Em 1970, o tom era de urgência, mas também de entusiasmo: “22 de Abril almeja um futuro que valha a pena viver.” A frase fazia parte do anúncio publicado no New York Times, que se lia como um manifesto, escrito pelos organizadores do primeiro Dia da Terra, e anunciava o evento. O manuscrito foi mais um impulso para que 20 milhões de pessoas saíssem à rua nos Estados Unidos para lutar pelo ambiente e por um futuro em que se pudesse respirar melhor.
Passados 52 anos, o Dia da Terra que se comemora neste 22 de Abril de 2022 tem a urgência que pulsa no manifesto. Entre as réplicas de uma pandemia e uma guerra que ocupa a Europa, quem sair hoje à rua preocupado com o estado do planeta leva aos ombros os alertas sobre o aquecimento global do último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), além de uma crise da biodiversidade, outra do plástico e a realidade de um mundo cada vez mais povoado, onde uma parte da humanidade consome produtos em excesso e a outra percorre quilómetros para conseguir obter um balde de água.
Falámos com vários especialistas para ajudar a construir uma radiografia do planeta em 2022, e os problemas ambientais e civilizacionais que teremos de enfrentar. Os gráficos que foram compilados aqui revelam que, desde 1970, muitos indicadores da sua saúde pioraram, tanto na atmosfera, como na terra e nos oceanos. Todas as pessoas com quem contactámos mostram-se preocupadas, mas também sublinham que é necessário manter a esperança e vontade de acção para reverter o cenário.
No início era a atmosfera
Há 52 anos, a poluição atmosférica já era um problema gravíssimo nos países mais desenvolvidos. De acordo com o anúncio publicado em Janeiro de 1970 no New York Times, que publicitava o Dia da Terra, o smog urbano alcançava até o Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. As fotografias de época das cidades norte-americanas mostravam o ar carregado que hoje associamos a países como a China e a Índia. Mas se a origem do buraco da camada do ozono ainda era mal compreendida, o problema das emissões de gases com efeito de estufa e o perigo das alterações do clima nem sequer estavam no horizonte, quando as pessoas marcharam nas ruas naquele primeiro 22 de Abril.
Volvidas todas estas décadas, enquanto muitas cidades da Europa e dos Estados Unidos viram melhorias na poluição do ar, o aumento da concentração dos gases com efeito de estufa, que faz com que a atmosfera terrestre retenha mais calor vindo do Sol, tornou-se a questão central do ambiente. “De todos os problemas, as alterações climáticas é o mais dramático”, diz Francisco Ferreira, especialista do Centro para a Investigação da Sustentabilidade e do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e presidente da associação ambientalista Zero.
Concentração de CO2 na atmosfera
Partes por milhão
De 1970 para cá, a concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o gás mais importante para o efeito de estufa, passou de 325,68 para 416,45 partes por milhão (ppm), em 2021. Esse aumento deve-se principalmente ao uso de combustíveis fósseis, que se tornaram a grande fonte de energia desde a revolução industrial. Para se perceber a aceleração das emissões deste gás, é necessário ir mais atrás. Antes de 1800, o CO2 atmosférico tinha estabilizado naturalmente nas 280ppm. Em 170 anos, aumentou cerca de 45ppm. Mas nos 50 anos seguintes a concentração deu um salto de 90 ppm.
Apesar dos avisos das últimas décadas em relação a este aumento, os países ainda não conseguiram inverter a aceleração. “Quando o relatório do IPCC diz que a taxa de crescimento das emissões [de gases com efeito de estufa] foi de 2,1% entre 2000 e 2009, mas entre 2010 e 2019 foi de 1,3%, isto é uma razão de satisfação, mas o problema é que [as emissões] continuam a aumentar”, baixou apenas a taxa de crescimento, refere Francisco Ferreira.
Emissões mundiais de CO2
Em mil milhões de toneladas
Nos últimos anos, a surpresa tem surgido nos resultados cada vez mais visíveis e muitas vezes catastróficos do aumento do efeito de estufa. “As ondas de calor aumentaram de uma forma exacerbada”, diz Ricardo Trigo, geofísico e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “Os aumentos muito intensos, em que se batem recordes de temperatura de dois, três, cinco graus, estão de certeza ligados às alterações climáticas”, refere.
