“É como se Portugal inteiro tivesse de fugir”, disse Zelensky na Assembleia da República
Presidente ucraniano discursou por videoconferência no Parlamento, relembrando a luta portuguesa contra a ditadura de Salazar e o aniversário próximo do 25 de Abril: “O vosso povo que, daqui a poucos dias, celebra o aniversário da Revolução dos Cravos que também vos libertou da ditadura, sabe perfeitamente o que estamos a sentir”
O Presidente ucraniano começou o seu discurso na Assembleia da República a relatar as atrocidades que o seu país tem conhecido desde o início da invasão russa. “Em 57 dias de guerra, mais de 1000 localidades ucranianas foram ocupadas pelos invasores e continuam a destruir as nossas cidades. Milhões de pessoas tiverem de fugir, é como se Portugal inteiro fosse obrigado a sair do país”, disse Volodymyr Zelensky, que falou desde Kiev por videoconferência.
Relatou situações ocorridas nos últimos dias em cidades perto de Kiev, descrevendo abandono de corpos, alguns de crianças e de idosos. “Os ocupantes mataram só para se divertir, torturaram, violaram, mataram aquelas pessoas e alvejaram carros onde havia crianças”.
“Na região de Kiev, conseguimos descobrir que 1106 ucranianos foram mortos – 40 dos quais crianças. Noutras regiões, os russos fizeram o mesmo inferno”, denunciou.
“Estamos a lutar não apenas pela nossa independência, mas pela nossa sobrevivência. Os russos já sequestraram mais de 500 mil pessoas, duas vezes a [população da] cidade do Porto, que foram deportadas para as regiões mais longínquas da Rússia, em campos remotos, alguns são mortos, raparigas são violadas, mortas”, disse.
“A cidade de Mariupol é tão grande quanto Lisboa. Ficava perto do mar e está totalmente destruída. Em Mariupol não há uma única habitação que esteja inteira, foi totalmente incendiada. Durante mais de um mês, os ocupantes russos cercaram esta cidade e fizeram dela um inferno. Muitas pessoas ficaram sem água, sem alimentação”, denunciou.
Cumprindo a sua tradição de aludir a momentos históricos dos países onde discursa, Zelensky falou do 25 de Abril, “a Revolução dos Cravos, que vos libertou da ditadura”:
“O vosso povo que, daqui a nada, celebra o aniversário da Revolução dos Cravos que também vos libertou da ditadura, sabe perfeitamente o que estamos a sentir. Vocês sabem o que outros povos estão a sentir, especialmente na nossa região – onde havia liberdade. Depois da Ucrânia, vão tentar fazer isto na Moldova, Geórgia, países Bálticos e outros onde a Rússia consegue levar as mãos. Nós podemos parar a ditadura da Rússia. Na Ucrânia, agradeço todo o apoio dado e as sanções à Rússia. Espero que defendam o embargo do petróleo russo na União Europeia e que se juntem a outros países para bloquear o sistema bancário russo. Não pode haver um único banco russo que funcione na União Europeia.”
“Quando apelamos por apoio, pedimos coisas simples. Queremos armamento forte para desocuparmos as nossas cidades. O mal que está a ser feito agora à Ucrânia é semelhante ao que foi feito na II Guerra Mundial. Apelo ao vosso país para que nos ajudem com a aceleração e agravamento das sanções e apoio militar.”
Para Zelensky, os ucranianos em fuga “não são refugiados”. “Foram obrigados a sair temporariamente do país e esperamos que em breve consigam voltar em segurança”, disse.
Obrigados a cantar o hino russo
Volodymyr Zelensky continuou a descrever o que diz serem os horrores desta guerra.
“Um só exemplo numa cidade na região de Chernihiv onde atiraram bombas contra as escolas e ficaram durante semanas, onde as pessoas foram obrigadas a esconder-se. Dez pessoas foram mortas e a criança mais nova que lá se escondia tinha três meses – imaginem: uma criança de três meses. E a pessoa mais velha tinha 93 anos. Na cave dessa escola havia mais do que 30 pessoas a quem não foi permitido ir à casa de banho, em altura nenhuma, nem podiam sair de lá em qualquer momento. Foram obrigadas a cantar o hino da Rússia para os humilhar”, descreveu.
“É isso que está a acontecer na Ucrânia em 2022. Estamos a lutar não só pela nossa independência, mas sim pela nossa sobrevivência. Para que os ucranianos não sejam mortos, humilhados, torturados, capturados pela Rússia”, sublinhou.
“Lembramo-nos todos das fotografias dos corpos deitados no meio [das ruas de cidades como Bucha]. Os russos nem tentaram arrumá-los. Nem sequer os cidadãos que lá vivem conseguiram sepultá-los como deve ser. As fotografias não mostram tudo o que os cidadãos passaram”, denunciou.
“As tropas russas utilizaram a força aérea para bombardear de propósito civis. Sabiam que não havia alvos militares. Muitas pessoas ficaram sem casas, até sem fotografias... foi tudo incendiado. Durante os bombardeamentos russos em Mariupol foram mortas mais de dez mil pessoas – não temos a certeza do número. Fizeram lá crematórios móveis para poderem destruir os corpos e não termos provas do que estão a fazer. Lembram-se de Bucha? Estão a tentar esconder os seus crimes de guerra para não termos as provas”
Perante este cenário, o Presidente ucraniano conclui: “A Rússia está a fazer o que os outros regimes totalitários faziam. Estão a deportar pessoas para as regiões mais remotas da Rússia, fizeram campos especiais para dividir essas pessoas. Alguns são mortos, as raparigas são violadas.”