Reflectir as visualidades negras e a descolonização
Em Abril e Maio, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, recebe um ciclo de conferências que se propõe pensar sobre as questões da representação e das imagens numa perspectiva de descolonização. A primeira é a 6 de Abril, com a brasileira Heloísa Pires Lima.
Há cada vez mais académicos, artistas, curadores ou arquivistas, a abordar criticamente a relação entre visualidades e negritude, entre imagens e racismo, ou o direito à representação no espaço público como forma de justiça e inclusão. Há muitas implicações para se reflectir, na actualidade, em como lidar com os legados visuais do passado. É a pensar nisso que o Centro Cultural de Belém propõe agora um ciclo de conferências – Visualidades Negras – sobre as questões da representação numa óptica de descolonização. O ciclo tem curadoria de Filipa Lowndes Vicente, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que tem vindo a efectuar investigação com abordagens transnacionais e transcoloniais.
A antropóloga, escritora e pesquisadora brasileira Heloísa Pires Lima, que opera sobre as representações culturais de origem africana nos acervos disponibilizados para a infância e juventude, será a primeira convidada – a 6 de Abril. Na origem do convite endereçado a Filipa Lowndes Vicente para a curadoria do ciclo está a edição de O Império da Visão: Fotografia no Contexto Colonial Português (1860-1960), obra iniciada em 2009, que viria a ser publicada em 2014, com o contributo de “30 pessoas que reflectiram sobre o contexto colonial português”, afirma, resultante do final de uma investigação. “O desafio inicial era fazer-se um ciclo sobre imagens e racismo”, diz Filipa Lowndes Vicente, “mas acabou por se alargar o âmbito porque hoje existem múltiplas abordagens através de livros ou exposições, neste cruzamento entre fotografia e negritude, ou consciência negra, tudo aquilo que constitui uma reflexão sobre representação de pessoas negras em vários contextos do mundo.”
Na sua visão as perspectivas mudaram. “Até há alguns anos ainda existia um pensamento centrado na relação do colonial com a imagem, mas nos últimos tempos essa realidade mudou imenso – de formas diferentes, em diversas parte do mundo – com a chegada em massa de afrodescendentes à academia, nomeadamente à americana ou inglesa, que começaram a olhar para o passado a partir de diversos ângulos – e hoje em dia muitos dos principiais nomes são desta linha que cruza fotografia e imagens e representações de pessoas negras em vários contextos históricos.”
Para além de Heloísa Pires de Lima, haverá convidados como Kenneth Montague, a 4 de Maio, um dentista, coleccionador de arte de Toronto e fundador e director da Wedge Curatorial Projects, que apoia artistas africanos e da diáspora, sejam emergentes ou estabelecidos. “Tem uma grande colecção e acaba de publicar um livro – As We Rise: Photography from the Black Atlantic – com vários ensaios, que irá ser objecto também de uma exposição, focando muito essa ideia da auto-representação. Ou seja, essa diferença entre quando nos queremos fotografar – seja no século XIX num estúdio fotográfico ou hoje através de uma selfie – e o vasto arquivo colonial, em que as pessoas eram fotografadas por outros.”
A 13 de Abril estará em foco o americano Billy Woodberry, um dos principais nomes da chamada L.A. Rebellion, uma geração de jovens cineastas afro-americanos que procuraram a construção de um novo cinema negro. Para além da conversa e reflexões, irá mostrar um filme feito a partir de fotografias. A americana Deborah Willis, professora e presidente do departamento de fotografia e imagem da Tish School of the Arts da Universidade de Nova Iorque, especialista em histórias culturais que visualizam o corpo negro, as mulheres e o género, estará em Lisboa a 27 de Abril, enquanto a 18 de Maio, estará presente Ruth Wilson Gilmore, co-fundadora de organizações abolicionistas e professora de geografia.
“São pessoas que não vão falar sobre o contexto português, mas que nos podem ajudar a pensar sobre o nosso contexto”, enuncia Filipa Lowndes Vicente, acrescentando que existiram vários critérios nos convites endereçados. “O serem afrodescendentes e o reflectirem a partir destas questões de ângulos e formas diferentes. A Deborah Willis e a Ruth Wilson Gilmore, a partir da academia. O Billy Woodberry, com uma perspectiva de realizador de cinema. A Heloísa Pires Lima, trazendo a perspectiva infantil e juvenil, a partir de livros, que era algo que me interessava, até porque em Portugal ainda existem poucos livros nesta linha, em que as personagens e histórias sejam negras ou afrodescendentes.” Apesar de em Portugal ainda existirem muitos vazios, é da opinião que muito mudou nos últimos cinco anos. “Há nitidamente um ponto de viragem a partir de 2017, quando mais pessoas, ao mesmo tempo, começam a abordar estes temas. Essa amplitude, visibilidade e afirmação faz toda a diferença.”