O geofísico explica que as ondas de calor estão a ser catapultadas pela diminuição de pluviosidade – dois fenómenos que os climatologistas só começaram a pôr lado a lado nas últimas décadas. “Começou-se a perceber que as situações de seca amplificam a extensão, a amplitude e a intensidade das ondas de calor”, explica Ricardo Trigo.
Desvio da temperatura média da Terra (ºC)
Ao mesmo tempo, a monitorização da temperatura da Terra tem tornado evidente que o planeta está a aquecer. Em 2020, a temperatura da Terra foi 1,02 graus acima da média, comparado com a era pré-industrial. Esta subida contém assimetrias: os continentes aquecem mais do que os oceanos, que têm tido um papel importantíssimo em conter esta tendência, e as latitudes mais perto dos pólos têm aquecido mais do que as regiões perto do equador.
Na Europa, a temperatura em 2020 foi 2,02 graus acima da média. Em Portugal, as temperaturas nas sedes de distrito, apesar de variarem de ano para ano, mostram também uma tendência crescente.
Desvio da temperatura média da Europa (ºC)
Em Portugal, a pluviosidade já está a diminuir, uma tendência que os modelos climáticos previam para o Mediterrâneo. No início do ano, o país viveu uma situação de seca extrema. Mas essa nova realidade não evita o fenómeno oposto.
“A atmosfera mais quente consegue reter mais humidade”, explica Ricardo Trigo, o que pode originar chuvas torrenciais, como aquela que aconteceu na Europa, no Verão de 2021. “Mesmo em sítios onde se prevê a diminuição da precipitação, a probabilidade de termos situações mais extremas de chuva é maior.”
As complexidades do clima podem ter, contudo, algumas respostas. A geógrafa Maria José Roxo, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, investiga os fenómenos de seca em Portugal e defende que necessitamos de nos adaptar às condições que se apresentam.
Depois de um Inverno seco, na região de Mértola choveu 53mm por metro quadrado a 24 de Março. “Os terrenos não conseguem absorver esta água”, constata Maria José Roxo, adiantando que eram necessários locais onde se pudesse armazená-la. “O país tem de se preocupar seriamente com medidas estruturais e trabalhar muitíssimo a sensibilização em relação à água”, sublinha.
Temperatura do ar em Portugal
Média anual
Ricardo Trigo também defende vários tipos de adaptações contra o calor. Nas cidades, a reflorestação é uma medida para contrabalançar o “efeito de ilha urbana”, provocado pelos prédios e pela pavimentação das ruas, que faz subir as temperaturas.
O investigador sugere ainda medidas mais gerais, como a alteração de grandes plantações agrícolas para variedades capazes de reflectir mais luz, o que poderia “diminuir as ondas de calor localmente”; ou ainda colocar em regiões secas parques de painéis solares, que produziriam energia eléctrica renovável e tornariam a região mais fresca.
Em relação ao fim das emissões de gases com efeito de estufa, que está na origem dos problemas descritos acima, Ricardo Trigo acredita que, além das energias renováveis, serão necessários avanços científicos na área da fusão nuclear, que proporcionaria uma versão limpa daquele tipo de energia. “As renováveis são fundamentais, mas não são capazes de funcionar bem em toda as situações. É preciso um apoio de base, que têm sido as centrais a gás. A fusão nuclear poderia ser esse apoio.”
Emissões de CO2 em Portugal
Em milhares de toneladas
Até lá não minoriza a captura de carbono da atmosfera, feita por centrais que depositam o gás dentro da terra. “Adoraria que isso viesse a funcionar”, admite, adiantando que para isso seria necessário muito mais investimento.
Em Setembro último, uma destas centrais começou a funcionar na Islândia, e promete capturar 4000 toneladas de dióxido de carbono por ano. Fazendo as contas, seriam necessárias mais de nove milhões de centrais iguais para contrabalançar os 36,3 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono emitidos só em 2021.
Já Francisco Ferreira desconfia da eficácia da captura de carbono. “Temos de pensar se tem sentido, se é suficientemente seguro e temos de avaliar os custos e as garantias científicas” desta tecnologia, além do esforço energético, argumenta. Para o investigador, os oceanos e as florestas têm o papel principal de sugar o dióxido de carbono do ar. Porém, nada se conseguirá, se os países não travarem com força as suas emissões. Essa é a parte mais difícil.
