Novo sistema de patentes terá custos “incomportáveis” para as PME
Grupo Português da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual alerta para a subida das taxas de justiça a pagar ao Tribunal Unificado de Patentes e pede adiamento da participação do país.
As taxas de justiça a pagar ao Tribunal Unificado de Patentes caso uma empresa portuguesa se envolva num litígio judicial sofrerão um “aumento incomportável” de 2.500%, alerta o Grupo Português da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual.
“Só em termos de taxas de justiça a pagar, os custos passarão dos actuais 1.224 euros pagos aos tribunais portugueses, por processo, para 31.000 euros pagos ao TUP [Tribunal Unificado de Patentes]”, disse à agência Lusa o presidente daquele grupo, salientando que “isto significa um incomportável aumento de 2.500%”.
Já em caso de recurso, acrescentou Gonçalo Sampaio, “o valor das novas custas judiciais passará para 62.000 euros e, caso perca o processo, o autor “terá de pagar as taxas de justiça da parte contrária, aumentando os custos, só de taxas judiciais, para 124.000 euros/processo”.
O novo sistema de patentes na Europa prevê a criação de um Tribunal Unificado de Patentes -- um tribunal comum aos Estados-membros contratantes e, portanto, parte do seu sistema judicial --, que terá competência exclusiva em matéria de patentes europeias e patentes europeias com efeito unitário, fora da orgânica dos tribunais judiciais nacionais, com juízes internacionais e regras próprias.
O acordo relativo ao TUP foi assinado em 19 de Fevereiro de 2013 por 25 Estados-membros, tendo Portugal depositado o seu instrumento de ratificação em 28 de Agosto de 2015 e estimando-se que o novo sistema europeu de patentes possa entrar em vigor em inícios de 2023.
Subida de custos a caminho
Segundo o Grupo Português (GP) da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (AIPPI), um estudo da Comissão Europeia ("Study on the Caseload and financing of the Unified Patent Court") prevê que com o novo sistema poderão existir em Portugal “mais de 300 processos judiciais/ano por infracção da patente”, o que significa que, “só em custas judiciais, o novo sistema terá um custo de cerca 20 milhões de euros/ano”.
A este valor, nota, “acrescem todos os custos inerentes à contratação de advogado no local do tribunal [que, pelo menos inicialmente, ficará em Paris e Munique], assim como, entre outros, os custos de deslocação, alojamento e estadia, a necessidade de peritos e de testemunhas estrangeiras, tradutores”, pelo que “os custos com processos judiciais não serão -- em qualquer caso -- inferiores a 300.000 euros/processo, podendo muito facilmente ultrapassar este montante”.
“Estes são valores impossíveis para as PME”, alerta o responsável do GP da AIPPI, que defende a “redefinição do modelo de participação de Portugal” no sistema, nomeadamente a sua “não entrada em vigor” no país “até um momento mais oportuno e adequado aos interesses das empresas nacionais”.
Além do “enorme aumento” dos custos judiciais, entre as principais preocupações deste grupo está o “impacto negativo” para a economia nacional da adesão ao sistema, que estima que será “não inferior a 115 milhões de euros/ano”. “Só os custos directos com processos judiciais, de acordo com estudo da própria Comissão Europeia, não serão inferiores a 90 milhões de euros/ano”, precisa, notando que “um estudo do Ministério da Economia da Polónia (que, muito justamente, anunciou já a sua não adesão ao sistema) prevê um custo para o tecido empresarial e para a economia polaca de cerca de 550 milhões/ano”.
Outro dos receios da delegação nacional da AIPPI é o previsível “aumento dos monopólios no mercado nacional” decorrente do novo sistema, já que “os grandes beneficiados serão os seus grandes utilizadores [em 55% dos casos empresas de fora da União Europeia]”. Isto porque, ao prever “a vigência automática em Portugal de todas as patentes concedidas a nível europeu”, em vez da média anual habitual de 4500 patentes validadas em Portugal, passarão a entrar em vigor cerca 130.000 patentes por ano, o que “exigirá um enorme esforço financeiro das PME nacionais para verificar/garantir a não violação de patentes”.
