar de o cenário ser negativo a nível global, aquela dupla é especialmente nefasta para os insectos das regiões tropicais, mostra uma investigação publicada esta semana na revista Nature.
Nos últimos anos, vários estudos científicos têm vindo a mostrar uma redução das populações de insectos um pouco por todo o mundo. Há vários factores que estão associados a esta perda, desde a dispersão de poluentes à deterioração dos habitats.
Mas a investigação de Charlotte L. Outhwaite e Peter McCann, da University College de Londres, centrou-se nos efeitos da agricultura e do aumento de calor. Trabalhos anteriores mostram que esta dupla pode “actuar em sinergia”, levando a um maior impacto, diz o artigo. “O uso humano do solo altera as condições climáticas locais, o que reduz a disponibilidade de microclimas adequados.”
Os investigadores usaram informação recolhida pela comunidade científica entre 1992 e 2012, vinda de 2000 locais diferentes. Todos os grandes biomas terrestres foram incluídos na análise, menos a tundra. Os 756.879 registos usados abarcam populações de 17.889 espécies de insectos, incluindo escaravelhos, moscas, abelhas, borboletas, gafanhotos, cigarras, entre outros.
Ao contrário de estudos que analisam a evolução das populações numa determinada área geográfica ao longo do tempo, 99,7% dos registos foram feitos numa janela de tempo máxima de dois anos. Este tipo de monitorização, de curta duração, é mais limitado para determinar as tendências de sobrevivência das populações num dado local.
Quatro regiões analisadas
Ainda assim, a profusão de dados permitiu aos cientistas comparar a biodiversidade de insectos entre quatro regiões diferentes: áreas naturais intocadas, em que subsiste a vegetação primária; áreas com vegetação secundária; áreas com cultivo agrícola de baixa intensidade; e áreas com agricultura intensiva.
O cultivo mais intensivo é definido por “uso de produtos químicos, baixa diversidade de culturas, um grande tamanho do campo de cultivo, a mecanização das práticas ou uma alta densidade de gado”, lê-se no artigo científico.
Além daquelas quatro áreas, também se comparou a biodiversidade entre regiões mais afectadas pela subida da temperatura e regiões menos afectadas.
Os resultados mostraram que há uma interacção negativa entre as regiões agrícolas e o aumento de temperaturas, principalmente nas regiões tropicais. “Muitos insectos parecem ser muito vulneráveis às pressões humanas, o que se torna preocupante à medida que as alterações climáticas pioram e as áreas agrícolas se expandem”, explica Charlotte L. Outhwaite.
Os investigadores suspeitam de que os impactos são mais graves nos trópicos porque as espécies de insectos nestas regiões estão muito adaptadas aos nichos climáticos e são mais susceptíveis a pequenas mudanças em factores como a temperatura. Pelo contrário, os insectos das regiões temperadas estão habituados a maiores variações climáticas.
No entanto, como em muitas regiões temperadas o uso do solo é mais antigo, coloca-se a hipótese de que a diminuição da biodiversidade dos insectos nestas regiões tenha acontecido no passado. Nesse caso, as monitorizações recentes não puderam identificar essa perda.
Os resultados não são animadores tendo em conta a saúde dos ecossistemas e a dependência humana em relação a estes animais. “Os insectos têm um vasto número de papéis”, recorda Tom Oliver, professor em ecologia aplicada na Universidade de Reading, no Reino Unido, que não fez parte do estudo. “Além da polinização e do controlo de pragas, eles são essenciais para decompor os restos orgânicos e reciclar os nutrientes”, acrescenta o investigador, citado na plataforma Science Media Center.
Para quando o colapso?
A equipa também concluiu que a existência de habitat natural à volta de uma região agrícola de baixa intensidade foi capaz de mitigar o efeito de um certo aumento da temperatura. Assim, quando o habitat natural à volta da área cultivada era de 75%, a abundância de insectos baixava apenas 7% e o número de espécies 5%. Mas se o habitat natural fosse somente de 25%, então as quebras na abundância alcançavam 63% e nas espécies 61%.
No entanto, em regiões com agricultura intensiva e em regiões onde a subida de temperatura foi mais expressiva, o habitat natural deixou praticamente de ter um efeito de protecção.
Tendo em conta estes resultados, os autores sugerem “uma forte mitigação climática e a implementação de estratégias de gestão de solos que aumentem a disponibilidade de habitats naturais”, para que o impacto daqueles fenómenos seja menos nefasto nos insectos. Além disso, será necessária uma maior monitorização das populações destes animais para se compreender mais profundamente o seu estado de saúde e a quantos passos podemos estar de um possível desastre.
“Em termos de um potencial ponto de não-retorno, onde o desaparecimento de insectos causa um colapso total do ecossistema, a resposta honesta é que não sabemos quando é que esse momento acontecerá”, salienta Tom Oliver. “Mas sabemos que não podemos continuar a extinguir espécies sem que, por fim, acabe por se produzir um resultado catastrófico.”