Levantam a sobrancelha, distinguem castelhano de húngaro, piscam os olhos e até fazem olhinhos para comunicarem com as pessoas. As capacidades e expressões faciais dos cães assemelham-se cada vez mais às dos humanos e, de acordo com um estudo, o facto não é, de todo, coincidência. A causa? Os donos, mais concretamente o processo de domesticação, que acabou por influenciar em grande escala a capacidade de os cães formarem expressões faciais semelhantes às nossas.
“Os cães são diferentes de outros mamíferos na ligação recíproca com os humanos que pode ser demonstrada através do olhar, algo que não observamos entre humanos e outros animais domesticados como cavalos ou gatos”, começa por explicar Anne Burrows, professora na Universidade de Duquesne em Pittsburgh, nos Estados Unidos, e autora principal do estudo, revisto pelos pares, num comunicado publicado no portal EurekaAlert, gerido pela AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência).
Há alguns anos, Burrows foi uma das responsáveis pela descoberta de um músculo adicional presente nos cães que explica a capacidade destes animais conseguirem fazer olhinhos. Os lobos, por outro lado, não possuem esta característica.
A diferença anatómica não deixa de ser estranha, tendo em conta que os lobos foram a primeira espécie mamífera domesticada pelos humanos e estão separados dos cães por apenas 33 mil anos. “É uma diferença notável entre cães e lobos. Eles simplesmente não movem os focinhos da mesma maneira”, revelou.
Na nova investigação foram analisadas e comparadas amostras de “músculos miméticos” — responsáveis pela formação de expressões faciais — das duas espécies de mamíferos e o veredicto foi claro: os cães têm mais destes músculos.
Nos humanos, os músculos são dominados por fibras de comutação rápida que se contraem rapidamente e ainda pelo cansaço — o que explica o facto de não ser possível manter a mesma expressão facial durante muito tempo. É por isso que os humanos conseguem segurar um peso de cinco quilos durante um minuto, mas não conseguem manter um sorriso durante o mesmo intervalo.
O mesmo acontece com os cães, que possuem entre 66% e 95% de fibras musculares mais rápidas, o que explica todos os gestos simples como o levantar das orelhas em sinal de entusiasmo ou alerta. Os lobos, por outro lado, têm apenas 25%.
“Ao longo do tempo, os músculos dos cães podem ter evoluído para se tornarem ‘mais rápidos’, beneficiando ainda mais a comunicação entre cães e humanos”, revela a antropóloga, acrescentando que, neste caso, o contacto visual com o animal é essencial.
Por outro lado, a situação inverte-se quando as amostras analisadas são de fibras musculares de comutação lenta, responsáveis por movimentos faciais mais prolongados utilizados no uivar dos lobos. Neste caso, estes animais apresentam uma capacidade média de 29%, enquanto os cães têm apenas 10%.
Parte da conclusão deste estudo já tinha sido publicada em 2019, na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), conforme escreveu o P3. Anne Burrows fez parte da equipa de investigadores.