Em três semanas, chegaram a Portugal 10 mil refugiados, quase tantos como nos últimos sete anos
SEF lançou plataforma para facilitar pedidos de quem está a fugir da guerra na Ucrânia. Questionado sobre se medida pode ser estendida a imigrantes que há anos esperam pela autorização de residência, Ministério da Administração Interna fala em “situação verdadeiramente excepcional”. Ucranianos já serão a terceira nacionalidade mais representada.
Em três semanas, Portugal já recebeu 10.068 refugiados da Ucrânia ao abrigo das novas medidas de protecção lançadas pelo Governo, que facilitam e aceleram a regularização destes cidadãos. Um dado que representa quase o mesmo número de refugiados, de todos os países, que Portugal acolheu desde 2015, totalizando 10.927 pessoas nesses sete anos.
Segundo a Organização Mundial para as Migrações, já saíram da Ucrânia 3 milhões de pessoas, 157 mil de países terceiros. Em 2021, viviam em Portugal mais de 27 mil ucranianos, número que terá disparado para cima dos 37 mil, colocando o país no terceiro mais representado em Portugal em termos de imigrantes, passando à frente de Cabo Verde que ocupava esse lugar. Até 28 de Fevereiro, o primeiro lugar era ocupado pelo Brasil, o segundo pelo Reino Unido.
Dados nos relatórios de Imigração e Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mostram que em 2015 foram concedidos 896 pedidos de protecção internacional, que inclui o estatuto de refugiado e de protecção subsidiária; em 2016 esse dado subiu para 1469 e em 2017 para 1750; já em 2018 deu-se uma descida para 1272 e em 2019 voltou a subir para 1849. Em 2020 houve nova queda de concessões para 1002 e em 2021 voltou a subir para 1537. Este ano, até 28 de Fevereiro, e antes da medida especial do Governo, tinham sido concedidos 512 pedidos de protecção.
A estes dados acrescem os números de refugiados reinstalados em Portugal a partir do Egipto e da Turquia e os requerentes de protecção internacional recolocados em Portugal e transferidos de outro país da União Europeia, como Itália, Malta e Grécia: em 2018 e 2019 foram 930 e em 2020 o total seria de 222. Ou seja, somam 9775 os refugiados nestes sete anos que pediram protecção ao Estado, mais os 1152 que vieram ao abrigo de programas de reinstalação, totalizando 10.927. “A reinstalação consiste num processo de selecção e transferência de refugiados instalados num primeiro país de asilo para outro Estado que previamente acordou em conceder-lhes um estatuto durável no seu território”, explica o SEF nos relatórios.
Há que ressalvar que o estatuto de refugiado é diferente de quem pede protecção temporária como é o caso dos ucranianos agora, que têm esse estatuto por um ano, renovável por seis meses por duas vezes. O SEF esclarece: “A protecção temporária pode ser obtida no dia em que é solicitada, após realização de consultas de segurança e não implica uma entrevista para saber das razões do mérito do pedido.” Quanto ao estatuto de refugiado, ele deve ser pedido ao SEF mal se chega a Portugal. Esta polícia compara impressões digitais e os cidadãos devem ser ouvidos, “para ser proferida uma decisão quanto ao mérito do pedido”. Enquanto um refugiado fica com estatuto sem tempo determinado, os cidadãos com esta protecção temporária têm um estatuto a termo.
Em vários relatórios de imigração e asilo, os dados sobre o género dos requerentes de asilo mostram que são sobretudo pessoas do sexo masculino que pediram protecção, uma realidade que irá ser diferente no caso dos ucranianos, já que sabemos que uma grande percentagem de pessoas que consegue sair da Ucrânia por causa da lei marcial são mulheres e crianças. Sobre 2020 escrevia-se isso mesmo, que 80,2% dos pedidos foram apresentados por indivíduos do sexo masculino e que o grupo etário situado entre os 19-39 anos representou 69,0% do total. “De sublinhar ainda que 90,9% dos requerentes tinham menos de 40 anos.”
Tal como em outros anos, também em 2020 a maioria dos requerentes (mais de 82%) eram originários de África e apenas 2,3% da Europa. Entre os africanos, a Gâmbia liderava, com 157 dos 824 pedidos.
MAI fala em dever de solidariedade
Os pedidos de protecção da Ucrânia devem continuar a subir. Na segunda-feira, numa medida inédita para regularização de migrantes, o SEF lançou uma plataforma online para facilitar a apresentação de pedidos de protecção temporária por ucranianos ou por cidadãos de outras nacionalidades que tiveram de fugir daquele território. O objectivo, segundo o Ministério da Administração Interna (MAI), é operacionalizar o mecanismo simplificado criado pelo Governo para quem tenha sido forçado a sair da Ucrânia.
O gabinete do MAI esclarece que a protecção temporária “é apenas um dos mecanismos” aplicáveis aos cidadãos deslocados de um contexto de guerra e que todas as outras possibilidades (como asilo ou protecção subsidiária) “se mantêm válidas para todos os cidadãos que as pretendam solicitar”.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se esta plataforma será estendida a todos os imigrantes que têm a sua situação pendente, alguns há vários anos, e que não conseguem regularizar-se por causa dos atrasos no sistema ou se o MAI está a ponderar adoptá-lo num futuro próximo, o gabinete de imprensa responde que “esta é uma situação verdadeiramente excepcional, associada a uma situação de conflito armado na qual impera um dever de solidariedade e humanismo, o qual norteou a intervenção das autoridades nacionais, em linha com o que vem sendo feito na esmagadora maioria dos países europeus”.
Na semana passada, o Governo criou uma plataforma onde junta toda a informação sobre acolhimento para quem precisa de ajuda e informação para quem quer ajudar.