Obviamente, exonerado
“O senhor almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu uns copos?”, perguntou o capelão da Marinha. Gouveia e Melo não tinha outra escolha: exonerou-o.
O almirante Gouveia e Melo foi rápido a reagir às notícias sobre o envolvimento de dois fuzileiros na morte brutal de um agente da PSP em Lisboa. Fê-lo para manter a dignidade do corpo de fuzileiros, para inibir que outros casos se sucedam. Não consta que o Exército tenha por hábito fazer o mesmo sempre que morre um recruta.
O capelão da Marinha, Licínio Luís, missionário passionista, defendeu os fuzileiros detidos e criticou Gouveia e Melo por estas declarações. Para o capelão, no fundo, os dois fuzileiros estavam “a divertir-se” e “foram provocados”. “O senhor almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu uns copos?”, perguntou. Gouveia e Melo não tinha outra escolha: exonerou o capelão.
O Estado não pode aceitar que nas forças de segurança ou nas Forças Armadas existam “arruaceiros” e elementos “sem valores”, para utilizar duas expressões do almirante. A prática mais recente tem sido essa. O Ministério da Administração Interna (MAI) acaba de suspender por três meses um agente da PSP acusado pelo Ministério Público de torturar um cidadão ucraniano de forma totalmente gratuita em Beja.
No mês anterior, o MAI tinha suspendido sete militares da GNR suspeitos de agressões, maus tratos e sequestro de imigrantes em Vila Nova de Milfontes, Odemira, numa óbvia demonstração de poder sem qualquer fundamento. As decisões de Francisca van Dunem, que acumulou as funções de ministra da Justiça e da Administração Interna, contrastam com os procedimentos que eram seguidos, antes da sua tomada de posse, em situações análogas.
Há casos de sobra para o atestar: os oito agentes da esquadra da PSP de Alfragide condenados por agressão, e um deles sentenciado a prisão efectiva de um ano e seis meses, com antecedentes criminais por ter cometido o mesmo crime, mantiveram-se em funções. Para a Direcção Nacional da PSP, isso não bastava. Isso e o facto de o tribunal considerar ter existido um “grave abuso de autoridade”, a violação do código deontológico da polícia e um contributo para a perda de “confiança da população.
O homicídio de Ihor Homenyuk, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, é mais um desses casos em que as forças de segurança preferem ter como código de conduta o encobrimento e a complacência e não a decência, a ética ou a deontologia. Quando as chefias preferem a primeira opção à segunda, estão a proteger os “arruaceiros” e a destruir a credibilidade e notoriedade de todos os outros profissionais da instituição que dirigem.