Aluno do secundário abusou de prima de seis anos. Tribunal castigou-o com mil euros e pena suspensa
“A simples censura e a ameaça da prisão realizam neste caso de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, refere decisão do Tribunal da Relação de Coimbra. De acordo com a decisão judicial, a menina não terá oferecido resistência: não ficou provado que o rapaz “tenha agido contra a sua vontade, ou que a sua vontade fosse relevante”.
Um aluno que frequenta o ensino secundário em Óbidos e abusou de uma prima de seis anos foi condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra a uma pena suspensa e a pagar à vítima mil euros de indemnização.
Os abusos – que não incluíram violação – deram-se durante reuniões familiares em casa de uma avó, relata a edição desta segunda-feira do Correio da Manhã. “Entre Janeiro de 2019 e Março de 2020, praticamente todos os domingos, a família do arguido e da vítima reunia-se para almoçar em casa da avó”, pode ler-se no respectivo acórdão. “Nessas alturas, aproveitando-se da proximidade que tinha com a menor, aliciava a mesma para irem brincar os dois.”
O jovem abusou da prima pelo menos quatro vezes, no quarto e na casa de banho da casa, mas também numa tenda que tinha sido montada num terraço. Dizia-lhe para se despir e tirava também a roupa, pedindo-lhe depois para lhe tocar. “Colocava o seu pénis de fora e roçava-o na vagina da menor”, descrevem os juízes.
De acordo com a decisão judicial, a menina não terá oferecido resistência: não ficou provado que o rapaz “tenha agido contra a sua vontade, ou que a sua vontade fosse relevante”.
“As consequências das condutas do arguido foram de gravidade mitigada, na medida em que não deixaram quaisquer sequelas físicas ou psicológicas à menor”, refere também o acórdão, que é da autoria de duas desembargadoras, uma das quais a sua relatora, e de um desembargador.
O facto de o jovem ter menos de 21 anos também funcionou como atenuante, uma vez que o regime legal aplicável a jovens delinquentes permite aos juízes reduzirem a pena sempre que tiverem sérias razões para acreditarem que daí resulte vantagem para a reinserção social do criminoso.
O facto de nunca mais ter voltado a ver a prima, a inexistência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar e social foram também encarados pelo tribunal como factores que militaram a favor do aluno, muito embora os magistrados admitam que neste caso “as necessidades de prevenção geral são elevadas, dado o alarme social que os crimes em causa provocam”, apesar de cometidos contra uma única vítima.
Acabaram por lhe aplicar uma pena suspensa de dois anos e meio de prisão, obrigando-o a pagar mil euros de indemnização à prima – uma pena mais pesada do que a aplicada em primeira instância, mas ainda assim inferior à pedida pelo Ministério Público, que defendia que fosse punido com três a quatro anos de prisão não efectiva. Já o Tribunal de Leiria tinha decretado 18 meses de pena suspensa.
“A simples censura e a ameaça da prisão realizam neste caso de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, refere a decisão judicial, que não faz alusão a uma eventual necessidade de terapia cognitivo-comportamental por parte do jovem.
Mesmo entre adultos, é comum os tribunais optarem por penas suspensas no caso de abusadores sexuais de menores primários, isto é, sem cadastro por este tipo de delito, a não ser que estejam em causa actos considerados de extrema gravidade.
Em Novembro passado, por exemplo, o Tribunal de Aveiro condenou a uma pena suspensa de três anos e dois meses de prisão um sexagenário que abusou sexualmente da sua filha de quatro anos na habitação onde vivia, em Águeda. O arguido foi ainda obrigado a pagar dois mil euros de indemnização à criança e inibido das responsabilidades parentais por oito anos. O tribunal levou em linha de conta o facto de se ter tratado de uma única situação, e não ter sido “das mais gravosas”. Meses antes o Tribunal da Relação do Porto tinha mantido a pena também suspensa a um homem de 26 anos condenado pelo abuso de duas menores, num total de 91 delitos. Chegou a manter uma relação de namoro com a rapariga mais velha.
Em Dezembro de 2021 o Tribunal de Braga condenou a cinco anos de prisão, igualmente suspensa, um vidraceiro que abusou de um sobrinho menor, agredindo-o sempre que ele não satisfazia os seus desejos. Apesar de ter classificado a sua actuação como altamente repugnante, o tribunal entendeu que o encarceramento não seria “a melhor forma de afastar o arguido da criminalidade e de satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, até porque o agressor estava inserido profissionalmente, deixara de ter contactos com a vítima e não possuía antecedentes criminais.
Nos últimos anos os tribunais têm estado ciclicamente debaixo de fogo por serem supostamente demasiado brandos para com predadores sexuais de menores, mas também nos casos de violência doméstica. Sucede que em 2007 que foi decidido em Portugal que as penas inferiores a cinco anos de duração podiam ser suspensas, quando até aí o limite eram os três anos - o que pode ajudar a explicar a questão.
Uma dissertação de mestrado da Faculdade de Direito da Universidade Católica, da autoria de Madalena Laia Luís e dedicada precisamente à aplicação de penas suspensas aos abusadores de menores, explica que existem juristas a defender que os juízes só prescindam de aplicar prisão efectiva em casos excepcionais, até por causa dos comportamentos compulsivos de que padecem parte deste tipo de predadores.