Noiserv, uma estreia literária à velocidade da luz
Três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo é um livro singular. David Santos, que conhecemos como Noiserv, inspirou-se na Teoria da Relatividade de Albert Einstein para criar uma obra que vive tanto da forma como do conteúdo.
“Três luzes acenderam ao mesmo tempo, em três janelas diferentes. Não houve nenhum intervalo entre elas”. Na estreia literária de Noiserv há palavras, expressões que se repetem, como se fossem sons que acompanhassem o desenrolar da história: luzes, janelas, pequenos instantes.
Três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo é um livro singular. David Santos, que conhecemos como Noiserv — e é nessa condição que assina esta sua primeira ficção —, inspirou-se na Teoria da Relatividade de Albert Einstein para criar uma obra que vive tanto da forma como do conteúdo. Quem conhece a sua música e os seus discos sabe que a primeira se compõe de várias camadas que Noiserv vai acoplando até atingir a complexidade e ambiência desejadas.
Quem conhece os seus discos, e em particular as suas edições em vinil, tem presente que o trabalho gráfico das mesmas recorre ao recorte — que abre e fecha janelas, abre e cerra olhares —, e a efeitos visuais que surpreendem e apontam a diferentes perspectivas, do qual Almost Visible Orchestra (A.V.O), o seu segundo álbum, é um exemplo perfeito. Nunca estamos na presença da linearidade. Este livro integra-se nessa linha criativa que Noiserv foi criando como artista.
Em Três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo, que vai na sua segunda edição — a primeira esgotou em Novembro do ano passado —, a história concentra-se nos pormenores dos pormenores, desenrola-se num lugar de sonho, com a certeza da visão do mundo em que vivemos. O leitor é transportado à velocidade da luz; a velocidade da luz no vazio é, de resto, a razão de ser do título hifenizado e por extenso. A velocidade a que nos vemos versus a inevitabilidade de poucas vezes nos encontrarmos.
Noiserv estabelece personagens sem nome, junta três momentos coincidentes e cria uma teoria sobre o que aconteceu num determinado bairro, tentando estabelecer paralelismos com a sociedade em que vivemos. Recorre à repetição, a três luzes em três janelas para nos fazer a imaginar a estória através dos efeitos visuais criados nas páginas. Podemos falar de poesia e de filosofia ou de como a arte gráfica está ao seu dispor, na forma como nos abre essas janelas para outros mundos. Noiserv foi descobrindo os passos a dar nesta história à medida que a foi desenvolvendo, à semelhança da sua característica composição musical, e acrescentando notas de rodapé que situam o leitor, com a preocupação de um localizador, de um explicador.
Experiência visual
Este livro tem várias leituras possíveis. Palavras recortadas nas páginas conferem-lhe diferentes leituras. Como é bom de ver, o livro é uma experiência visual e criativa, rebuscada e elaborada, como Noiserv também quis atingir em algumas edições discográficas. O projecto demorou três anos a ser executado e um deles foi apenas para trabalho gráfico, tão meticuloso quanto a imaginação de David Santos, que aqui teve a colaboração do Estaminé Studio. O seu lançamento só foi possível graças ao financiamento do programa Compete 2020, dada a qualidade de edição e sofisticação de detalhes, que encareceu a produção, como é o caso das lombadas pintadas.
A história já estava a ser burilada há algum tempo, mas foi a pandemia que permitiu a David Santos entregar-se de forma (ainda) mais dedicada a esta criação. E a criatura foi crescendo “sem pressa”, como habitualmente, uma espécie de mantra do próprio cantor e escritor, que exige para si mesmo o tempo necessário para fazer o que quer fazer, sabendo-se de antemão que aquilo que tem entre mãos só será finalizado quando estiver e se estiver perfeito.
A seguir a três-vezes-dez-elevado-a-oito-metros-por-segundo, Noiserv lançou o muito recente Noiserv Sound Machine, uma caixa com 16 sons característicos do músico, com pequenos samples e melodias, disponível através do bancamp do artista. A caixa marca o 17.º aniversário da sua carreira e coincide com os seus dois primeiros concertos no Brasil. Noiserv é um artista por extenso.