O homem que teorizou sobre a cor azul do céu e a mulher que estudou o efeito de estufa antes dele
John Tyndall demonstrou a capacidade de dispersão dos feixes de luz anos antes de lorde Rayleigh elaborar um estudo mais completo sobre o tema. E provou a ligação entre o CO2 e o efeito de estufa alguns anos depois de Eunice Foote ter percebido que certos gases conseguem reter o calor do Sol.
É uma das perguntas que as crianças mais fazem aos seus pais: porque é que o céu é azul? Quem, há mais de 150 anos, ofereceu uma resposta a essa questão foi John Tyndall (1820-1893), físico irlandês que também estudou a relação entre o dióxido de carbono (CO2) e o efeito de estufa. Houve, todavia, uma mulher, Eunice Newton Foote, que explorou, antes dele, a capacidade de alguns gases reterem a radiação solar.
Nascido na pequena cidade de Leighlinbridge, Tyndall, que ao longo do seu percurso científico estudaria sobretudo as propriedades do ar e a sua capacidade de absorção da radiação infravermelha, viveu uma vida preenchida. Foi importante para o desenvolvimento da capnografia, que corresponde ao registo da pressão de CO2 no ar expirado — hoje, em contextos hospitalares, consiste num método importante para se monitorizar a respiração de pacientes ventilados —, e, graças ao seu estudo dos fungos Penicillium, inventou um método de esterilização de alimentos. Fez ainda parte da primeira equipa de alpinistas que ascendeu ao topo da montanha Weisshorn, um dos grandes picos dos Alpes (cuja altitude máxima é de cerca de 4500 metros).
Foi nos anos 1850 que o trabalho científico do irlandês começou a dar nas vistas. As suas investigações sobre diamagnetismo despertaram o interesse do inglês Michael Faraday (1791-1867), físico e químico que acabaria por se tornar o seu mentor. Antes do fim dessa década, Tyndall debruçar-se-ia sobre a capacidade de o CO2 e o vapor de água absorverem calor, escrevendo sobre aquele a que hoje nos referimos como o efeito de estufa (já lá vamos). A partir de 1859, começaria também a tentar perceber de que modo a luz atravessa partículas em suspensão — e tornar-se-ia a primeira pessoa a tentar explicar o porquê de o céu ser azul.
O “efeito Tyndall” e a “dispersão de Rayleigh”
Numa das suas experiências com feixes de luz, o físico fez uma luz branca atravessar um tubo de vidro dentro do qual estava um fluido com algumas partículas suspensas. Quando olhou para a parte lateral do recipiente, viu que o fluido estava a brilhar em azul — ao passo que, do outro lado, a cor era avermelhada.
Tyndall argumentou que a cor do céu é o resultado da luz solar a espalhar-se em torno de partículas na alta atmosfera (este efeito de espalhamento ficaria conhecido como o “efeito Tyndall”). Quanto aos tons azulados, julgava derivarem do facto de a radiação electromagnética azul ser a que tinha mais probabilidade de se dispersar. Hoje, todavia, sabemos que isto não tem que ver com probabilidades.
O azul é das cores com menor comprimento de onda no espectro de luz visível (aquela que os nossos olhos vêem), enquanto o vermelho é a que tem o maior. Quando um feixe de luz incide quer sobre partículas em suspensão quer sobre moléculas de ar, as cores com menor comprimento de onda dispersam-se mais fortemente do que aquelas cujo comprimento de onda é maior.
Quem demonstrou isto foi John William Strutt (1842-1912), ou lorde Rayleigh. Será, então, a chamada “dispersão de Rayleigh”, como ficaria conhecido o fenómeno óptico estudado por esse matemático britânico, aquela que melhor descreve o que acontece na alta atmosfera. A radiação electromagnética azul está entre as que mais conseguem atravessar as moléculas de ar. Daí o céu ser azul. E daí, também, o céu poder ganhar uma cor avermelhada ao final da tarde. A luz tem de atravessar mais atmosfera à medida que o Sol se põe. Quando chega aos nossos olhos, a radiação electromagnética azul já se espalhou na totalidade, deixando à vista apenas a cor com o maior comprimento de onda, isto é, o vermelho.
Rayleigh também percebeu que, ao contrário do que Tyndall pensava, a luz solar atravessa não só partículas de poeira e o vapor, mas também as próprias moléculas de ar — que são muito mais pequenas do que o comprimento de onda da luz visível.