Emissões de gases com impacto na camada de ozono
Em milhões de toneladas equivalentes ao CFC-11
“Quando chega a hora da verdade, mesmo nos países desenvolvidos, acabamos por não implementar as medidas que eram necessárias”, avalia Francisco Ferreira. E relembra bons exemplos do passado na área do ambiente, como a implantação de estações de tratamento de águas e o acordo mundial estabelecido no Protocolo de Montréal, de 1987, que baniu o uso dos clorofluorocarbonetos (CFC), gases que destruíam o ozono estratosférico, e que permitiu iniciar uma recuperação do buraco de ozono.
Mas em relação às alterações climáticas e apesar de todas as provas científicas e desastres naturais, o ambientalista teme a dimensão da crise: “O que não significa que não se consiga reverter a situação, mas tem de ser ao longo dos próximos cinco anos.”
FRIEDEMANN VOGEL/EPA
Aprender a viver numa Terra cheia de pessoas
A população mundial ainda estava longe dos 4000 milhões, em 1969, quando Stephanie Mills subiu ao palco, na Faculdade Mills, em Oakland, Califórnia, e anunciou no discurso de formatura que nunca iria ter filhos. “Entristece-me terrivelmente o facto de que a coisa mais humana que possa fazer é não ter crianças”, admitiu, numa missiva intitulada “O futuro é uma terrível farsa”.
O argumento da jovem traduzia uma preocupação sobre o aumento populacional e a extinção dos recursos. “A razão para o nosso futuro finito e pouco róseo é que estamos a reproduzir-nos até deixarmos de existir”, disse a ambientalista, que viu as suas palavras publicadas nos jornais.
População mundial
Em milhões
Apesar do tom dramático, em 1972 o discurso iria ter uma corroboração académica no famoso livro Os Limites do Crescimento. O trabalho, comissariado pelo Clube de Roma e encabeçado pela investigadora americana Donella H. Meadows, partiu de modelos para mostrar que, se o crescimento da população e da produção industrial continuassem no mesmo ritmo, dentro de 100 anos o planeta deixaria de suportar esse crescimento.
Meio século depois, estamos à beira dos 8000 milhões de pessoas e as estimativas mostram que a tendência deverá continuar – mas a questão sobre o limite do planeta mantém-se. “Vejo o crescimento da população como inevitável”, diz John Wilmoth, director do Departamento de População das Nações Unidas, especialista em questões populacionais. “Não há muito que possamos fazer para o parar, e temos de aprender a viver com 10.000 ou 11.000 milhões de pessoas neste planeta.”
Em poucos anos, a região da África subsariana irá tornar-se a maior responsável pelo crescimento populacional do mundo, retirando a Ásia do primeiro lugar, e ajudando a atingirmos os 9700 milhões de pessoas já em 2050. Países como Portugal estão no lado oposto, arriscando-se a ter um crescimento negativo, o que põe em causa o modelo económico vigente, que se apoia no crescimento contínuo da população.
População portuguesa
Em milhões
“O nosso modelo económico é muito dependente do crescimento”, reconhece John Wilmoth. “Em países onde a população começa a declinar, há uma pressão negativa na economia.” Essa pressão pode ser contrabalançada com o consumo, mas esse é um dos maiores motivos do impacto humano no planeta. “Tem havido um aumento maior no consumo total por pessoa do que no aumento da população”, refere o especialista, acrescentando que “é mais importante o foco que se dá naquilo que fazemos do que no número de pessoas que existem”.
Observando apenas dois materiais queridos à maioria das sociedades humanas, o ferro e o plástico, é fácil verificar esse crescimento. Se a produção mundial de minério de ferro passou de 983 para 2600 milhões de toneladas, entre 1990 em 2021, a produção de plástico saltou de 1,5 para 367 milhões de toneladas, entre 1950 e 2020.
Produção mundial de minério de ferro
Em milhões de toneladas
Nos últimos anos, o plástico tornou-se um material especialmente polémico – não só por se multiplicar em componentes cada vez mais pequenos, originando o microplástico, mas também pela dificuldade da degradação e por ter penetrado todos os sistemas da Terra onde procurámos por ele, incluindo o corpo humano.