“Fim do português como língua de inovação”
O aumento de custos de licenciamento das patentes é outra das preocupações do GP da AIPPI: “Com o número de monopólios e exclusivos a aumentar exponencialmente, haverá uma significativa diminuição de mercado para PME, que terão um aumento significativo de custos para operar”, refere, explicando que “esses exclusivos detidos por entidades estrangeiras irão aumentar os custos de licenciamento e de operação para as empresas portuguesas, limitando imensamente o seu mercado e diminuindo a sua capacidade de inovação”.
Adicionalmente, avisa que o novo sistema significa o “fim do português como língua de inovação”. “Uma patente descreve, através de palavras e desenhos, como é feita e funciona uma invenção. Se esta estiver protegida em Portugal e apenas for acessível em língua alemã, francesa ou inglesa -- como prevê o novo sistema -- como se partilha inovação e ciência?”, questiona o Grupo Português. “Ao ceder neste ponto -- sustenta -- estamos a vedar o acesso a conhecimento aos portugueses -- e a todos os cidadãos que falam português, incluindo os oriundos da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] --, a diminuir-lhes as oportunidades de acederem às invenções e à inovação e a oferecer aos “países grandes” um reforço do seu “status quo"”.
Finalmente, o GP da AIPPI adverte para os riscos de “perda de competitividade e de deslocalização” que resultam da não adesão de alguns países ao sistema. Dando como exemplo o caso espanhol, país que já anunciou que não irá aderir, explica: “Uma empresa localizada em Espanha terá os seus litígios discutidos em tribunais espanhóis e só enfrentará as patentes que sejam expressamente validadas em Espanha. Perante este quadro, e de forma a evitar os riscos de estar sediada num país membro do sistema, será bastante provável empresas optarem por deslocalizarem-se para Espanha”.
Apesar da “evolução positiva” e da “maior consciência da importância da protecção da inovação” que se tem vindo a observar em Portugal, o GP da AIPPI considera que ainda “há necessidade de reforçar significativamente a aplicação de I&D [Investigação e Desenvolvimento] ao mercado e a ligação entre investigadores e empresas” no país. “Precisamos de um sistema que facilite a entrada no mesmo, e não que proteja quem já o utiliza. Precisamos de um sistema que proteja as nossas micro e PME e não de um que as afaste e torne mais difícil a sua defesa”, enfatiza.
Adiar a entrada em vigor
O GP da AIPPI defende que deve “ser redefinido o modelo de participação de Portugal, ponderando uma não entrada em vigor do novo sistema até um momento mais oportuno e adequado aos interesses das empresas nacionais”.
"Nesse sentido -- sustenta -- deveria ser criado um grupo de trabalho, envolvendo várias entidades, que estudasse, de forma mais actual, os impactos para as empresas nacionais e fosse incumbido de apresentar, em simultâneo, medidas que permitissem preparar as PME para o sistema e um calendário mais favorável para a entrada em vigor do mesmo em Portugal, num período não inferior a cinco/seis anos”.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do GP da AIPPI, Gonçalo Sampaio, avançou que “países como Espanha, Polónia, Hungria, Eslováquia e Croácia, além do Reino Unido, fruto do “Brexit”, já fizeram saber que não irão aderir ao sistema, em defesa dos interesses económicos das suas empresas”.
Segundo explicou, “uma vez que o sistema é aberto e pode ser usado por nacionais cujo país não tenha aderido”, as empresas sediadas em países não aderentes “poderão usar o sistema (tirando proveito das suas vantagens), ao mesmo tempo que não sofrerão as consequências negativas do mesmo”. “Com esta opção, as empresas que entendam podem usar o novo sistema, mas as micro e as PME não são afectadas pela vigência do novo sistema. É a solução ideal para um tecido empresarial como o português”, defende.
Considerando que “este é o momento indicado para actuar pois, como consequência do “Brexit”, estão a ser reescritos/reinterpretados os textos legais relativos a esta nova realidade”, Gonçalo Sampaio diz que é a altura certa “para os diferentes países que estão dentro do sistema colocarem alguma salvaguarda nacional nos mesmos”. Contudo, o GP do AIPPI diz não ter conhecimento de qual a posição do Governo português sobre este tema, já que esta “nunca foi partilhada”, e garante que “nunca foi ouvido sobre nenhuma decisão” ou “chamado para discutir o assunto”.