O efeito de estufa e duas mentes desencontradas
John Tyndall também terá sido o primeiro a provar cientificamente a ligação entre o CO2 atmosférico e o efeito de estufa (que só no século XX ganharia tal denominação). Mas, como referido anteriormente, houve uma mulher que teorizou sobre a capacidade de determinados gases reterem o calor da radiação solar três anos antes de o físico irlandês estudar o tema.
Nascida no Connecticut, nos Estados Unidos, Eunice Newton Foote (1819-1888) foi cientista e uma manifesta defensora dos direitos das mulheres. Em 1856, o seu marido, o juiz e matemático Elisha Foote, publicou na revista científica American Journal of Science and Arts um artigo sobre um conjunto de experiências que levara a cabo para estudar fenómenos térmicos (Elisha tomou nota das temperaturas registadas por vários termómetros expostos ao sol, dentro ou fora de uma divisão, a diversas temperaturas ambiente).
No mesmo número, foi publicado o relatório Circumstances affecting the heat of the Sun’s rays, assinado por Eunice. A cientista, que investigou o efeito de expor ao sol tubos contendo diferentes gases, demonstrou que o CO2 e o vapor de água conseguem absorver o calor dos raios solares, sugerindo que, a longo prazo, alterações na proporção de CO2 na atmosfera levariam a alterações na temperatura média da Terra.
A capacidade de o CO2 absorver calor, deve ser referido, nem sempre foi entendida como uma coisa má. Sem a presença na atmosfera de CO2 e outros gases com efeito de estufa em pequena concentração, a temperatura média da Terra não poderia manter-se nos 15 graus Celsius. O problema começou quando, com a revolução industrial, passámos a atirar para a atmosfera grande quantidade destes gases.
Eunice Foote não traçou distinções, no entanto, entre a incidência directa da radiação solar na Terra e o impacto daquela que hoje entendemos como a radiação infravermelha irradiada pela própria superfície terrestre. As imperfeições do seu relatório — bem como, porventura, a sua condição enquanto mulher num meio maioritariamente masculino — levaram a que esse trabalho fosse como que esquecido, sobretudo quando, três anos mais tarde, numa palestra na Royal Society de Londres, Tyndall apresentou pela primeira vez os resultados da sua própria investigação sobre radiação solar e retenção de calor na atmosfera, vista hoje como mais sofisticada e completa do que a de Eunice Foote.
Roland Jackson, que já assinou uma biografia de Tyndall e, em 2019, escreveu um artigo sobre Eunice e John na revista científica Notes and Records: the Royal Society Journal of the History of Science, refere ser improvável que o irlandês estivesse ciente do trabalho de Eunice Foote, no entanto. “Num padrão recorrente na história da ciência, várias pessoas estavam a abordar o mesmo tema na mesma altura, de formas diferentes e, em grande parte, sem o conhecimento umas das outras”, pode ler-se no seu texto.
Jackson observa que o trabalho de Eunice foi, “até certo ponto”, discutido nos Estados Unidos após a publicação do seu relatório, que foi apresentado em Agosto de 1856, na conferência anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), pelo físico Joseph Henry (1797-1878) — apesar de as mulheres poderem falar nas reuniões da AAAS, tal era incomum naquela altura —, mas salienta também que dificilmente terá cruzado a fronteira.
“[O físico e investigador de 77 anos] John Perlin, conhecedor profundo do trabalho de Eunice, encontrou [textos sobre a sua investigação] em várias publicações, incluindo o New-York Daily Tribune, o Canadian Journal of Industry, a Science and Art e a Scientific American, mas parece improvável que [tais textos] tenham sido lidos por um público alargado na Grã-Bretanha e na Europa”, comenta Roland Jackson. Aponta ainda para o facto de, no artigo do New-York Daily Tribune, o próprio Joseph Henry descrever as experiências de Foote como “interessantes e valiosas”, mas, ao mesmo tempo, admitir alguma dificuldade em “interpretar a sua importância”.
Uma de muitas mulheres invisíveis na ciência, Eunice Foote não merece, no entanto, ser condenada ao esquecimento. É isso, pelo menos, que Roland Jackson defende. “Foote parece, efectivamente, ter sido a primeira pessoa a identificar a capacidade de o CO2 e o vapor de água absorverem calor — e a propor um elo directo entre a variabilidade destes constituintes atmosféricos e as alterações climáticas —, pelo que merece o seu reconhecimento, independentemente do facto de não ter sido capaz de explorar as diferenças entre a radiação solar e o calor irradiado pela superfície terrestre”, sintetiza na revista Notes and Records.