Diogo Batáguas: “Preocupa-me que digam: ‘Já não vejo as notícias, fico à espera do Relatório DB’”
Depois de cativar milhares de seguidores com uma rubrica no YouTube onde analisa humoristicamente temas que marcaram o mês, o comediante esgota agora salas com o espectáculo a solo Processo. “A responsabilidade é a coisa que mais odeio na vida, é algo com que não fico nada confortável. Quero é que as pessoas se divirtam com o que faço.”
Sempre que o calendário dá lugar a um novo mês, Diogo Batáguas já sabe o que o espera nas caixas de comentário: em uníssono, inúmeros utilizadores exigem a publicação célere do Relatório DB. O humorista é o criador de uma rubrica mensal que analisa as notícias e temas que marcaram a agenda mediática do mês findado. Com sketches e inside jokes que ganham novas camadas a cada edição, o relatório ganhou contornos de marca registada e ajudou a esgotar todas as salas que recebem Processo, o mais recente espectáculo a solo do humorista, que está a correr o país até ao final de Maio.
Para alguns destes fãs, o relatório mensal de Batáguas representa mesmo o único ponto de contacto com jornais, rádios e outros meios de comunicação tradicionais: algo que, reconhece o comediante de 37 anos, é motivo para apreensão. “Isso preocupa-me bastante, aquelas pessoas que dizem: ‘Eu já não vejo as notícias, fico só à espera do relatório.’ Não! Está ao contrário! Vê as notícias, sê esperto para o que acontece à tua volta – até para depois conseguires perceber as piadas”, alerta Batáguas, em conversa com o P3 no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, em meados de Março.
A importância que este relatório — visto por mais de 300 mil pessoas todos os meses — pode representar na forma como alguns vêem e se relacionam com o mundo é um peso que o humorista não quer carregar. “A responsabilidade é a coisa que mais odeio na vida, é algo com que não fico nada confortável. Quero é que as pessoas se divirtam com o que faço. Não me façam isso de dizer que estão à espera da minha análise para ter uma opinião formada ou conhecer determinado assunto. É que para isso vais ver analistas de determinada área, não sou eu. Eu sou só um gajo”, resume.
O primeiro Relatório DB foi publicado em Fevereiro de 2019: até esse momento, os vídeos de Diogo Batáguas no YouTube abordavam quase exclusivamente as polémicas e escândalos com origem nas redes sociais. Adicionando a análise de temas “mais sérios” com uma pitada de humor — como a ascensão da extrema-direita em Portugal ou o conflito entre Rússia e Ucrânia, entre outros —, o Relatório DB comprova implicitamente a atenção mediática desmedida que alguns assuntos recolhem.
“Há tanta coisa a acontecer nas redes sociais, as pessoas indignam-se como se fosse a coisa mais grave de sempre e, passados três dias, nem se lembram com o que estavam indignadíssimas. Acontece esse fenómeno em que pessoas vêem o relatório e dizem: ‘Pois, foi nesta semana que o chefe Kiko enviou almôndegas para Marte ou lá o que é.’ São pequenas parvoíces que iam acontecendo e, por serem tolas ou gerarem uma indignação acima do que mereciam, acabam por desaparecer passadas poucas horas ou dias. Lembram-se desta porcaria com que vocês estavam tão ‘indignadinhos’? Já não interessa, vocês já não se lembravam e aconteceu [ainda] este mês!”
Humorista processado
Apesar do ambiente de leviandade cultivado por Batáguas durante os episódios, nem sempre os visados no relatório levam o humorista na desportiva: exemplo disso são os dois processos que serviram de mote para um documentário e dão nome à mais recente digressão de Diogo Batáguas.
O primeiro foi movido pelo juiz Neto de Moura, magistrado que assinou um acórdão que cita a Bíblia para enquadrar crimes de violência doméstica. Diogo Batáguas insinuou que as decisões judiciais polémicas seriam uma forma de o juiz se vingar de uma traição amorosa, criando a hashtag #netodemouraécorno.
David Carreira foi o protagonista do segundo processo: depois de o cantor ter criado um boato falso para promover um álbum, Diogo Batáguas criou o rumor de que o filho de Tony Carreira foi admitido no hospital por consumo excessivo de sémen — que podia, ou não, ser de cavalo. Ambos os processos não avançaram para tribunal.
“Foi mais uma ameaça. O David Carreira ainda avançou com uma providência cautelar para me tentar tirar os vídeos da Net, depois perdeu na primeira instância e desistiu. O juiz Neto de Moura ameaçou metade do país e também acabou por não avançar. Mas deu notícia e para mim foi óptimo! Estão a processar-me? Que divertido. É muito complicado processares ou atacares um comediante publicamente… é dar-lhe mais força. Ainda para mais, são temas muito tolos. O simples acto de avançar com um processo judicial com base nas piadas que eu fiz ridiculariza mais os queixosos do que o comediante”, considera o humorista.
Diogo Batáguas aproveitou os casos para arrancar com um documentário: o objectivo seria falar com outros humoristas afectados no exercício do seu trabalho, numa escalada de gravidade que começaria em Nuno Markl, passaria por um escocês condenado por um crime de ódio após ensinar o cão da namorada a fazer a saudação nazi e culminaria no testemunho de um dos membros da revista Charlie Hebdo. A pandemia colocou um travão a esses planos e sobraram cinco episódios disponíveis no YouTube, gravados com humoristas portugueses.
Digressão esgota salas em todo o país
Diogo Batáguas apenas se aventurou na comédia aos 27 anos. Formado em Jornalismo, teve uma curta carreira como animador de rádio, mas depois de se ver sem emprego no sector da comunicação deu o salto para o humor. Em apenas três anos, conseguiu estrear o primeiro espectáculo a solo da carreira, em 2015.
“Como o fiz em três anos? Foi saltar etapas e fazer batota. Quando dizes que há pessoas que demoram muito mais tempo a criar um solo, é porque faz sentido que demores a construir uma hora sólida de stand up. Se calhar o meu primeiro espectáculo não era tão sólido quanto podia ser, mas queria fazê-lo naquele ano porque fazia 30 anos, para assinalar o número redondo. Foi um espectáculo com dimensão muito reduzida, não é comparável a isto [Processo]”, explica.
Fez stand up comedy em bares e outras salas, testou material em pequenas digressões e cultivou um número considerável de seguidores durante os confinamentos, que enchem agora salas de teatro em todo o país. Baptizado Processo, o espectáculo mistura piadas sobre os casos judiciais e outro material desenvolvido pelo humorista. No Porto, caminha para esgotar pela quinta vez o Teatro Sá da Bandeira, num derradeiro espectáculo a 28 de Maio. Nas restantes cidades, o sucesso é igual. Os casos judiciais foram o embrulho perfeito para dar início a esta nova aventura.
“Os processos foram um bom ponto de partida, às vezes não tens uma boa ‘desculpa’ para lançar um solo. Como tenho uma boa presença pública com o relatório, achei que não era má ideia assentar este espectáculo a solo em algumas premissas que as pessoas já conhecem. Se bem que depois isto é stand up puro e não tem relação com o relatório, mas não é mau usar coisas que as pessoas já conhecem para angariar público. [Os processos] Ajudam a empacotar, sim”, refere.
O facto de o público ter despendido tempo e dinheiro para o ver dá alguma confiança, mas o nervosismo antes de cada espectáculo não desvanece. O sucesso permitiu-lhe adicionar algumas datas ao calendário da digressão que, até ao final de Maio, continuará a percorrer as salas de espectáculo do país.