O dia em que um Transatlântico fez Neptuno dar à costa num palácio de Pombal

O quarto videoclipe do trio Expresso Transatlântico foi filmado num palácio seiscentista de Lisboa e estreia-se na próxima semana. Assistimos às filmagens, com Sebastião Varela no comando.

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Os irmãos Sebastião e Gaspar Varela com Rafael Matos num intervalo das filmagens MATILDE FIESCHI

O cenário é quase fantasmagórico. Um palácio antigo, despovoado, por onde agora se atravessam fios e máquinas, no labor de um filme. Numa sala do primeiro andar, no silêncio exigido pelas filmagens, assistimos a uma dança de cadeiras, dispostas em círculo frente a uma mesinha de madeira onde foi posta uma televisão pequena. É das antigas, ecrã oval e caixa em plástico vermelho, assente sobre um napperon branco e tendo por vizinhos, na prateleira inferior da mesa, uma matrioska (ainda a Rússia não tinha invadido a Ucrânia) e dois bonecos de porcelana. O que ali se filma é o quarto videoclipe do álbum de estreia do grupo Expresso Transatlântico, trio instrumental composto pelos irmãos Sebastião e Gaspar Varela com Rafael Matos. Depois de Primeira Rodada, Azul Celeste e Alfama, Texas, lançados respectivamente em Julho, Outubro e Novembro de 2021, antecipando a apresentação ao vivo do disco (que ocorreu no Teatro Maria Matos, em Lisboa, no dia 7 de Dezembro), o tema agora escolhido foi Quando Neptuno deu à costa, com realização de Sebastião Varela.

Sebastião Varela durante as filmagens MATILDE FIESCHI
Um momento das filmagens MATILDE FIESCHI
Um momento das filmagens MATILDE FIESCHI
Um momento das filmagens MATILDE FIESCHI
Rafael Matos e Gaspar Varela MATILDE FIESCHI
Gaspar Varela MATILDE FIESCHI
Fotogaleria
Sebastião Varela durante as filmagens MATILDE FIESCHI

A escolha do Palácio Pombal, situado na Rua do Século, entre o Bairro Alto lisboeta e o Príncipe Real, conjugou-se com o cenário idealizado pelo trio. Mandado construir por Sebastião de Carvalho e Melo, avô de Sebastião José de Carvalho e Melo e futuro Marquês de Pombal, foi a residência da família até ao terramoto de 1755, tornando-se propriedade municipal em 1968, data a partir da qual tem sido repartido e ocupado por várias entidades. Até que um outro Sebastião, Varela, nele resolveu filmar: “O palácio foi escolhido porque está um bocado ao abandono, as paredes parecem estar a cair, é um misto entre uma coisa que já foi muito bonita e deixou de o ser pela passagem do tempo”, diz ele ao PÚBLICO num intervalo das filmagens. A visível decadência deste edifício seiscentista, em lugar de obstáculo, é assim vista como atractivo. “Faz com que o belo do edifício não desapareça e até lhe adiciona alguma coisa. Isso relaciona-se muito com o vídeo que estamos a fazer, porque retrata essa estranheza e tenta apanhar essa passagem do tempo em algo que já foi imponente e muito bonito.”

Ao contrário de Alice

Num dos momentos das filmagens, três das várias cadeiras ali expostas são ocupadas pelos três músicos, que fingem olhar fixamente o ecrã vazio. Até que um deles, Gaspar, se levanta e, num gesto lento, ajoelha-se ligeiramente frente à televisão e simula desligá-la. A cena obriga a vários takes, até que o gesto adquira o tom e a (pouca) velocidade necessários. Sebastião explica a ideia: “Nós estamos constantemente dentro e fora deste espaço.” Ao lado, Gaspar acrescenta: “E a tentar sair do espaço. Enquanto à nossa volta vão acontecendo coisas meio estranhas.” As filmagens decorrem em vários espaços do edifício, como lugar assombrado. “É como se nos estivesse a chamar para algum sítio que já não faz grande sentido, porque está em queda. E o que nós temos de fazer é sair deste sítio.”

Sintetizando: “Basicamente, nós estamos aqui numa viagem dentro do palácio e vamos percebendo que se calhar não queremos estar aqui, queremos arranjar uma maneira de sair daqui.” Ou, como diz Gaspar: “É o contrário da Alice no País das Maravilhas.” O videoclipe é rodado em 16 mm, por opção de Sebastião Varela, que já realizara os três videoclipes anteriores. “Para além de ser músico, sou realizador e meti na cabeça que queria filmar em 16 mm porque é mil vezes mais bonito do que filmar em digital”, diz. Mas tem condicionantes. Gaspar: “E é um take directo, que não se altera depois.” Sebastião, de novo: “As coisas são muito mais pensadas, porque temos o tempo contado. Temos aquela fita e é aquilo.” Rafael, o baterista que compõe o trio do Expresso Transatlântico com os dois irmãos, concorda: “Mesmo para a ideia do videoclipe, esta estética é muito isso. E pede isso.”

O videoclipe de Quando Neptuno deu à costa deve estrear-se a 22 de Março, dias antes de Sebastião Varela (guitarra eléctrica e teclados), Gaspar Varela (guitarra portuguesa) e Rafael Matos (bateria) se apresentarem ao vivo em Viseu, no Carmo 81, pelas 22h do dia 25 de Março. É mais um concerto dos que têm servido para mostrar o disco de estreia que traz o seu nome: Expresso Transatlântico.

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