Reflectir as visualidades negras e a descolonização

Em Abril e Maio, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, recebe um ciclo de conferências que se propõe pensar sobre as questões da representação e das imagens numa perspectiva de descolonização. A primeira é a 6 de Abril, com a brasileira Heloísa Pires Lima.

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Billy Woodberry, um dos principais nomes da chamada L.A. Rebellion, estará entre os participantes JOANA LINDA

Há cada vez mais académicos, artistas, curadores ou arquivistas, a abordar criticamente a relação entre visualidades e negritude, entre imagens e racismo, ou o direito à representação no espaço público como forma de justiça e inclusão. Há muitas implicações para se reflectir, na actualidade, em como lidar com os legados visuais do passado. É a pensar nisso que o Centro Cultural de Belém propõe agora um ciclo de conferências – Visualidades Negras – sobre as questões da representação numa óptica de descolonização. O ciclo tem curadoria de Filipa Lowndes Vicente, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que tem vindo a efectuar investigação com abordagens transnacionais e transcoloniais.

A antropóloga, escritora e pesquisadora brasileira Heloísa Pires Lima, que opera sobre as representações culturais de origem africana nos acervos disponibilizados para a infância e juventude, será a primeira convidada – a 6 de Abril. Na origem do convite endereçado a Filipa Lowndes Vicente para a curadoria do ciclo está a edição de O Império da Visão: Fotografia no Contexto Colonial Português (1860-1960), obra iniciada em 2009, que viria a ser publicada em 2014, com o contributo de “30 pessoas que reflectiram sobre o contexto colonial português”, afirma, resultante do final de uma investigação. “O desafio inicial era fazer-se um ciclo sobre imagens e racismo”, diz Filipa Lowndes Vicente, “mas acabou por se alargar o âmbito porque hoje existem múltiplas abordagens através de livros ou exposições, neste cruzamento entre fotografia e negritude, ou consciência negra, tudo aquilo que constitui uma reflexão sobre representação de pessoas negras em vários contextos do mundo.”

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Retrato de Frederick Douglass, 1847-1852. Daguerreótipo. Cortesia de Art Institute of Chicago Samuel J. Miller

Na sua visão as perspectivas mudaram. “Até há alguns anos ainda existia um pensamento centrado na relação do colonial com a imagem, mas nos últimos tempos essa realidade mudou imenso – de formas diferentes, em diversas parte do mundo – com a chegada em massa de afrodescendentes à academia, nomeadamente à americana ou inglesa, que começaram a olhar para o passado a partir de diversos ângulos – e hoje em dia muitos dos principiais nomes são desta linha que cruza fotografia e imagens e representações de pessoas negras em vários contextos históricos.”

Para além de Heloísa Pires de Lima, haverá convidados como Kenneth Montague, a 4 de Maio, um dentista, coleccionador de arte de Toronto e fundador e director da Wedge Curatorial Projects, que apoia artistas africanos e da diáspora, sejam emergentes ou estabelecidos. “Tem uma grande colecção e acaba de publicar um livro – As We Rise: Photography from the Black Atlantic – com vários ensaios, que irá ser objecto também de uma exposição, focando muito essa ideia da auto-representação. Ou seja, essa diferença entre quando nos queremos fotografar – seja no século XIX num estúdio fotográfico ou hoje através de uma selfie – e o vasto arquivo colonial, em que as pessoas eram fotografadas por outros.”

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Heloísa Pires Lima, Deborah Willis, Ruth Wilson Gilmore e Kenneth Montague RENATO PARADA/ALICE PROUJANSKY/STEPHAN ROLL/DR

A 13 de Abril estará em foco o americano Billy Woodberry, um dos principais nomes da chamada L.A. Rebellion, uma geração de jovens cineastas afro-americanos que procuraram a construção de um novo cinema negro. Para além da conversa e reflexões, irá mostrar um filme feito a partir de fotografias. A americana Deborah Willis, professora e presidente do departamento de fotografia e imagem da Tish School of the Arts da Universidade de Nova Iorque, especialista em histórias culturais que visualizam o corpo negro, as mulheres e o género, estará em Lisboa a 27 de Abril, enquanto a 18 de Maio, estará presente Ruth Wilson Gilmore, co-fundadora de organizações abolicionistas e professora de geografia.

“São pessoas que não vão falar sobre o contexto português, mas que nos podem ajudar a pensar sobre o nosso contexto”, enuncia Filipa Lowndes Vicente, acrescentando que existiram vários critérios nos convites endereçados. “O serem afrodescendentes e o reflectirem a partir destas questões de ângulos e formas diferentes. A Deborah Willis e a Ruth Wilson Gilmore, a partir da academia. O Billy Woodberry, com uma perspectiva de realizador de cinema. A Heloísa Pires Lima, trazendo a perspectiva infantil e juvenil, a partir de livros, que era algo que me interessava, até porque em Portugal ainda existem poucos livros nesta linha, em que as personagens e histórias sejam negras ou afrodescendentes.” Apesar de em Portugal ainda existirem muitos vazios, é da opinião que muito mudou nos últimos cinco anos. “Há nitidamente um ponto de viragem a partir de 2017, quando mais pessoas, ao mesmo tempo, começam a abordar estes temas. Essa amplitude, visibilidade e afirmação faz toda a diferença.”

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