As eleições presidenciais francesas tiveram este domingo a sua “primeira parte”, ou uma “meia-final”. Doze candidatos apresentaram-se a votos perante quase 50 milhões de eleitores. Emmanuel Macron (com 27,8% dos votos) e Marine Le Pen (23,1%) passam à segunda volta, à “final” de 24 de Abril, uma vez que nenhum dos candidatos obteve mais de 50% das preferências (resultados e rescaldo para ler aqui e o P24 para ouvir aqui).
Macron, o actual Presidente francês, do partido liberal e pró-europeu La République En Marche, concorre à reeleição contra Marine Le Pen, do partido de extrema-direita Rassemblement National (a antiga Frente Nacional). São duas ideias muito diferentes de França, de Europa e de sociedade que estão em confronto:
- Macron defende uma França europeia, integrada na globalização económica, e também defende uma Europa cada vez mais próxima, quase federal;
- Le Pen defende que a globalização destruiu empregos, quer estancar a imigração e repensar a relação da França com a Europa e a NATO (no passado chegou a defender a saída da NATO, da União Europeia e da Zona Euro; actualmente, e dentro de um esforço de moderação da sua imagem, diz defender apenas uma relação diferente).
Outras notas rápidas da noite eleitoral francesa:
- Jean-Luc Mélenchon, candidato esquerdista da França Insubmissa, ficou perto da segunda volta com 21,9% dos votos e apelou ao voto em Macron a 24 de Abril, apesar de não ter dito o nome do Presidente: “Nem um voto em Marine Le Pen!”
- Éric Zemmour, o outro candidato de extrema-direita (este bem mais radical, xenófobo e racista que Le Pen), teve uma votação bem abaixo do que as sondagens previam: 7%, contra alguns cenários que, há algumas semanas, o colocavam na segunda volta com Macron. Apelou ao voto em Le Pen
- Desastre total e humilhante para os socialistas e para os gaulistas, que costumavam ser as duas grandes forças da política francesa, um pouco à imagem de democratas e republicanos nos EUA: Valérie Pécresse, a candidata conservadora, não chegou aos 5%. Anne Hidalgo, candidata do PS francês e presidente da Câmara de Paris, nem chegou aos 2%. Ambas as candidatas apoiam Macron na segunda volta
Uma eleição acompanhada em Moscovo e Kiev
Como pano de fundo para a segunda volta das eleições francesas, também vamos ter o que se passa na Ucrânia. Emmanuel Macron, apesar de ter sido dos poucos líderes ocidentais a encontrar-se e a conversar com Vladimir Putin para tentar negociar um cessar-fogo e uma solução política para o conflito, tem estado totalmente alinhado com as propostas de europeus e norte-americanos para punir e isolar a Rússia ao máximo. Marine Le Pen, pelo contrário, tem anos e anos de encontros e elogios ao Presidente russo, cujo regime tem sido acusado de ajudar financeira e mediaticamente partidos de extrema-direita em toda a Europa, incluindo em França. Com Putin, Le Pen partilha uma visão autoritária e contrária ao modelo liberal e globalizante dos EUA e da Europa Ocidental. É por isso natural que Moscovo esteja a acompanhar com muita atenção a votação dos franceses a 24 de Abril. E Kiev também.
E o que se passa no terreno, na Ucrânia?
Depois de terem falhado e esquecido a conquista de Kiev, as forças russas continuam apostadas em consolidar o controlo do Leste e do Sul da Ucrânia. Sintoma da perda de um grande número de militares (fontes internacionais falam em milhares de mortos), Moscovo mandou chamar mais 60 mil reservistas (militares mais velhos, ou civis com treino militar). Kiev diz que os ucranianos também estão preparados para “grandes batalhas” no Leste, com um conselheiro do Presidente Zelenskii, Mikhailo Podoliak, a prever “duas, três semanas” de intensos combates.
A aposta russa no Leste da Ucrânia levou Kiev a dizer à sua população para fugir daquela zona o quanto antes. Nesse grande êxodo, a semana passada terminou com mais um crime de guerra: um míssil atingiu a estação de comboios de Kramatorsk, no Leste, onde milhares de ucranianos esperavam transporte para fugir da região. Mais de 50 pessoas morreram, incluindo várias crianças. A Rússia diz que não fez o disparo, a Ucrânia diz que foi Moscovo. Poderá ser mais um caso para a justiça internacional investigar, numa pilha de dossiês que vai crescendo: Kiev diz que já identificou cerca de 500 criminosos de guerra, e que na última semana e meia encontrou mais de 1000 civis mortos só na região da capital.
