Verdejar o Planeta Terra
A primeira fotografia a cores de todo o Planeta Azul foi tirada há 50 anos pela tripulação da Apolo 11. Mas foram os tripulantes da Apolo 8, quatro anos antes, os primeiros a avistar um planeta praticamente todo azul, a levitar num cosmos negro e acinzentado com algumas manchas esverdeadas e castanhas, cobertas pelo branco das nuvens. A perspectiva sideral de um corpo inteiramente visível foi tão marcante que esta missão recebeu o nome “Nascer da Terra”. As pequenas manchas verdes que se destacam no Planeta Azul mostram a vegetação presente nos continentes; as castanhas, as zonas áridas e secas. Em 2022, “Investir no nosso Planeta” é o lema oficial para este Dia da Terra que, desde 1970, convida a reflectir sobre o papel do Homem no “seu” planeta. E lembra a necessidade de reverter as paisagens áridas e humanizadas e aumentar os mosaicos de vegetação natural.
A cor verde, presente nas imagens do Planeta Azul e que caracteriza a vegetação, resulta da presença de um pigmento, a clorofila a, “inventada” há cerca de 3500 a 3700 milhões de anos por umas bactérias. Com este pigmento, os organismos absorvem a luz solar e “canalizam” a energia captada para a síntese de moléculas orgânicas a partir do dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera. A clorofila a absorve o espectro da radiação na banda dos azuis e do vermelho, reflectindo a banda verde, que se torna visível aos olhos humanos.
A produção de matéria orgânica a partir da energia solar e de CO2 com libertação de oxigénio originou o “Holocausto do Oxigénio”, provocado pela forte toxicidade desta molécula. Este processo, a fotossíntese, foi tão “perfeito” que se tem mantido ao longo da evolução da vida na Terra e está presente em bactérias, algas e plantas que colonizam oceanos, zonas húmidas, águas doces ou o continente. São estes organismos que fornecem o alimento a toda uma complexa teia de animais, e por isso se chamam “produtores primários”. Quando o Homem aprendeu a produzir alimento, “apropriou-se” da produtividade do planeta, abandonou a sua ligação à natureza e acelerou a transformação da paisagem em seu benefício.
Há 50 anos houve dois marcos que procuraram alertar a humanidade para as possíveis consequências da ganância e alienação do desenvolvimento da sociedade: a publicação do livro Limites do Crescimento e a Conferência de Estocolmo, sob os auspícios das Nações Unidas.
O livro, baseado na análise da população, produção de alimentos, industrialização, poluição e consumo de recursos naturais não renováveis, alertou para as consequências das políticas económicas e industriais vigentes no sentido de promover correcções para o mundo mais sustentável. A controvérsia que gerou através dos cenários de crescimento que equacionou foi particularmente polémica, mas, ainda hoje, essas preocupações não perderam relevância. A Conferência de Estocolmo, realizada depois do lançamento do livro, permitiu uma acesa discussão sobre o futuro do clima global e chamou a atenção para a necessidade de preservar os habitats naturais com vista à melhoria sustentada das condições de vida da população mundial.
Relatórios e avisos nunca foram interiorizados pela população e muito menos pelas estratégicas políticas. A Década do Restauro Ecológico, lançada em 2020 pelas Nações Unidas, e o Pacto Ecológico Europeu apontam medidas transversais de conciliação entre economia e conservação da biodiversidade. Mas as metas económicas e políticas vigentes afastam a sociedade da realidade do mundo natural. A natureza é como um livro aberto, cuja leitura nunca termina, desarrumado, porque varia de lugar para lugar, e misterioso, porque a “ordem” não existe. Num ecossistema natural e biodiverso, as espécies estão interligadas numa teia alimentar complexa, com variações cíclicas, dependentes das estações do ano e das condições climáticas. É o contrário do que se investe e se apoia: espécies “arrumadas”, idênticas, ajardinadas em zonas urbanas, ordenadas e manietadas pelo Homem.
A sociedade actual está mais motivada e sensível às presentes questões ambientais, mas liga-as apenas à crise climática provocada pelo excesso de dependência energética de combustíveis fósseis. Combater a alteração climática com aumento de energias renováveis maioritariamente em espaços naturais e focar a competitividade económica com aumento de oferta turística à custa da delapidação do património natural é insuficiente para a sustentabilidade de um futuro próximo. Mas é esta a informação transmitida e incentivada. Urge estabelecer o valor da biodiversidade para a regulação climática, a purificação do ar e da água e a acumulação de carbono. Sem políticas públicas e informação científica direccionada, dificilmente o país pode cumprir as metas europeias que procuram minimizar a crise climática e a perda de diversidade e, especialmente, contribuir para verdejar o planeta.