Porto tenta travar transferência de competências para os municípios com providência cautelar
Esgotada a luta política, Rui Moreira vai recorrer aos tribunais para recusar competências em áreas como educação e saúde. Se processo não for travado, autarquia diz que ficará sem “dezenas de milhões de euros” para investir noutras áreas.
Rui Moreira já repetiu os argumentos vezes sem conta. Mas a menos de duas semanas da transferência de competências da administração central para as autarquias se concretizar, as preocupações e exigências do autarca do Porto continuam sem resposta. E Rui Moreira jogou a última cartada: com a luta política esgotada, vai recorrer à via judicial, com uma providência cautelar, para tentar travar um processo que diz ser mau para câmaras e munícipes, informou no final da reunião privada do executivo desta segunda-feira.
A solução da providência cautelar está a ser analisada pelos serviços jurídicos da autarquia e deve ser concretizada nos próximos dias. “Chegou o ponto de dizermos basta. Como vivemos num Estado de direito, não podem impor ao município do Porto nem aos outros que, contra a nossa vontade, assumamos uma factura que não sabemos como havemos de pagar.”
Na verdade, e apesar dos protestos de autarcas de todo o país, o Estado parece estar a dias de o fazer - já a 1 de Abril. Rui Moreira e Carlos Moedas redigiram uma carta conjunta a António Costa no início de Março, dando conta das “inúmeras dificuldades e inconsistências” deste modelo de descentralização que pode, inclusive, estar a violar o “princípio da autonomia do poder local”. Não obtiveram, para já, resposta. Também a nível metropolitano, a união existe mas de pouco tem valido: os vereadores da área da educação manifestaram há dias a sua condenação a este processo, pedindo uma prorrogação do prazo e mudança das regras.
A semana passada, no entanto, uma carta do delegado regional de educação do Norte, Sérgio Afonso, para Rui Moreira confirmava o temido: “No dia 1 de Abril operar-se-á a transição destes trabalhadores para os Municípios”, informava no ofício ao qual o PÚBLICO teve acesso. “Bem sei que é dia das mentiras, mas a verdade é que isto demonstra que não estamos a falar de descentralização nenhuma”, reclama Rui Moreira, referindo que a forma como o processo está a ser conduzida é, ela própria, prova de que o Estado não pretende descentralizar.
“É apenas a tarefização dos municípios. É claramente subverter o princípio do equilíbrio financeiro que estava proposto no início. Tinham-nos dito que íamos ter competências e receber o cheque respectivo. Não vamos receber.”
Rui Moreira garante que são “dezenas de milhões de euros” e antecipa que a manta não vai dar para cobrir tudo: “O dinheiro que gastamos nisto vamos deixar de gastar no que precisamos.”
Um estudo pedido pela autarquia do Porto à Universidade do Minho antecipa, por exemplo, que só com o Rendimento Social de Inserção, na área das competências sociais, haja um acréscimo de despesa não compensada de 7,5 milhões de euros. “Os valores que nos indicam não conferem minimamente com a despesa que vão passar para nós”, protesta Moreira.
O “truque” do Estado central
O problema não se fica por aí. E está explanada na carta que Moreira e Moedas escreveram a Costa: as “fortes reservas” dos presidentes das duas principais câmaras do país prendem-se com a “natureza de grande parte das competências transferidas, que se resumem a tarefas de gestão corrente ou apenas encargos, permanecendo o poder de decisão política e a dimensão estratégicas das funções transferidas na esfera do governo central”.
Para o autarca do Porto, há neste processo um “truque” que resultará no fracasso daquilo que há muito pede: a regionalização. “É a tentativa do Estado Central mostrar aos cidadãos que a descentralização e a regionalização são más”, afirma, argumentando que, desta forma, os ganhos não vão existir – e que as culpas serão, injustamente, atribuídas ao poder local. O drama, sublinha ainda, é tanto maior quanto menor é a densidade do território.
Aos trabalhadores que passarão para a alçada da autarquia caso o processo se confirme, Rui Moreira garante que a precariedade não lhes chegará. “A Câmara do Porto vai garantir-lhes os seus direitos e pagar-lhes os vencimentos. A questão é: o que é que vamos deixar de fazer para pagar isso?”
Na reunião do executivo no qual Rui Moreira partilhou a intenção de levar o assunto aos tribunais, o apoio foi, como tem sido hábito, unânime. No fim, aos jornalistas que não podem agora assistir a estas reuniões, os vereadores da CDU e do BE fizeram questão de reforçar essa posição. Ilda Figueiredo realçou que esta transferência de tarefas sem as “verbas adequadas” pode mesmo contribuir para “desmantelar serviços”. Sérgio Aires lamentou a forma “insensata” como o processo está a ser conduzido, com “autoritarismo face ao poder local”, e mostrou-se preocupado com os trabalhadores e também os cidadãos que serão prejudicados com este processo.