“Os plásticos são muito úteis”, refere Paula Sobral, bióloga do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e que estuda o impacto dos microplásticos nos sistemas marinhos. “Existem aplicações do plástico que são duráveis, mas os de uso único representam 60% do lixo, não há razão para continuarem a ser produzidos”, adverte. “Se nada fizermos, estaremos cada vez mais inundados de plástico.”
Há vários problemas relativos ao microplástico, alerta Paula Sobral. Estas partículas têm capacidade de absorver compostos poluentes existentes na água, como o DDT. Como são confundidos por alimento, ao serem ingeridos pelos animais, estes compostos entram na cadeia trófica marinha e podem chegar às populações humanas.
Produção de plástico
Em milhões de toneladas
Feita a partir do plástico encontrado nas favelas de Kibera, em Nairobi, a obra de nove metros do artista canadiano Benjamin von Wong, com o nome sugestivo “Desliga a Torneira do Plástico”, estava instalada durante a 5ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em Fevereiro de 2022, na sede do Programa Ambiental das Nações Unidas, na capital do Quénia.
Lucas Jackson/Reuters
Feita a partir do plástico encontrado nas favelas de Kibera, em Nairobi, a obra de nove metros do artista canadiano Benjamin von Wong, com o nome sugestivo “Desliga a Torneira do Plástico”, estava instalada durante a 5ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em Fevereiro de 2022, na sede do Programa Ambiental das Nações Unidas, na capital do Quénia.
Lucas Jackson/Reuters
Por outro lado, a indústria adiciona compostos químicos aos plásticos que conferem propriedades específicas. “Muitos destes compostos não conhecemos ou foram pouco estudados”, admite a bióloga. “Mas os que foram estudados causam disrupção endócrina, mimetizam hormonas, enganam o organismo dos animais e afectam a reprodução.”
Segundo a investigadora, está em curso o desenvolvimento de um tratado global para os plásticos organizado a nível das Nações Unidas. No entanto, Paula Sobral declara o seu desânimo, quando observa o ritmo com que se caminha na política ambiental: “As coisas levam tanto tempo, quando deviam ser rápidas.”
Se olharmos para as estatísticas, há algumas boas notícias, recorda John Wilmoth. Afinal, 40% da população mundial vivia na pobreza extrema em 1980, uma percentagem que foi baixando e atingiu os 8% em 2019. Esta tendência poderá ter parado durante a pandemia, alerta o especialista. E é mais uma prova de que é possível alimentar a população mundial, argumenta.
Superfície mundial de área agrícola
Terra arável, culturas permanentes e pastagens permanentes.
Em mil milhões de hectares
No entanto, o especialista está preocupado com a questão climática: “Não estamos a fazer progressos suficientes em termos de mudar o modo como as pessoas vivem e de alterar a economia em direcção à descarbonização.” E alerta para o facto de que o nosso modo de vida pode levar a um colapso. “Mas se ajustarmos as regras do jogo, de uma forma inteligente, então podemos viver com uma população maior.”
Os custos de alimentar quase 8000 milhões são evidentes: 52% das terras agrícolas estão degradadas e a agricultura causa 80% pela desflorestação, segundo os dados de 2021 das Nações Unidas. A intensificação do uso do solo agrícola permitiu produzir mais alimentos na mesma área, mas promove a sua desertificação.
“A desertificação tem conduzido ao abandono da terra, essencialmente em países em desenvolvimento, e ao desencadear de movimentos migratórios”, refere Maria José Roxo, acrescentando que a perda do solo desencadeia um problema de alimentação. “Considero que o recurso mais ameaçado e do qual depende a humanidade é o solo.”
Este alerta estende-se a Portugal, diz a geógrafa, nomeadamente às escolhas que se fazem no território relativamente à produção. O tema torna-se premente numa altura em que a guerra na Ucrânia está a fazer subir o preço dos alimentos.
Superfície de área agrícola em Portugal
Terra arável, culturas permanentes e pastagens permanentes.
Em milhões de hectares
“O que é que vamos produzir? Onde? E em que solo?”, questiona a geógrafa. “É preciso pensar mais o território em função das condições do clima, das condições do solo e das populações para termos um equilíbrio e um desenvolvimento sustentável”, defende.
A água é outro aspecto desta equação. Nos últimos 50 anos, a quantidade de água doce disponível por pessoa decresceu em todo o mundo. Embora questões de sobre-exploração, contaminação e poluição possam afectar este recurso em qualquer parte da Terra, a verdade é que as assimetrias económicas e o clima são os principais factores para que uma população tenha acesso a água potável.
