“Partygate”: Parlamento vai investigar se Johnson induziu os deputados em erro de forma deliberada
Reviravolta inesperada na posição do Partido Conservador leva à aprovação de uma moção da oposição que autoriza uma comissão parlamentar a investigar as declarações do primeiro-ministro britânico sobre os escândalos das festas em Downing Street durante pandemia.
Em viagem pela Índia, convencido de que o seu partido iria travar facilmente os planos da oposição para o Parlamento britânico o investigar, por suspeitas de indução dos deputados em erro de forma deliberada, por causa das suas declarações sobre o escândalo das festas em Downing Street durante a pandemia, Boris Johnson sofreu esta quinta-feira uma dura e embaraçosa derrota política, que chega como um sinal renovado de que a sua permanência no cargo continua em risco.
A moção apresentada pelo Partido Trabalhista para autorizar a comissão parlamentar de Privilégios da Câmara dos Comuns a abrir um inquérito ao primeiro-ministro tory nem precisou de ir formalmente a votos. Quando foi apresentada pela Mesa nenhum deputado do Partido Conservador – que tem a maioria na câmara baixa de Westminster – a contestou, e, por isso, a moção foi rapidamente aprovada.
Na noite de quarta-feira e na manhã desta quinta-feira o Governo ainda tentou introduzir uma emenda à moção para retardar o início do inquérito parlamentar até estarem concluídas as duas investigações em curso – uma interna e outra criminal – a mais de dez festas ou convívios que terão tido lugar na sede do poder executivo britânico, em Londres, durante períodos de confinamento e de proibição de ajuntamentos.
Mas acabou por deixar cair esse plano, depois de dezenas de deputados conservadores se terem recusado a contribuir activamente para uma tentativa de impedir a abertura de uma investigação ao primeiro chefe de Governo da História do país a cometer um crime em funções.
Em causa estão, pelo menos, quatro ocasiões, entre Dezembro do ano passado e Janeiro deste ano, em que Johnson garantiu aos deputados que “todas as regras” sanitárias “foram cumpridas”, a “toda a hora”, em Downing Street.
A oposição acusa o primeiro-ministro de ter “mentido” e “enganado” o Parlamento e de ter violado o código ministerial. Como tal, Partido Trabalhista, Liberais-Democratas, Partido Verde, Partido Nacional Escocês e Plaid Cymru, entre outros, defendem a sua saída imediata.
Mas Johnson defende que a guerra da Ucrânia e a resposta à crise económica e energética no Reino Unido são prioridades. E recusa demitir-se.
“Nada a esconder”
Composta por sete membros (quatro conservadores, dois trabalhistas e um nacionalista escocês), a comissão de Privilégios tem agora a tarefa de elaborar um relatório a sustentar se Boris Johnson obstruiu ou não os trabalhos do Parlamento (uma figura jurídico-regulamentar britânica denominada de “contempt”), ao induzir os deputados em erro, deliberadamente ou involuntariamente.
"The convention that Parliament must not be misled and in return we do not accuse each other of lying are not purist quirks of this place, they are fundamental pillars"
— BBC Politics (@BBCPolitics) April 21, 2022
Labour leader Sir Keir Starmer says this debate is about honesty and integrityhttps://t.co/C3csD1iRsE pic.twitter.com/oJvPwnfnzq
Se a comissão chegar à conclusão de que o primeiro-ministro “enganou” os deputados pode recomendar uma sanção, que pode passar por um pedido de desculpas, uma admoestação, uma suspensão temporária ou mesmo a expulsão. Havendo sanção, independentemente da forma, terá sempre de passar pelo plenário da Câmara dos Comuns para ser aprovada ou rejeitada pelos deputados.
Boris Johnson – assim como o ministro das Finanças, Rishi Sunak, a sua mulher e diversos assessores – consta da lista de 50 pessoas que já foram multadas pela Polícia Metropolitana de Londres por “violações dos regulamentos da covid-19” impostos pelo seu próprio Governo para travar a propagação do coronavírus.
O primeiro-ministro pediu “humildemente” desculpa por ter festejado o seu aniversário com cerca de 30 pessoas em Downing Street, em Junho de 2020 – já o tinha feito relativamente a um outro evento festivo, em Maio desse ano, nos jardins da sua residência oficial, com dezenas de colaboradores –, mas explicou: “Não me ocorreu, na altura e subsequentemente, que um ajuntamento na Sala do Gabinete, antes de uma reunião vital sobre a estratégia para a covid, poderia acarretar uma violação das regras”.
"I have to acknowledge that if the prime minister occupied any other office of senior responsibility... he would be long gone"
— BBC Politics (@BBCPolitics) April 21, 2022
Conservative MP Steve Baker says Boris Johnson "should know the gig's up" https://t.co/qhfUuGN6wL pic.twitter.com/b9dK9oI9ZF
Certo é que as garantias que terá ouvido numa reunião, na terça-feira, com os deputados do seu partido – os únicos que, recusando demitir-se ou marcar eleições, podem afastá-lo do cargo pedindo uma moção de desconfiança interna – pareceram a Johnson suficientes para manter a agenda e partir para uma visita de dois dias à Índia.
Perspectivando o resultado inesperado da votação, que se começou a desenhar ao início da tarde – nomeadamente quando alguns dos seus aliados no partido, como o influente deputado brexiteer Steve Baker, assumiram que iam votar favoravelmente a proposta de investigação e defenderam a sua demissão –, o próprio Johnson foi forçado a corrigir a sua posição inicial, que ia no sentido de se esperar por todas as conclusões das investigações em curso.
“As pessoas estão a dizer que parece que estamos a tentar travar as coisas. Não era isso que eu queria. Não queria que as pessoas dissessem isso. Não quero que este assunto continue infinitamente”, disse esta quinta-feira à Sky News, em Gandhinagar. “Mas, francamente, não tenho absolutamente nada a esconder”.