Ogivas nucleares e mísseis Iskander: Rússia puxa de Kaliningrado para estancar expansão da NATO
Exclave de Kaliningrado tem ogivas nucleares russas, relembra ministro da Defesa lituano. “Ameaça deve ser levada a sério”, alerta especialista.
Caso Suécia e Finlândia se juntem à NATO, a Rússia vai destacar armas nucleares para o Báltico: a ameaça foi deixada esta quinta-feira pelo vice-presidente do Conselho de Segurança e ex-presidente russo, Dmitri Medvedev – um dos principais conselheiros de Putin. O local escolhido para esta escalada de tensão será o exclave de Kaliningrado, território entre Lituânia e Polónia controlado pelo Kremlin.
O ministro da Defesa lituano, Arvydas Anusauskas, recorreu ao Twitter para relembrar que a presença nuclear russa no Báltico antecede em muito esta crise com a Ucrânia, destacando o exclave de Kaliningrado como foco de risco neste novo ponto de conflito. “Armas nucleares foram sempre mantidas em Kaliningrado... a comunidade internacional e os países da região estão perfeitamente cientes disto. Usam-nas como ameaça”, escreveu o governante, citado pela Reuters.
Em períodos de tensão entre Moscovo e NATO, o exclave de Kaliningrado serviu de palco de exercícios militares russos em mais do que uma ocasião. Sob os olhares atentos do Ocidente, milhares de soldados, tanques e peças de artilharia foram destacados para esta região do Báltico: com este contingente viajaram também ogivas nucleares.
Para Alexandre Guerra, consultor de comunicação e especialista em Ciência Política e relações internacionais, as palavras de Medvedev proferidas esta quinta-feira não devem ser tomadas com leviandade.
“Qualquer ameaça feita pelo lado russo, nomeadamente por Medvedev, deve ser levada muito a sério. Estes quase dois meses de guerra demonstraram-nos precisamente isto. No que diz respeito à ameaça nuclear propriamente dita: claramente há uma intenção dissuasora de Moscovo ao usar o fantasma nuclear nas pretensões da Suécia e Finlândia de adesão à NATO. A Rússia disse que iria considerar [a adesão] um acto hostil e estas ameaças voltam a recupera a retórica nuclear que, nos últimos dias, tinha acalmado: até se voltou a falar mais da questão das armas químicas. O factor nuclear é muito sensível para as opiniões públicas europeias”, explica o consultor.
À semelhança do ministro da Defesa lituano, Sandra Fernandes, especialista em relações internacionais do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, relembra que as capacidades nucleares russas no Báltico não são um factor novo, mas adianta que esta posição levanta novas dúvidas e receios junto dos países visados pela ameaça.
“Claramente que a ponta-de-lança das palavras de Medvedev em termos estratégicos é Kaliningrado. No início da guerra, chamei muito a atenção para esse território. Para esses países [Finlândia e Suécia], estas palavras têm muito eco porque há cenários que não são descartáveis. O que é que a Rússia quer? Vai tentar abrir um corredor terrestre através da Bielorrússia? É uma ponta-de-lança muito real que pode transformar de forma muito prática as palavras ditas por Medvedev. Mas isto não é novo! O que é novo é a Finlândia e a Suécia fazerem uma leitura semelhante à dos restantes países bálticos sobre a ameaça da Rússia”, esclarece.
Mísseis podem chegar a Berlim
Um dos pontos principais na análise a este exclave é precisamente a sua localização em relação à capacidade balística: o armamento colocado pelo Kremlin em Kaliningrado pode ter como alvo partes da União Europeia. Ainda em 2009, a decisão russa de mover para este território de mísseis Iskander – de elevada precisão e capazes de atingir toda a Polónia e partes da República Checa e Alemanha – motivou um conflito diplomático com os Estados Unidos.
Por esse mesmo motivo, Alexandre Guerra relembra que a ameaça russa podia ter sido mais dura e dirigida ao núcleo da NATO: “Kaliningrado tem sido muito pouco falado, os europeus têm pouco interesse em trazer este tema para a agenda. É um posto avançado russo da Europa. Um míssil Iskander tem capacidade para atingir todos estes Estados [que fazem fronteira] e Copenhaga, talvez Estocolmo. Tem capacidade para atingir várias cidades europeias. Para os bálticos, a ameaça já lá está há muito tempo. Existe capacidade balística e muito provavelmente ogivas nucleares armazenadas.”
A Finlândia e a Suécia estão a analisar a possível adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), na sequência da guerra em curso na Ucrânia, desencadeada pela Rússia em 24 de Fevereiro. Antes desta ameaça nuclear, o Kremlin já tinha deixado o aviso que estes dois países seriam punidos militarmente e politicamente.