Benfica tem os “quartos” da Champions à distância de um dilema
Na primeira mão, o Benfica sofreu quando quis ter a bola e marcou quando se desfez dela. É com este aparente paradoxo que os “encarnados” terão de ir a Amesterdão lutar pelo único objectivo que resta na temporada.
Benfica e Ajax disputam nesta terça-feira (20h, TVI) o acesso aos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Depois do 2-2 em Lisboa, o jogo de Amesterdão é simples de definir em matéria de cenários: haverá prolongamento caso se repita um empate (seja com que golos for), Ajax em frente com vitória neerlandesa ou Benfica em frente com triunfo português. Simples, sem mais contas – também nisto a abolição dos golos fora facilita as coisas.
Mais complexo é definir a rota pela qual Ajax e Benfica vão caminhar neste jogo. Ambas as equipas têm dilemas para resolver, ainda que o do Benfica seja, em tese, de solução mais evidente.
E agora, como ir aos Países Baixos? Para o Benfica, o plano mais óbvio é o de assumir que é inferior ao Ajax e, com isso, repetir a fórmula da segunda parte da primeira mão (baixou de quase 50% de posse de bola na primeira parte para apenas 36% na segunda). Para o Ajax, o dilema é mais complexo, já que aumentará as probabilidades de sucesso caso convide o Benfica a ter a bola – algo que vai contra os princípios da equipa neerlandesa.
Estes dilemas saem de um jogo da Luz que mostrou tudo aquilo que já se sabia das equipas no texto de antevisão do primeiro jogo.
Na primeira parte, ficou claro por que motivo o Ajax é a terceira equipa da Champions com mais oportunidades de golo criadas e que os “encarnados” são, das 32 equipas, a quarta com pior xG (golos esperados) contra – já “deveriam” ter sofrido 15 golos. É certo que só sofreram 11, mas isso apenas significa que o pobre processo defensivo é, depois, compensado por um guarda-redes decisivo entre os postes. E o Ajax poderia ter fechado a eliminatória logo ali.
Na segunda parte, tudo mudou. O Benfica deixou de querer dividir tanto o jogo e, entregando a bola ao Ajax, jogando em transições, mostrou duas coisas: que é tanto mais perigoso quanto menos bola tiver – Rafa, Taarabt e Darwin, com mais espaço, foram diabólicos e o Benfica empatou o jogo – e que o Ajax sofre pelo perfil “suicida” do seu modelo ofensivo. Com laterais em zonas interiores e até o próprio médio defensivo em zonas adiantadas, o Ajax predispõe-se a ser vítima de si próprio, com uma transição defensiva sofrível. E sofreu.
Sendo certo que um jogo tem mais variáveis do que apenas a abordagem táctica e estratégica, estas tendências confirmadas no jogo da primeira mão, trocadas por miúdos, significam apenas uma coisa: que o Benfica terá de querer repetir a tal postura menos audaz, explorando o espaço, e que o Ajax, voltando a ser ineficaz, poderá sofrer no jogo.
A má notícia para o Benfica é que se repetir a permeabilidade defensiva dos primeiros 45 minutos na Luz poderá perfeitamente sair goleado, caso os neerlandeses melhorem a eficácia na finalização.
Bluff ou verdade?
Um lado curioso de tudo isto remete para a antevisão feita por Nélson Veríssimo, treinador do Benfica. A abordagem teoricamente errada que escolheu para a primeira parte da primeira mão vai, em teoria, ser repetida. Pelo menos, pelo que diz o técnico quando fala de “um jogo aberto” entre “duas equipas que gostam de ter posse de bola”.
“Naturalmente, em função desta circunstância de as duas equipas gostarem de ter posse de bola, haverá momentos em que uma das equipas vai estar no seu processo defensivo de forma mais recolhida”, detalhou.
Daqui sai que o Benfica não terá problemas em defender, mas que quererá, tal como fez na primeira parte da Luz, ter a posse de bola em mais do que apenas transições. Ou então é tudo bluff do técnico “encarnado” e o Benfica vai limitar-se à estratégia frutífera da segunda parte.
Do outro lado, Erik ten Hag mostrou-se confiante de que os portugueses sofrerão pela via física, algo que pode indicar um Ajax paciente e crente de que, mais tarde ou mais cedo no jogo, o cansaço adversário vai abrir espaços.
O treinador notou que o Benfica “pode não ter recuperado na totalidade”, depois de ter disputado quase todo o último jogo (1-1 na recepção ao Vizela) em inferioridade numérica, devido à expulsão de Taarabt aos sete minutos, “obrigando os outros jogadores a desgastarem-se mais”.