Governos com luz verde para apoiar grandes consumidores de energia até dois milhões de euros

Comissão Europeia adoptou um novo quadro temporário de crise, que flexibiliza as regras de auxílio de Estado por causa da subida dos preços da energia e do impacto das sanções à Rússia. Apoios podem ascender aos 400 mil euros e, no caso dos sectores de uso energético intensivo, podem alcançar os 50 milhões de euros.

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Reuters/SARAH MEYSSONNIER

As empresas e indústrias de uso energético intensivo vão poder receber ajudas estatais para compensar uma parte dos seus custos adicionais extraordinários relacionados com a alta dos preços do gás e da electricidade ou a perturbação das cadeias de abastecimento por causa da guerra na Ucrânia, sob a forma de apoios directos à liquidez, empréstimos e garantias, em montantes que podem ascender aos 400 mil euros — e, no caso de alguns sectores específicos, podem chegar aos 50 milhões de euros para evitar a paragem da actividade.

A Comissão Europeia aprovou esta quarta-feira um novo quadro temporário de crise que autoriza os Estados-membros a usar a flexibilidade prevista nas regras de auxílio de Estado para apoiar os agentes económicos que estão a ser mais afectados pela subida do preço da energia e pelo impacto das sanções sectoriais que foram aplicadas pela União Europeia à Rússia (e as contra-sanções).

À semelhança do que já tinha feito em reacção à crise pandémica, Bruxelas decidiu invocar o artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da UE, que no seu ponto 3 alínea b) prevê a adopção de medidas extraordinárias para os Estados-membros poderem remediar perturbações graves na sua actividade económica. Este quadro temporário ficará em vigor até ao fim do ano.

As medidas previstas pela Comissão passam pela atribuição de montantes limitados de auxílio às empresas que estão a ser mais penalizadas pelas consequências da guerra na Ucrânia, seja por causa do aumento dos preços da energia, seja pela disrupção das cadeias do abastecimento. Bruxelas autoriza os governos a distribuir apoios sob qualquer forma — podem ser subvenções, linhas de crédito, ou outros —, que em função das necessidades das empresas, e das regras que foram fixadas (exposição à crise, volume de negócios e custos energéticos), podem atingir um máximo de 400 mil euros por empresa. No caso de empresas do sector agrícola, pescas e aquicultura, os montantes estão limitados aos 35 mil euros.

Um outro eixo de apoios que estarão disponíveis para todas as empresas, direccionado especificamente à sua liquidez, passa pela concessão de garantias estatais e regimes de empréstimos bonificados, para cobrir as necessidades imediatas de tesouraria e ao mesmo tempo para garantir a continuação de investimentos. Mais uma vez, está previsto um limite para o montante máximo disponível, em função das necessidades operacionais de cada candidato.

Além destas medidas gerais, a Comissão aceitou conceder maior margem aos governos para apoiar as empresas e os sectores que são mais penalizados pelo actual contexto de volatilidade do mercado da energia. As empresas que são utilizadoras intensivas de energia podem receber ajudas (sob qualquer forma) para as compensar pelos custos adicionais resultantes da subida do preço do gás e da electricidade, até 30% dos custos elegíveis (definidos como o dobro dos custos médios de 2021) e até um máximo de dois milhões de euros.

Nestes sectores, há ainda um regime especial para as empresas que incorrem em perdas de exploração ou correm o risco de paralisação da actividade: nesses casos, os Estados-membros podem conceder apoios acima deste tecto máximo, que podem chegar aos 50 milhões de euros para os produtores de alumínio e outros metais, fibras de vidro, pasta de papel, adubos, hidrogénio e produtos químicos (para as outras empresas electro-intensivas de outros sectores, o tecto fica pelos 25 milhões). Tal como nos restantes casos, estes auxílios podem ser concedidos na forma de subvenções, empréstimos, ou noutras modalidades — e a Comissão estima que os governos estabeleçam condições ou contrapartidas, em termos de medidas de eficiência energética, recurso a energias renováveis, ou outras, nos seus regimes de apoio.