Novas medidas contra a inflação (mas o que é a inflação?)
Oportunidade para explicar brevemente o que é a inflação, essa palavra que volta e meia surge nas notícias (e até já explicámos num vídeo do PQ).
A inflação é uma subida generalizada dos preços numa economia. Sublinhe-se o “generalizada”: se subir apenas o preço da gasolina, isso não é inflação; se o preço de várias coisas (combustíveis, alimentação, roupa, etc.) subir ao mesmo tempo, então sim, já estamos a falar de inflação.
Porque há inflação? Normalmente, por um de dois motivos:
- Um é o aumento do custo de produção das coisas (se aumenta o preço da energia, por exemplo, as fábricas gastam mais dinheiro para fazer a mesma quantidade de produtos, e esse custo é passado ao consumidor final na forma de uma subida do preço do produto)
- O outro é o aumento da procura, do consumo, quando as pessoas querem e podem comprar mais produtos e serviços.
Porque há inflação agora em Portugal e na Europa? É uma mistura dos dois motivos explicados acima:
- Os preços da energia subiram muito (e a guerra na Ucrânia explica parte disso) e continua a haver uma grande falta de matérias-primas e dificuldades no transporte de mercadorias (e a pandemia explica parte disto). Resultado: ficou mais cara a produção de muitas coisas que consumimos
- O consumo também aumentou. Depois de dois anos de pandemia, muitas pessoas voltaram a consumir e a fazer coisas que tinham deixado de fazer ao ficar em casa: viajar, ir a restaurantes, fazer aquela compra que tinham adiado, etc. Muitos negócios também voltaram a abrir, logo há mais pessoas com emprego e com salário para gastar
Juntando estes dois factores, produção mais cara e maior consumo, temos um aumento generalizado dos preços. O efeito, esse, todos nós notamos: ficamos capazes de comprar menos coisas com a mesma quantidade de dinheiro que temos disponível, e isto penaliza sobretudo quem vive de rendimentos fixos como salários, pensões ou subsídios (a maioria de nós).
Qual é a solução? Uma medida clássica é a subida das taxas de juro, ou seja, do custo do dinheiro que os bancos emprestam às empresas e famílias. Isto tem o efeito de abrandar o consumo, o que por sua vez fará descer os preços. Mas tem também o efeito óbvio de travar investimentos, compras importantes para as empresas e famílias, contratações, etc. Por estes dias, o Banco Central Europeu, que é quem define a taxa de juro de referência na Zona Euro, está a discutir se esta cura não é pior que a doença, numa altura em que a economia europeia ainda não recuperou totalmente da pandemia e em que enfrenta os efeitos da guerra na Ucrânia. Pode não ser ainda o momento de mexer nos juros, e pode ser que a inflação seja um mal menor.
E por cá? O Governo português anunciou esta segunda-feira uma série de medidas para combater o aumento dos preços em dois sectores cruciais: a energia e a alimentação. Entre as 18 medidas estão:
- Um apoio de 60 euros para um maior número de famílias carenciadas na compra de alimentos
- A redução de um imposto (o ISP) e o congelamento da taxa de carbono nos combustíveis, o que vai ajudar a reduzir o preço dos combustíveis
- Apoios de até 400 mil euros para empresas industriais que utilizem gás em grandes quantidades (serão cerca de 3 mil empresas)
- A redução do IVA nos equipamentos eléctricos e licenciamento mais rápido dos painéis solares
Máscaras? Só mais um bocadinho
Lembram-se das notícias a apontar que, por esta altura, Portugal poderia estar perto de deixar de obrigar ao uso da máscara dentro de espaços fechados? Ainda não é para já. Ao contrário do que chegou a ser previsto, Portugal não atingiu um valor abaixo do limiar de risco europeu de 20 mortes por covid-19 por cada milhão de habitantes a 14 dias.
Esta segunda-feira, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, disse por isso que é “seguro esperar mais uns dias” e que “é melhor não abrirmos mãos de todas as medidas”, para “não perder nada do que já foi adquirido”. E que não há uma previsão para deixarmos a máscara.
Os números que estão na base desta decisão indicam que sim, os casos de covid-19 estão a descer, mas o número de mortes relacionadas com a doença ainda não estão. Além disso, a semana de Páscoa é uma altura de muitos convívios familiares ou de férias com amigos, pelo que Graça Freitas recomenda que se continue “a usar máscara, manter o distanciamento social e evitar aglomerados”, de modo a impedir uma nova vaga da pandemia em Portugal.
E a propósito disso, uma boa semana e uma Páscoa feliz.