Azul e verde, por Carlos Fiolhais

Nos dias de hoje, num mundo ameaçado pelas alterações climáticas, o azul simboliza o nosso planeta, enquanto o verde simboliza a vida que triunfou nele, espraiando-se numa extraordinária biodiversidade.

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Nenúfares e ponte japonesa (1899), de Claude Monet Museu de Arte da Universidade de Princeton/Google Art Project

O azul e o verde são formas de luz visível que apenas diferem no comprimento de onda: o azul está entre os 440 e os 495 nanómetros (um nanómetro é a milionésima parte do milímetro), ao passo que o verde está entre os 495 e os 570 nanómetros. Maior comprimento de onda significa menos energia. Para os nossos olhos, as cores primárias são o azul, o verde e o vermelho, por dispormos de três tipos de sensores adequados a essas cores: combinando-as, conseguimos obter todas as outras cores.

Vemos o azul, o verde e o vermelho porque os nossos olhos se desenvolveram, num longo percurso de evolução natural, para captar ao máximo a luz que o Sol emite, que inclui todas as cores do arco-íris, do violeta ao vermelho (foi Newton quem descobriu, no século XVII, que a junção de todas elas dá o branco). Somos o resultado da nossa circunstância cósmica: se o nosso planeta estivesse perto de uma estrela mais fria do que o Sol, uma estrela que tivesse um pico de luz infravermelha, os nossos órgãos de visão captariam bem esta forma de luz. E conseguiríamos ver de noite...

E, apesar de o azul e o verde estarem uma ao lado da outra no arco-íris (pela sua proximidade, nalgumas línguas não são distinguidas), há uma enorme diferença cultural entre o azul e o verde. O azul está ligado à paz, à ordem, à harmonia: não é por acaso que está nas bandeiras da União Europeia e das Nações Unidas. É, em todo o mundo, a cor preferida pela maioria das pessoas (assim o dizem 40-50% dos respondentes a repetidos inquéritos em numerosos países), pelo que não é de admirar o seu uso generalizado no vestuário, tanto masculino como feminino. Por seu lado, o verde está ligado à natureza, à vida, à saúde, à juventude e à esperança: é, naturalmente, a cor dos movimentos e dos partidos ecologistas e, por convenção, a cor usada na sinalização para autorizar a passagem. O verde é a segunda cor na apreciação popular (15-20% das pessoas preferem-na). A acreditar nesses inquéritos, azul e verde dispõem de uma maioria absoluta.

No entanto, nem sempre foi assim. Os gregos antigos eram praticamente “cegos” ao azul e ao verde, no sentido em que não descrevem essas cores nos escritos que chegaram até nós. O léxico grego para designar cores é escasso e impreciso — nem sequer tem termos para essas duas cores. Quem chama a atenção para esse facto é o historiador francês Michel Pastoureau, autor de uma série de livros que apresentam a história cultural das várias cores (publicados entre nós pela Orfeu Negro, em edições com o texto impresso em cada cor).

Tal atraso na recepção do azul e do verde (o verde em menor escala) deveu-se à dificuldade de produzir e fixar essas cores. Escreve Pastoureau: o azul e o verde são “cores que o ser humano reproduziu, fabricou e dominou tarde e com dificuldade”. De facto, nas pinturas rupestres pré-históricas, encontramos vermelhos, pretos, castanhos e ocres, mas não há nem azul nem verde. A ignorância do azul e do verde prosseguiu na Alta Idade Média. As cores com maior força simbólica eram o preto, o branco e o vermelho, as cores fundamentais das culturas antigas (ainda hoje são usadas nas vestes clericais da Igreja Católica, sendo o vermelho a cor dos cardeais).

Porém, a Virgem Maria começou na Idade Média a ser pintada de azul, que é evidentemente a cor do céu, uma cor que também passou a surgir nos vitrais dos grandes templos, pela arte dos mestres vidreiros. O azul também passou a aparecer nas representações heráldicas dos nobres, particularmente em França. No Renascimento, o azul ganhou alento. No tempo de Newton, grandes pintores como Vermeer usaram-no, retirando-o do lápis-lazúli. No século XVIII, pelo engenho dos químicos, surgiu o azul-da-prússia. E os tintureiros aperfeiçoaram a aplicação do índigo. O azul começou então a ser moda no vestuário, tanto nos ricos como nos pobres (o azul dos ricos mais vivo e o dos pobres mais desbotado).

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Rapariga com o Brinco de Pérola (cerca de 1665), de Johannes Vermeer

No final do século XVIII, o herói de Os Sofrimentos do Jovem Werther, o famoso romance de Goethe (que se opôs à herança newtoniana, propondo uma errada teoria das cores), vestia um casaco azul. O azul já estava na moda, mas o êxito do livro reforçou a moda. A Revolução Francesa criou a bandeira tricolor, com o azul a designar a liberdade. Os soldados de Napoleão vestiam casacas azuis. O século XX assistiu ao triunfo do azul, manifesto na arte no “período azul” de Picasso e no comércio nas vendas dos jeans, que já vinham do século anterior.

O verde, também difícil de fabricar, como o azul, foi nomeado pelos romanos, superando os gregos. Consta que Maomé gostava do verde e talvez por isso seja essa a cor do Islão. Os cruzados iam de vermelho e branco enfrentar os “infiéis”, mas, na Idade Média cristã, o verde passou a ser uma cor cavalheiresca e cortês, ou não fosse ela associada à Primavera e ao amor.

Na Idade Moderna, o verde passou a ser uma cor mal-amada: a cor do imprevisto, do veneno e do diabo. O verde foi sempre uma cor ambígua. O lado romântico do verde floresceu no Romantismo, quando alastrou o culto da natureza (sem esquecer que o Romantismo tinha um lado sombrio, negro mesmo). No século XIX, o verde ligou-se à higiene e à saúde, ganhando fama de cor calmante. Os pintores, incluindo os impressionistas, experimentaram dificuldades com o verde por ele ser instável à luz. No século XX, Kandinsky detestava o verde, que considerava uma cor amorfa e apática. Mas essa cor acabou por cair no agrado geral. Significa hoje algo de natural, abundando nos logotipos e na publicidade. Pastoureau diz: “Outrora menosprezado e rejeitado, mal-amado, o verde tornou-se uma cor messiânica. Ele vai salvar o mundo.”

O certo é que a Terra, vista ao longe, é azul. Foi Carl Sagan que lhe chamou o “ponto azul-claro”, quando virou as câmaras da Voyager 1 para a Terra para nos fotografar a todos. Tal deve-se ao facto de 70% da superfície terrestre estar coberta de oceanos. Os continentes são, em geral, verdes, já que a sua superfície está repleta de vegetação, e a fotossíntese impera nas plantas (já dizia Goethe que “todas as ideias são cinzentas, verde é a frondosa árvore da vida”). Como é que os gregos não viam nem o azul da água nem o verde das árvores? Nos dias de hoje, num mundo ameaçado pelas alterações climáticas, o azul simboliza o nosso planeta, enquanto o verde simboliza a vida que triunfou nele, espraiando-se numa extraordinária biodiversidade. Que a associação das duas cores, no Azul, seja um meio para não só informar, mas também para promover a salvação da vida no planeta, que é como quem diz a nossa salvação.

Físico teórico