Alerta: o último Verão foi o mais quente já registado na Europa

Os avisos são recorrentes. Ainda assim, os dados continuam a demonstrar que não há muitas melhorias. Do aumento das temperaturas aos fenómenos extremos (como as cheias ou os incêndios), o relatório europeu sobre o estado do clima foi lançado no Dia da Terra – com más notícias para o planeta.

Foto
Em 2021, a Europa registou um novo máximo de temperatura: 48,8 graus Celsius, em Itália Miguel Manso

O ano de 2021 não trouxe boas notícias para o planeta Terra. O último Verão foi o mais quente de sempre nos registos da Europa – e os últimos sete anos são, por larga margem, os sete mais quentes desde que há medições. Mas não ficamos por aqui. Ao longo deste último ano, as temperaturas da água do mar continuaram a aumentar, tal como a perda de gelo.

Os dados surgem no Estado do Clima Europeu de 2021, um relatório produzido pelo Serviço de Alterações Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia. O relatório publicado esta sexta-feira não traz muitas novidades face aos avisos que recebemos ao longo das últimas décadas. O aumento da temperatura – atmosférica e do mar – é acompanhado pelo crescimento das emissões de dióxido de carbono (CO2) e metano – que não sofreram alterações na sua concentração com a pandemia da covid-19.

Os dados preocupam e reflectem a necessidade de se aumentar o nosso compromisso. Quem o refere é Joana Portugal Pereira, autora líder do mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês): “Para estabilizar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius até ao final do século é essencial aumentar a nossa ambição climática numa escala sem precedentes. É necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa para metade na próxima década para atingirmos uma neutralidade climática líquida até meio do século. Só assim conseguiremos abrandar os efeitos do aquecimento global.”

A Europa, onde o relatório do C3S se centra, viveu um ano de extremos. As ondas de calor, vagas de frio e cheias têm triplicado no continente europeu desde 1961, confirmando o impacto significativo das alterações climáticas ao longo dos anos – com o aumento das temperaturas desde a era pré-industrial.

O caso europeu torna-se ainda mais relevante quando observamos os últimos 30 anos anos: os valores de 2021 superam em um grau Celsius a média entre 1991 e 2020.

Gases com efeito de estufa continuam a crescer

Como já tinha sido avançado no início de 2022, os últimos sete anos foram, por larga margem, os mais quentes alguma vez registados. E embora 2021 tenha sido um dos mais frescos nestes últimos sete anos, tal deve-se ao ligeiro arrefecimento provocado pelo La Niña, um fenómeno natural oceanográfico que causa alterações abruptas nas temperaturas do ar e nos padrões de precipitação global (como as secas prolongadas).

“Os especialistas como o IPCC têm alertado para o facto de estarmos a ficar sem tempo para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius. Este relatório reforça a necessidade urgente de agir à medida que estes eventos extremos estão a acontecer na Europa”, atenta Mauro Facchini, chefe da Observação da Terra na Direcção-Geral da Indústria e Espaço de Defesa, na Comissão Europeia, citado num comunicado de imprensa.

Outro indicador de que ouvimos falar regularmente sobre a crise climática é o aumento dos gases com efeito de estufa. Tal como refere o C3S noutro relatório publicado no início de 2022, a tendência de aumento das concentrações atmosféricas de dióxido carbono manteve-se, “levando a um recorde anual global de cerca de 414,3 ppm [partes por milhão]”. O dado mais surpreendente está, porém, no metano, com “um máximo sem precedentes de 1876 ppm”. O alerta repete-se agora no relatório sobre o Estado do Clima Europeu de 2021.

“O metano é um poderoso gás com efeito estufa, com um potencial de aquecimento global aproximadamente 34 vezes superior ao do dióxido de carbono”, explica Joana Portugal Pereira, também investigadora no Imperial College, no Reino Unido. “As principais fontes de emissão de metano são actividades associadas à agro-pecuária e ao uso do solo, principalmente a criação de gado bovino e o cultivo de arroz em sistemas alagados anaeróbicos.”

O pacto pela redução de metano foi assinado por mais de 100 países à margem da conferência do clima em Glasgow (COP26), em Novembro último. “Na prática, o que está a faltar é implementar medidas de baixo custo, como, por exemplo, a redução da produção de carne bovina e de outros ruminantes poligástricos, ou a melhor gestão de água em campos de arroz para reduzir as condições anaeróbicas que libertam elevadas emissões de metano”, destaca Joana Portugal Pereira.

Menos gelo, mais cheias e recordes (negativos)

Os glaciares continuam a derreter ano após ano, como acontece com a extensão de gelo marinho na Gronelândia e na Antárctida. Não sendo uma novidade, é pelo menos preocupante e catalisadora de novos fenómenos. Em Agosto de 2021, choveu pela primeira vez na história no topo da calota polar da Gronelândia um forte sinal do impacto das alterações climáticas, definiram os cientistas. Inclusive, o mar da Gronelândia tem neste momento o seu mínimo de extensão já registado. Apesar de tudo, nestes dois locais o ritmo de derretimento tem abrandado.

As cheias foram outro dos extremos apontados pelo relatório – e com as quais convivemos ao longo do ano. O Oeste da Europa, onde nos inserimos, congregou um ano recorde de chuva apesar de termos tido períodos intensos de seca. Estes fenómenos extremados ao longo de apenas 365 dias são um dos sinais mais claros, como indicam os especialistas, da necessidade de combater as alterações climáticas.

“As políticas climáticas actuais combatem o aquecimento global, na medida que tendencialmente o aumento das emissões de gases com efeito de estufa tem vindo a estabilizar. No entanto, é necessário aumentar a ambição climática para atingirmos níveis seguros de aquecimento global e reduzir os riscos associados ao aumento da temperatura global e eventos extremos”, reforça Joana Portugal Pereira.

Este ano as temperaturas bateram recordes nesta zona do globo. Espanha e Itália somaram ondas de calor prolongadas e intensas com um novo recorde de temperatura – no caso italiano, os 48,8 graus Celsius na Sicília são o maior valor registado na história europeia. Um estudo publicado no ano passado, na revista The Lancet Planetary Health, projectava um aumento de mortes como consequência das altas temperaturas que pode chegar a um acréscimo de 85 mil mortes em 2100.

Além da seca provocada pelas temperaturas extremas e com que nos deparámos ao longo do Inverno português, a seca de vento também é um problema com que o nosso continente se depara e para o qual o C3S alerta. Países como a Alemanha, Dinamarca, Reino Unido ou República Checa não registavam tão pouco vento desde 1979, o que afectou, por exemplo, a produção de energia eólica. O novo governo alemão, por exemplo, pretende dedicar 2% do território a turbinas eólicas, por forma a atingir o máximo de energia produzida de forma renovável. Porém, a produção de energia eólica caiu em 2021 para menos de metade do pico atingido em 2017.

Carlo Buontempo, director do C3S, destaca 2021 como um ano de extremos. “Foi o Verão mais quente na Europa, com ondas de calor no Mediterrâneo, inundações e secas na Europa Ocidental, mostrando que a compreensão do clima e dos extremos climáticos é cada vez mais relevante para a sociedade. A informação climática rigorosa é mais importante do que nunca para nos ajudar a tomar decisões informadas”, comenta.