O que é que significa ser mulher e até que ponto é que a feminilidade existe fora dos padrões que nos foram impostos? O que significa ser uma mulher feminina? Dou por mim a pensar que já está na altura de me tornar mais mulher, mas não sei bem o que isso quer dizer ou sequer porque é que me passa pela cabeça. Ocorre-me que a feminilidade possa ser subjectiva.
Mas depois olho-me ao espelho e foco-me no meu corpo e tudo o que está mal nele, tudo o que devia ser mais assim ou assado, tudo o que não é delicado ou digno de ser dito feminino. Começo a pensar se já não é altura de começar a vestir-me mais como uma mulher, arranjar-me mais como uma mulher, comportar-me mais como uma mulher que faz coisas de mulher e gosta de coisas mulher. Mas percebo rapidamente o quão estúpido é pensar que tenho de gostar de certas coisas por causa do meu género, ou que sequer existem “coisas de mulher”.
Gosto do que gosto porque sou uma pessoa. E acho que o ser mulher tem muito mais a ver, na minha experiência subjectiva, com a dor que estas imposições provocam. Não tenho a certeza de nada, por isso só falo da minha experiência. Mas sufoco com a realização de que muito provavelmente nunca vou conseguir discernir entre o que realmente gosto e aquilo que apenas me agrada porque me foi imposto enquanto ser feminino. Portanto, acho que navegar no mundo enquanto ser feminino passa muito por descortinar aquilo de que gostamos e queremos para nós porque é nosso e nos faz felizes e o que achamos que temos de gostar porque somos mulheres.
Acho também que ser mulher é uma experiência muito subjectiva, apesar de todas as dores que partilhamos. A consciência da opressão molda-nos, mas não há nada de intrinsecamente espiritual ou partilhado em ser mulher, a não ser que nos sentimos mulheres e partilhamos a dor que é ser mulher num mundo criado às nossas costas. Partilhamos a inferioridade que nos impuseram, a beleza que dizem ser nossa porque somos por natureza seres mais agradáveis e gentis e, acima de tudo, partilhamos a raiva por nos quererem forçar coisas que não somos. Não somos belas e cheirosas, os nossos corpos não são lindos porque somos mulheres. Somos seres humanos cujo corpo serve como veículo para experienciar e viver no mundo, somos cérebros com as mesmas capacidades analíticas e lógicas de qualquer outro ser humano. Temos no nosso coração o ódio também, e não só o amor e o desejo de cuidar.
Exigimos apenas que não nos coloquem num falso pedestal de falsas qualidades enquanto nos infantilizam e sexualizam ao mesmo tempo. Não existimos com o propósito de cuidar, não temos energia feminina que nos torna mais aptas a dar o nosso sangue e alma pelos outros. Somos um desejo de libertação.