“A Associação irá até ao último recurso judicial para evitar que os últimos recursos naturais sejam extintos.” É assim que se apresenta a associação Último Recurso, lançada esta sexta-feira, alinhando-se simbolicamente com o Dia da Terra. O seu principal objectivo é conseguir, através de sentenças judiciais, obrigar grandes empresas em Portugal a cortar emissões para que seja possível atingir as metas do Acordo de Paris.
“Portugal ainda é muito conservador nesta área, há poucos casos que regulam o Direito e a sua relação com o clima”, assegura Mariana Gomes, activista e estudante de Direito de 20 anos, fundadora da associação Último Recurso. “O Direito do ambiente tem uma base antropocêntrica, [é] focado no Homem e não no ambiente como um todo”, defende. “Como se o ambiente nos pertencesse.”
“Se não conseguirmos a mudança pela mediação e conversação, vamos pela via de acções judiciais”, avança Beatriz Cunha, 22 anos, colega de curso de Mariana Gomes na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) e vice-presidente da associação. Dos 12 membros com que arranca a Último Recurso, a maioria são estudantes de Direito, mas há também finalistas do curso de Turismo, Ciência Política e uma professora de Direito da Universidade de Coimbra.
Obrigar a cortar emissões em tribunal
Em Portugal, querem alcançar algo semelhante ao que aconteceu o ano passado nos Países Baixos, quando a organização não-governamental Amigos da Terra (Milieudefensie, em neerlandês) conseguiu que um tribunal nos Países Baixos obrigasse a Shell a reduzir em 45% as suas emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2030.
Uma decisão histórica: foi a primeira vez que uma empresa foi obrigada por lei a alinhar as suas políticas com o Acordo de Paris, criando um precedente jurídico que permite à Justiça forçar mudanças no modelo de negócio de grandes emissores de gases com efeito de estufa.
Mariana Gomes garante ter já uma lista de “vários factos ilícitos” que pode apontar a empresas como a Galp e a Navigator. Quanto ao Estado português, explica Beatriz Cunha, a acção da associação passará mais por apontar incongruência e inacção, “que em muitos casos é altamente prejudicial e permite a degradação contínua do clima”.
Procuraram inspiração noutras organizações internacionais que têm mobilizado acções judiciais pelo clima, como a ClientEarth ou a Global Action Network (GLAN). Em Setembro do ano passado, a ClientEarth, juntamente com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), apresentou uma acção para anular a declaração de impacto ambiental que foi favorável à construção do aeroporto no Montijo.
Beatriz Cunha avança que estão também em contacto com a associação internacional não lucrativa Global Legal Action Network (GLAN), que conduziu o processo em que seis crianças e jovens portugueses, com idades entre os 8 e os 21 anos, foram os autores de uma acção que deu entrada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, contra 33 Estados, por causa das alterações climáticas.
Na associação Último Recurso, querem ir mais longe, visando os maiores responsáveis por emissões de CO2 ou degradação de ecossistemas, como a Galp ou a Navigator: “Não procuramos uma luta de egos a ver quem tem razão”, explica Beatriz. “Temos de olhar para a própria estrutura. A forma como, por exemplo, a Galp foi criada é o problema”, defende Mariana Gomes.
É preciso levar a emergência climática para dentro dos tribunais, assegura Mariana Gomes, recordando o último relatório do IPCC, que revelou um recorde de emissões na última década, alertando para a urgência de cortar emissões para garantir que ainda se pode limitar o aquecimento global para garantir um “futuro habitável”.
E isso poderá em breve chegar a tribunal: “Toda a discussão que se queira fazer num plano político, os juristas transformam em questões jurídicas”. Algo, acredita a activista, que se traduz num momento paradoxal do tempo em que vivemos: “É muito provável termos um jurista a defender ‘a lei não diz isto, a lei não permite’ e ao mesmo tempo, a 10 metros, há um ciclone que já chegou.”