Ordem arquiva processo a médico que não viu sinais de violência no corpo de Ihor Homenyuk
Médico diz que apenas foi chamado para verificar o óbito de Ihor Homenyuk e explicou que não valorizou o hematoma no seu rosto nem se apercebeu das lesões que este tinha no corpo.
A Ordem dos Médicos (OM) arquivou o processo de averiguação sumária aberto contra o médico do INEM que declarou o óbito de Ihor Homenyuk, o cidadão ucraniano que morreu em Março de 2020 no centro de detenção do aeroporto de Lisboa, depois de ter sido impedido de entrar no país.
O Conselho Disciplinar da OM não encontrou “quaisquer indícios de erro censurável, negligência ou má prática” na conduta do médico que foi chamado para verificar o óbito e que alegou não se ter apercebido de sinais de violência no corpo de Ihor, adianta este domingo o Diário de Notícias, que teve acesso ao despacho de arquivamento, que já tem um ano.
O processo de averiguação foi aberto na sequência de uma participação da inspectora-geral da Administração Interna que dirigiu o inquérito à morte de Ihor Homenyuk.
No documento em que atestou a morte do cidadão ucraniano, o médico do INEM escreveu - “em paragem cardiorrespiratória presenciada, após crise convulsiva” - sem referir quaisquer sinais de agressões, descrição que terá permitido ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) classificar o óbito como “morte natural” e comunicá-lo desta forma ao Ministério Público e à tutela.
Em declarações à Polícia Judiciária, o médico garantiu logo em 2020 que apenas reparou num hematoma na face de Ihor e que não notou outros sinais, ao contrário do médico legista que assinou a autópsia e que concluiu que as lesões que o ucraniano apresentava provavam que tinha sido submetido a grande violência. A autópsia referia, aliás, como causa da morte asfixia mecânica em sequência de agressões.
Na sua defesa escrita no processo da OM, o médico do INEM admitiu que não valorizou o hematoma visível no rosto do cidadão ucraniano e explicou que não deu conta das lesões no corpo da vítima. E enfatizou que o documento que assinou era uma verificação e não uma certidão de óbito, sendo que a primeira “não tem o objectivo de determinar a causa” da morte, ao contrário da segunda.
O parecer assinado pelo colégio de competência em emergência médica da OM dá-lhe razão: “Em nenhum momento o visado escreveu ‘causas naturais’ ou descartou qualquer hipótese diagnóstica, limitando-se a descrever a paragem cardiorespiratória (...) [que] é sempre a causa final e não pode ser interpretado como sinónimo de ‘morte natural’ ou ‘morte súbita'”. Com base neste parecer e nas explicações do médico, a relatora da OM propôs o arquivamento do processo de averiguação.
Quanto ao processo disciplinar instaurado ao enfermeiro ao serviço da Cruz Vermelha Portuguesa que assistiu Ihor horas antes da sua morte mas abandonou o local sem chamar o INEM ou garantir que lhe eram retirada a fita adesiva que o manietava, continua em instrução pela Ordem dos Enfermeiros (OE). A OE explicou ao Diário de Notícias que o caso está “em tramitação de acordo com os prazos previsto no regulamento disciplinar”.
Três inspectores do SEF foram condenados a nove anos de prisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2021, por ofensas à integridade física grave qualificada que resultaram na morte de Ihor Homenyuk. O tribunal deu como provado que Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa provocaram-lhe lesões traumáticas em que, juntamente com a posição em que o deixaram algemado, atrás das costas, conduziram a asfixia mecânica, causando-lhe a morte.
Em Janeiro de 2021 o Estado pagou uma indemnização à família de cerca de 800 mil euros, mas o caso está longe de ficar encerrado, uma vez que todas as partes recorreram ao Supremo Tribunal de Justiça e há inquéritos abertos à actuação de outros intervenientes que ainda não estão concluídos.