“Vice” de Lucília Gago: “Atingimos o ponto de pré-ruptura, ou caminhamos para o atingir”
Falta de meios marcou discursos de arranque de congresso do Ministério Público em Vilamoura, que será encerrado pelo Presidente da República.
O vice-procurador-geral da República, Carlos Adérito Teixeira, declarou esta sexta-feira que, no que respeita à falta de meios, o Ministério Público atingiu o ponto de pré-ruptura, ou está a caminho disso.
“Há uma vida para além da escassez de meios. Mas atingimos ou caminhamos para atingir um ponto de pré-ruptura”, disse o número dois de Lucília Gago, que falava na abertura do XII Congresso do Ministério Público, a decorrer até sábado em Vilamoura. O encontro será encerrado pelo Presidente da República.
“Julgo que há quem não nos oiça. Não sei se é porque não tem ouvido para a música ou para o clamor do sistema de justiça”, criticou Adérito Teixeira, que se tornou este mês número dois na hierarquia do Ministério Público.
A falta de meios marcou aliás os discursos de arranque do congresso, com o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, Adão Carvalho, a defender que o poder político tem que garantir condições para que o Ministério Público possa dar ao país uma resposta rápida e de qualidade. O que exige “um sério investimento no Ministério Público em meios humanos e materiais e condições dignas para o exercício das funções”, detalhou o dirigente sindical, que abordou ainda a questão da autonomia desta magistratura.
Já em Dezembro passado a procuradora-geral da República, Lucília Gago, tinha avisado publicamente que o combate à corrupção sem meios suficientes se encontra votado ao fracasso. “Apenas com um Ministério Público e com órgãos de polícia criminal dotados dos necessários meios humanos e técnicos será possível combater a corrupção com efectividade”, sublinhou na altura. “Sem os meios e instrumentos necessários e adequados, especialmente na investigação criminal, não será possível garantir a almejada eficácia na prevenção e repressão dos fenómenos corruptivos”, insistiu. “O Estado e a sociedade exigem do Ministério Público e também dos órgãos de polícia criminal uma intervenção robusta, activa, célere e especializada para a qual não bastam leis teoricamente eficazes, sendo necessários recursos suficientes e adequados à eficácia investigatória”.
Já dois meses antes o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Albano Pinto, tinha pressionado o Governo, ao criticar a falta de investimento no combate à corrupção e crime económico.
O discurso de abertura do congresso foi também aproveitado para abordar também a questão da autonomia do Ministério Público.“Nos últimos tempos têm vindo a público algumas vozes criticar o excesso de autonomia do Ministério Público e a exigir uma hierarquia mais interventiva. Ou mesmo reformas constitucionais ou legais no sentido de um maior controlo político sobre a actuação do Ministério Público”, assinalou o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, numa clara referência ao ainda líder do PSD. Para Adão Carvalho, “tais vozes surgem sempre a reboque de processos em que foram acusadas personalidades com peso político ou económico” e têm uma única finalidade: refrear a actuação do Ministério Público.
“Não queremos magistrados justiceiros!”, garantiu o líder sindical dos procuradores. “Mas queremos magistrados que assegurem uma justiça independente e igual para todos.” Afinal, acrescentou, autonomia e responsabilidade são a pedra de toque de um Ministério Público “isento de ingerências políticas, próprio de um verdadeiro Estado de direito democrático”.
A falta de meios foi de resto apontada por outro dos oradores, o advogado e comentador António Lobo Xavier, como um dos grandes obstáculos à autonomia do Ministério Público. “Quem frequenta o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, como é o meu caso, sabe que ao nível dos equipamentos técnicos e tecnológicos não existem os meios mínimos”, corroborou. “O Ministério Público não tem meios para lidar com a criminalidade fiscal mais complexa. Daí que se socorra da Autoridade Tributária”. Mas sendo a Autoridade Tributária parte nos processos, e não uma entidade independente, este é um caminho pouco recomendável, avisou o especialista em Direito Fiscal. Para lamentar que o Ministério Público fique frequentemente à espera que o fisco ameace os contribuintes, por forma a depois poder “arrumar os processos através da sua suspensão provisória” - uma espécie de arquivamento sujeito ao cumprimento de determinadas condições.