Para Zelensky, a NATO já é uma miragem

Presidente ucraniano admite que adesão à Aliança Atlântica é agora improvável, no dia em que das negociações entre Moscovo e Kiev saíram sinais de optimismo

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Os destroços de um rocket russo em Osokorky, nos arredores de Kiev EPA/SERGEY DOLZHENKO

Os mísseis russos continuam a cair sobre Kiev e outras cidades da Ucrânia mas, ao 20.º dia de invasão, surgiu a esperança de que uma saída negocial para acabar com a guerra ainda é possível. O primeiro sinal veio do Presidente ucraniano. Volodomir Zelensky admitiu que a adesão da Ucrânia à NATO é, por esta altura, uma hipótese improvável.

“Ouvimos falar, durante anos, sobre as supostas portas abertas” da NATO, afirmou Zelensky, perante representantes da Joint Expeditionary Force (JEF), liderada pelo Reino Unido. “Já sabemos que não vamos poder integrar a NATO. É um facto que temos de aceitar, e estou contente que o povo ucraniano comece a aperceber-se disso e a contar apenas consigo mesmo e os seus aliados”.

Mais tarde, apareceram as notícias da ronda de negociações entre ucranianos e russos, a continuação do encontro interrompido no dia anterior, com a aparente “suavização” da posição da Rússia, pelo menos segundo um dos assessores do Presidente ucraniano. As conversações tornaram-se “mais construtivas”, disse Ihor Zhokovka, dando conta de uma mudança de tom por parte de Moscovo, que terá deixado de pedir a rendição da Ucrânia, que a Rússia exigira em encontros negociais anteriores.

De acordo com Zhokovka, os representantes ucranianos saíram da reunião, que se realizou por videoconferência, “moderadamente optimistas” mas voltaram a insistir no que tem sido um cavalo de batalha do próprio Presidente da Ucrânia: para que se alcancem progressos reais, é necessário que Vladimir Putin aceite um encontro cara a cara com Volodimir Zelensky.

Ainda antes da ronda negocial desta terça-feira, um dos conselheiros do líder ucraniano, Oleksyi Arestovich, apontara o mês de Maio como um prazo razoável para o fim da guerra. “Um acordo de paz pode ser alcançado no início de Maio. Talvez muito mais cedo, veremos”, afirmou Arestovich num vídeo que foi divulgado por vários media ucranianos.

Apesar de os próprios russos admitirem a existência de progressos nas negociações - Putin afirmou, no fim-de-semana, que viu “mudanças positivas” - o porta-voz do Kremlin refreou os ânimos sobre a proximidade de um acordo de paz. “O trabalho entre as duas delegações continua por videoconferência, é um trabalho complexo, e o facto de continuar já é positivo”, disse Dmitri Peskov.

Ao mesmo tempo que as delegações dos dois países se sentavam à mesa virtual das negociações, Zelensky preparava-se para receber, em Kiev, um inesperado e presencial apoio europeu. Os primeiros-ministros da Polónia, Mateusz Morawiecki, da República Checa, Pietr Fiala, e da Eslovénia, Janez Jansa, chegaram, de comboio, a Kiev para um encontro nocturno com o Governo ucraniano. Numa publicação na sua conta no Twitter, já na capital ucraniana, o chefe do Governo polaco escrevia que a Ucrânia pode “contar com a ajuda dos seus amigos”.

Sanções russas

A ajuda dos amigos continuou, nesta terça-feira, a traduzir-se na imposição de mais sanções. A União Europeia publicou a lista de novos alvos entre a oligarquia próxima de Putin, com Roman Abramovich à cabeça, enquanto o Reino Unido acrescentou mais nomes ao seu já longo rol de sancionados.

Entre os 370 nomes da lista britânica, que incluem cerca de 50 oligarcas, destacam-se os do primeiro-ministro da Federação Russa, Mikhail Mishustin; o do ministro da Defesa, Serguei Shoigu; o do ex-Presidente, ex-primeiro-ministro e actual presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev; o do porta-voz de Putin, Dmitri Peskov; e o da porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova.

A resposta de Moscovo não terá sido propriamente na mesma moeda mas incluiu pelo menos a palavra sanções: o Kremlin anunciou punições contra vários políticos norte-americanos, entre os quais Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos e Antony Blinken, secretário de Estado do Governo norte-americano, numa lista, de 13 nomes, de que fazem ainda parte a ex-secretária de Estado Hillary Clinton; o secretário de Defesa, Lloyd Austin; o director da CIA, William Burns; e o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, para além do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Mélanie Joly, e a ministra da Defesa, Anita Anand. As sanções? Ficam, a partir de agora, impedidos de entrar em território da Federação Russa.

Joe Biden pode não ir a Moscovo mas estará, na próxima semana, em Bruxelas, onde participará, no dia 24, na reunião dos chefes de Estado e de Governo da União Europeia e na cimeira extraordinária da NATO. O Presidente norte-americano anunciou, entretanto, um novo pacote de ajuda à Ucrânia, de 13,6 mil milhões de dólares (12,4 mil milhões de euros).

Já a China fez saber que tenciona manter a sua neutralidade no conflito. Numa conversa telefónica com o seu homólogo espanhol, José Manuel Albares, o ministro dos Negócio Estrangeiros chinês, Wang Yi, afirmou que a posição de Pequim quanto à guerra na Ucrânia é “completamente objectiva, imparcial e construtiva” e acusou os Estados Unidos de espalharem “desinformação” sobre a possibilidade de Pequim prestar apoio militar a Moscovo.

“A China não é parte da crise ucraniana e ainda menos quer ser afectada pelas sanções”, afirmou Wang, citado pela agência noticiosa oficial Xinhua.

Três milhões de refugiados

Na frente de batalha, pelo menos duas pessoas morreram esta terça-feira num ataque russo contra um edifício residencial de 15 andares, na zona oeste de Kiev. “Dois cadáveres foram encontrados no local”, na sequência do ataque, e 27 pessoas foram retiradas ilesas do edifício, onde deflagrou um incêndio, indicaram os serviços de emergência da capital ucraniana.

No sudeste do país, num dos corredores humanitários, cerca de duas mil viaturas conseguiram sair da cidade ucraniana de Mariupol, cercada há vários dias pelas forças russas e pelos separatistas pró-russos.

O número de pessoas que fugiram da Ucrânia para escapar à invasão russa atingiu esta terça-feira os três milhões, incluindo mais de 1,4 milhões de crianças, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Por sua vez, a UNICEF anunciou que, a cada segundo, uma criança ucraniana torna-se refugiada.

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