“Em muitos locais do globo são as mulheres e as crianças que percorrem quilómetros para obter água doce e nem sempre de boa qualidade”, observa Maria José Roxo. “Em Portugal, desde 2000 já ocorreram várias secas graves e as consequências no dia-a-dia das pessoas foram sempre bem distintas”, afirma a investigadora.
Água doce disponível per capita no mundo
Em metros cúbicos
Vários investigadores e ambientalistas declaram que estamos a atravessar a sexta grande extinção da Terra. De acordo com as Nações Unidas, 70% das perdas da biodiversidade estão associadas à produção de alimentos. “Não se pode negar que os humanos se tornaram mais numerosos no mundo e aumentaram a pressão nas outras espécies”, refere John Wilmoth. “Acho que somos responsáveis por atenuar esse impacto.”
Desde 1998, o Fundo Mundial da Natureza (WWF) foi avaliando a abundância de 20.000 populações de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes um pouco por todo o mundo, produzindo o Índice do Planeta Vivo. A análise é uma janela para o estado dos ecossistemas.
Para se obter o índice, definiu-se 1970 como o momento zero da sua contagem, ou seja, estabeleceu-se que as populações daqueles animais estariam a 100% naquele ano. A partir daí, os declínios do número de animais vão resultando numa diminuição do índice ao longo das décadas. No relatório de 2020, estimou-se que o índice estaria a 32%, uma diminuição preocupante de 68%.
Índice mundial de abundância das populações de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes
Em %
“Estamos claramente atolados numa grave crise da biodiversidade”, admite Jorge Palmeirim, biólogo e professor da FCUL. Para Palmeirim, a tendência do índice é “extremamente preocupante, pois revela uma queda vertiginosa e descontrolada das espécies e dos ecossistemas de que dependem, dos quais a nossa qualidade de vida também depende”.
O biólogo diz partilhar desta visão, quando vai fazer trabalho de campo. “Em África, noto particularmente a redução das populações de grandes e médios mamíferos”, diz. Em Portugal, também encontra a mesma tendência nas aves e nos anfíbios.
Para Jorge Palmeirim, o lançamento de medidas de conservação tem conseguido reverter o declínio de algumas populações. No entanto, “à escala global, os esforços até agora investidos em conservação têm sido muitíssimo insuficientes”, afirma. É necessário gerir bem o território, “aumentando as áreas protegidas e melhorando a exploração dos recursos naturais, especialmente através da agricultura, pecuária e silvicultura”, diz, acrescentando que as “áreas exploradas por estas actividades não têm de ser desertos de biodiversidade”.
Área florestal do planeta
Em mil milhões de hectares
Os sistemas florestais são um componente importante na manutenção dessa biodiversidade. Todavia, uma área florestal recém-plantada, apesar de poder retirar mais dióxido de carbono da atmosfera, não substitui uma floresta com séculos. “As florestas antigas tendem a ser estruturalmente mais complexas, proporcionando mais habitats distintos, o que as faz mais biodiversas do que as novas”, refere José Miguel Pereira, director do Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia, especialista na área de florestas e incêndios.
Como em muitas regiões do mundo, também em Portugal os incêndios são uma ameaça à floresta. “Desde 2016 a 2021 arderam 490 mil hectares de floresta em Portugal”, informa o investigador, cerca de um sétimo da área florestal contabilizada a nível nacional em 2015. Segundo José Miguel Pereira, os grandes incêndios florestais que afectam a Califórnia, a Austrália e também Portugal “têm em comum uma contribuição do aquecimento global, que está a aumentar a frequência de ocorrência, por vezes simultânea, de episódios de seca e ondas de calor”.
Área florestal de Portugal continental
Em milhões de hectares
Em Portugal, 90% da área florestal portuguesa é privada. A sua protecção está estreitamente relacionada com os donos das terras, argumenta o académico: “Proteger as florestas portuguesas passa por fazer com que elas tenham valor para os seus proprietários e para a sociedade em geral.” E, desta forma, ajudar nos problemas ambientais que assolam a Terra.
