A Fábrica da Cerveja de Faro quer ser a “âncora do futuro cultural e criativo” da cidade
Programa estratégico e funcional para a requalificação do edifício localizado entre o centro histórico da cidade e a ria Formosa contempla espaços de restauração, auditórios e muitas salas que se querem multifuncionais e abertas. E, claro, finalmente... cerveja.
É conhecida na cidade como Fábrica da Cerveja, ainda que nunca tenha produzido um único litro. Por isso, se havia “questão inegociável” na definição do programa estratégico e funcional para a reabilitação do edifício era “produzir cerveja”, anunciava Carlos Martins durante uma apresentação do projecto no âmbito do Algarve Tech Hub Summit que decorreu, precisamente, numa das salas do edifício.
A Opium, liderada pelo antigo coordenador da Capital Europeia da Cultura Guimarães 2012, integrou o consórcio que, em parceria com a Câmara Municipal de Faro, desenhou o projecto que pretende transformar o edifício numa “âncora para o futuro cultural e criativo da cidade”. A parceria contou ainda com o arquitecto Gonçalo Louro e Pablo Berástegui, produtor cultural espanhol e antigo coordenador do centro de criação contemporânea Matadero, em Madrid. “Já temos cerveja, com rótulo e tudo, que acreditamos que depois possa ser produzida de forma entre o artesanal e o laboratorial em permanência na fábrica.”
O projecto para o edifício histórico, localizado na Vila Adentro, entre o castelo e as muralhas, com vista privilegiada sobre a ria Formosa, prevê quatro fases de obra e um investimento total de 13,1 milhões de euros, integrando a reabilitação do actual complexo arquitectónico (sede da associação de músicos da cidade), a construção de dois novos edifícios, a ampliação do museu municipal (ao lado) e a demolição do muro que encerra o pátio principal, virado a norte, para que este “se transforme em praça” aberta a esta zona da cidade.
Já o conjunto de edifícios que compõem a Fábrica da Cerveja, “pelo nível de referência, pela sua qualidade e especificidades construtivas em termos de evolução histórica”, não será “adulterado”, garante à FUGAS o arquitecto Gonçalo Louro. “Estamos num edifício com, sensivelmente, doze séculos de história em cima”, recorda. “Os traçados da Vila Adentro estão definidos desde os romanos, a muralha vem com a ocupação islâmica, depois surge o castelo medieval, o quartel militar já é do século XIX, e depois, no século XX, vem esta coisa da fábrica. Mas houve sempre uma ocupação de sobreposição”, enumera, apontando a sala em que decorre a apresentação como exemplo, uma vez que integra na estrutura partes da muralha, paredes em taipa de pedra e vigas em betão armado.
No projecto proposto pelo consórcio, a ideia passa “por trabalhar com a identificação dessas camadas históricas” para deixá-las “visíveis”, de forma a tornar-se “também uma questão participativa para quem visita o edifício” e, a partir das características de cada espaço, identificar “para o que podem ser mais vocacionados” dentro dos programas propostos (gastronómico, educativo, expositivo, entre outros). O resultado é uma proposta arquitectónica que contempla “espaços estruturantes”, como áreas de recepção, restauração (incluindo um restaurante previsto para a cobertura de um dos edifícios), auditórios e alas funcionais; e espaços que se querem “flexíveis”, com capacidade para “acolher diferentes programações e actividades ao longo do tempo, com uma resposta profissional adequada”, incluindo áreas de exposição e divulgação, espaços de trabalho, salas de ensaio, estúdios.
“Não pode ser só um museu, um lugar expositivo para as artes visuais, um lugar para a música [a associação vai manter-se aqui] ou para visitação turística. Ele pode – e deve – ser isso tudo porque vivemos num mundo em que estas funções rígidas já não fazem muito sentido”, defende Carlos Martins. “Não é um espaço para ter uma residência permanente, mas que vai ser codificado e infra-estruturado para potenciar que os artistas venham aqui ter condições para poder crescer”, acrescenta Gonçalo. Tanto pode ser usar um estúdio para gravar um disco; fazer uma residência artística; expor o trabalho; criar sinergias com artistas de outras disciplinas; como encontrar apoio para fazer uma candidatura a financiamento ou mentoria para entrar no mercado de trabalho.
“O que se procura ter com esta proposta não é um edifício definitivo, por isso é muito difícil defini-lo”, reconhece Bruno Inácio, chefe da divisão de Cultura da autarquia e coordenador da candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura em 2027. “É esta ideia de criação em permanência e de um edifício não acabado que vai permitir-lhe ser isto tudo, mas [também] muitas outras coisas que sairão da vontade das pessoas que o utilizarem e da forma como o utilizarem.” Até porque, relembra, “não é um projecto que vai estar feito para o ano”. “Estamos a falar de uma dimensão temporal, se calhar, de uma década para todas as fases.”
Ainda que o processo de candidatura a Capital Europeia da Cultura tenha contribuído para “construir efectivamente a solução” para a reabilitação da Fábrica da Cerveja, apresentada publicamente pela primeira vez em Fevereiro deste ano, o facto de Faro não ter passado à fase seguinte do processo “não invalida nada”, garante o vice-presidente da autarquia, Paulo Santos. O investimento definido “não dependia um cêntimo de financiamento via Capital Europeia da Cultura”, estando previsto ser suportado em tranches calendarizadas ao longo das quatro fases pelo orçamento anual da autarquia.
Com a apresentação pública do programa estratégico e funcional, acrescenta Carlos Martins, este passa a ser “um compromisso” do executivo “com a cidade”, “não só da visão que temos para o edifício, como o programa e o modelo de gestão”, que deverá ser comparticipado entre a câmara municipal e os diferentes agentes culturais. “A proposta é criar condições para que o espaço tenha uma partilha na gestão, em que diferentes entidades possam dar opinião e participar nos processos de gestão e de aplicação dos recursos, [de forma a] que outras entidades também se sintam responsáveis por este espaço e não apenas beneficiários.”
Para já, o primeiro passo deverá ser dado “ainda este ano”, com a abertura de um concurso público “para escolher o gabinete de arquitectura que vai desenvolver o projecto de arquitectura da primeira fase” e “o processo de negociação da compra de um terreno que não é nosso”, aponta Paulo Santos. “Só em processo burocrático são, garantidamente, dois anos até haver uma primeira pedra”, estima. “A última fase é a mais pesada em termos de obra e de financiamento, porque é a ampliação do museu. Mas, as três primeiras fases conseguimos ter concluídas, tudo correndo bem, em seis ou sete anos.” Independentemente do arranque dos trabalhos no terreno, a Fábrica da Cerveja, enquanto conceito, “tem de estar viva e a trabalhar” desde “o primeiro dia” e já estão a ser estudadas dinâmicas às quais pode emprestar a marca.