Novas regras para o armazenamento de gás

Na reunião do colégio de comissários desta quarta-feira, em Bruxelas, foi ainda aprovada uma proposta legislativa para a segurança do aprovisionamento energético da UE, que introduz novas regras e condições para o armazenamento de gás e exige a certificação dos operadores destas instalações — um total de 167, em 20 países da UE —, que passam a ser designadas como infra-estruturas críticas. A proposta, que será debatida pelos líderes dos 27 na reunião do Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira, terá depois de passar pelo crivo do Parlamento Europeu e do Conselho da UE.

O objectivo da nova legislação é assegurar que o bloco dispõe de reservas suficientes para suprir as necessidades do próximo Inverno e que está preparado para reagir aos desenvolvimentos geopolíticos (leia-se, à interrupção do abastecimento por causa da guerra da Ucrânia). Assim, a proposta obriga os Estados-membros a preencher as suas unidades de armazenamento subterrâneo de gás até pelo menos 80% da capacidade até ao próximo dia 1 de Novembro, aumentando para 90% nos anos seguintes, com objectivos intermédios de Fevereiro a Outubro.

O regulamento contempla ainda uma nova obrigação de certificação obrigatória dos operadores dos sistemas de armazenamento existentes na Europa, para “evitar os riscos potenciais resultantes da influência externa sobre infra-estruturas críticas”. A medida foi desenhada a pensar em entidades como a Gazprom, que é detentora de instalações na Alemanha, Áustria, Países Baixos e República Checa, cuja capacidade este ano ficou significativamente abaixo da média dos anos anteriores. O que a proposta prevê é que um operador que não preencha a capacidade mínima, e por isso não seja certificado, tenha de ceder o controlo das instalações ou renunciar à sua propriedade.

Para os 100 mil milhões de erros cúbicos de capacidade de armazenamento total da UE contam o gás natural, o GNL e o hidrogénio: para promover a solidariedade entre os Estados-membros, assegurar uma maior diversidade de fornecedores e melhorar a capacidade negocial e fazer baixar os preços, a Comissão está disponível para repetir o modelo que foi usado durante a pandemia com a compra de vacina, e assumir o papel de agregadora da procura e intermediária dos Estados-membros para a aquisição colectiva.

Segundo explicou o vice-presidente executivo da Comissão, Valdis Dombrovskis, se houver luz verde por parte dos líderes, o executivo pode rapidamente constituir uma task force, apoiada por representantes de cada capital, para negociar com os fornecedores de países terceiros (que não a Rússia) e estabelecer parcerias estratégicas para o abastecimento de gás, GNL e hidrogénio.

A expectativa da Comissão é que a escala do seu mercado comum permita optimizar as condições dos contratos de aquisição conjunta de gás — e com isso, reduzir os preços da energia. Porém, essa é uma perspectiva de médio prazo. No que diz respeito a soluções de curto prazo para gerir a actual situação de “emergência”, o executivo comunitário preparou uma nova comunicação sobre os preços da energia, onde identifica as várias opções disponíveis para a intervenção no mercado, tanto ao nível europeu como nacional, e que servirá de guião para o debate político do Conselho Europeu.

Ou seja, em vez de propor medidas específicas para mitigar o impacto do elevado preço da electricidade que preocupa todos os Estados-membros, o que a Comissão fez foi sistematizar as vantagens e desvantagens da adopção de medidas de âmbito fiscal e orçamental, ou de intervenções no sistema de fixação de preços, para que os chefes de Estado e governo possam avaliar e decidir qual o caminho que pretendem seguir.

“Não há nenhuma solução fácil e óbvia para responder à situação, tendo em conta que existe uma grande diversidade ao nível dos cabazes energéticos, das redes de interligações e mesmo da concepção de mercado dos 27 Estados-membros”, assinalou uma fonte europeia. A Comissão vai apresentar no próximo mês de Maio a sua análise aprofundada ao funcionamento do mercado da electricidade. Resta saber se os líderes europeus vão aguardar por esse documento, ou se vão exigir que o executivo desenhe já instrumentos para controlar os preços.

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