Marcha no Dia da Terra
Estudantes do ensino secundário manifestam-se a 22 de Abril de 1970, no primeiro Dia da Terra, em St. Louis, no Missouri, Estados Unidos
Bettmann/Getty Images
Os oceanos como função final
Desde os derrames de petróleo até às descargas de esgotos e de fertilizantes, quando se observa a forma como os oceanos têm sido tratados nas últimas décadas, a expressão de Paula Sobral torna-se adequada: “Durante muito tempo usámos os oceanos como lixeira. Eram a função final.”
As regiões com baixas concentrações de oxigénio são uma das consequências desse facto. Graças à chegada aos oceanos de grandes quantidades de nutrientes, como o azoto e o fósforo, vindos da agricultura, há uma explosão de crescimento de algas à superfície que impede a luz de penetrar a água, mata as algas que vivem em profundidade, deixando de produzir oxigénio. O oxigénio que resta é consumido pelas bactérias, produzindo as “zonas mortas”, que afastam a vida animal.
Zonas mortas nos oceanos
Regiões com baixas concentrações de oxigénio
Estas regiões dispersas por todos os oceanos aumentaram de 162 para 400, entre 1995 e 2008. Onze anos depois, em 2019, já eram 700. “As regiões anóxicas não param de aumentar”, refere a bióloga, que estuda os impactos do plástico e de outras fontes de poluição no meio marinho. “Há uma relação muito importante entre o que se faz em terra e o que se passa no mar.”
Ao mesmo tempo, o estado do mar tem uma grande influência na alimentação em terra. “Cerca de 40% da população vive a 100 quilómetros da costa e o pescado é a maior fonte de proteína animal a nível mundial”, refere, por sua vez, Ana Nuno, investigadora na área da conservação e gestão dos recursos naturais da FCSH. Tudo o que tem impacto nestas reservas, incluindo a pesca excessiva, põe em causa a alimentação de uma parte importante da população.
“A situação das reservas de peixe é preocupante em muitos países do mundo”, sublinha Ana Nuno, mas há bons exemplos, como na Nova Zelândia e nos Estados Unidos, em que as reservas têm sido “usadas de modo sustentável”, argumenta. Infelizmente, muitos países em desenvolvimento não têm meios para praticar esse tipo de sistema e são os pescadores de pequena escala quem mais sofre esse impacto.
Pesca mundial
Em milhões de toneladas
Peixe capturado em Portugal
Em toneladas
“Enquanto as frotas industriais têm uma relativamente elevada capacidade de adaptação, os pescadores artesanais têm artes de pesca mais simples e pescam perto da costa, sofrendo directamente as consequências dos colapsos das reservas”, relata a investigadora. Apesar de estar preocupada com as ameaças ambientais e os problemas sociais associados, Ana Nuno refere os “óptimos exemplos de recuperação, uso sustentável e integração de questões socioambientais que devem servir de inspiração”.
Uma das ameaças aos oceanos é também o aumento do dióxido de carbono atmosférico. Parte dele está a infiltrar-se nas águas marinhas, aumentando a sua acidificação. Por outro lado, o aquecimento global já está a alterar as paisagens polares. A diminuição da área de gelo do Árctico, no Verão, é um desses sinais. Mas o derretimento na Antárctida e, principalmente, o do gelo da Gronelândia terá um impacto nas regiões costeiras de todo o mundo.
Um icebergue flutua junto de um fiorde perto da povoação de Tasiilaq, na Gronelândia
Lucas Jackson/Reuters
Área mínima anual de gelo no Árctico
Em milhões de quilómetros quadrados
“O nível médio do gelo está a cair um metro por ano na Gronelândia nos primeiros 100 quilómetros junto à costa”, refere Ricardo Trigo, geofísico da FCUL. Além disso, esta região do gelo está mais cinzenta, devido a poeiras que se espalham vindas de regiões do Hemisfério Norte, antes cobertas por gelo. Como o gelo fica mais escuro, acumula mais calor, acelerando o seu derretimento. “A Gronelândia está muito instável”, acrescenta.
Se toda a Gronelândia derreter, um processo que na escala de tempo estará na ordem dos séculos, o nível médio do mar subiria cerca de sete metros. Quem olhar para o resultado vai estar diante de outra Terra.
“O planeta vai continuar a existir”, diz, por sua vez, Maria José Roxo. “Importa salvaguardar a presença do ser humano, através do respeito pelos ciclos da natureza e de uma convivência que não seja predadora.”