A música de um museu secreto da Humanidade revela-se na Culturgest

Secret Museum of Mankind era um livro etnográfico publicado em 1935, foi nos anos 1990 título de compilação de música gravada entre 1925 e 1948. Tornou-se, depois, inspiração para João Nicolau e Mariana Ricardo criarem um banda, um concerto, uma performance. Doze anos depois, apresentam-se esta quarta-feira na Culturgest, em Lisboa.

Foto
O grupo é formado por Luís José Martins, Mariana Ricardo, João Nicolau, Crista Alfaiate, João Lobo e Rita Sá (vídeo) Bruno Simão

Tudo começou com uma compilação musical inspirada num livro. The Secret Museum of Mankind, assim se intitulava a compilação que, nos anos 1990, nos revelava música dos quatro cantos do globo, registada entre 1925 e 1948 e agrupada sem organização aparente, saltando de canções nigerianas para canções búlgaras, destas para javanesas ou argelinas. A compilação tinha uma origem, um livro com o mesmo título publicado em Nova Iorque em 1935: 554 páginas e 994 fotografias divididas por cinco volumes, um por cada continente, mostrando rituais, práticas quotidianas, vestuários, rostos e corpos das gentes que habitavam o planeta.

Em 2010, os irmãos João Nicolau, realizador que também é músico, Mariana Ricardo, música que também desenvolve trabalho cinematográfico, e o baterista João Lobo, que seria mais tarde, por exemplo, director musical de John From (2016), o filme em que Nicolau levou a Melanésia a irromper em Telheiras, acrescentaram-se a essa história, criando uma banda, um concerto, uma performance que baptizaram, naturalmente, Secret Museum of Mankind. Doze anos depois, o caleidoscópio de sons e imagens que nos devolve a diversidade do mundo regressa. Com o grupo aumentado com Luís José Martins, que trabalhou com João Nicolau na direcção musical de Tecnoboss (guitarra, machete e percussão), Crista Alfaiate (voz e percussão) e Rita Sá (responsável pelo vídeo), Secret Museum of Mankind revela-se esta noite na Culturgest, em Lisboa (21h, 14€).

O grupo cresceu, os anos passaram, mas o método e o propósito são os mesmos. Há 12 anos, quando da última apresentação, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, diziam-nos: “Tanto podemos tocar uma cantiga de embalar da comunidade judia do Uganda, que é um OVNI dentro daquilo que se ouve hoje em dia, como uma versão dos [americanos] Everly Brothers, do [nigeriano] King Sunny Ade ou do [brasileiro] Tom Zé.” O repertório não será agora o mesmo, mas mantém-se esse gesto destituído de qualquer intenção de etnografia musical, ou seja, não estaremos perante uma lição de história musical de diversas geografias. Ainda eles em 2010: “Temos uma abordagem mais relacionada com o desfocar das músicas do que com um intuito de pesquisa. Isso também existe, mas acaba por servir mais o nosso gozo de ouvir e recriar do que uma tentativa de passar informação científica.”

A recriação das canções alia-se à apresentação de peças seleccionadas da colecção de discos de 78 rpm que João Nicolau, impulsionado pela oferta de um gramofone, vem construindo há muito. E o mergulho neste cofre secreto de sons e culturas de meados do século passado ganha nova camada sensorial com a projecção de imagens e registos vídeo. Agendado algumas vezes, sempre adiado pela situação pandémica, Secret Museum of Mankind ressurge por fim. Não será tarde de mais, obviamente. O tempo é sempre o tempo certo quando propõem revelar-nos os misteriosos sons do mundo, ainda a ecoar desde a longa distância que nos separa.

Sugerir correcção
Comentar