Síria de olhos postos na Ucrânia para saber o destino da sua própria guerra

Soldados sírios estão a ser aliciados para se juntarem às tropas russas na Europa. Uma diminuição da presença russa na Síria poderia causar problemas a Assad, que já teve de impor racionamento de bens.

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Um cartaz em Damasco que mostra Assad e Putin a apertar as mãos Reuters/YAMAM AL SHAAR

Foi logo no dia seguinte à invasão da Ucrânia ter começado que o Presidente sírio telefonou ao homólogo russo para declarar o seu apoio à intervenção militar. Tratava-se de uma “correcção da História e de restaurar o equilíbrio perdido no mundo depois do fim da União Soviética”, disse Bashar al-Assad a Vladimir Putin.

Três semanas depois, o conflito no Leste europeu começou a ter repercussões económicas e sociais na Síria e o seu prolongamento no tempo pode mesmo revelar-se problemática para o regime de Assad.

Na semana passada, em que se assinalaram os 11 anos desde o início dos protestos que mais tarde conduziram à guerra civil síria, a ONU alertou mais uma vez que o país está “à beira do colapso”. Com 90% da população a viver abaixo do limiar de pobreza e 14,6 milhões de pessoas dependentes de ajuda humanitária, a guerra russo-ucraniana veio piorar as condições de vida.

“Constatamos que o Estado já começou a fazer racionamentos. Os preços dos bens essenciais e dos combustíveis estão a subir. A maior parte do trigo importado pela Síria vem da Ucrânia e da Rússia, por isso estamos muito preocupados”, disse Hanny Megally, que integra a comissão de inquérito criada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

A comissão defendeu que as sanções económicas impostas à Síria devem ser revistas porque, em vez de “facilitar a assistência humanitária”, estão a deixar os sírios sem acesso a bens essenciais, disse também Megally. Se isso não acontecer, “pode provocar maior carestia e impedir a prestação de ajuda aos mais vulneráveis, com um impacto devastador sobre todos menos a elite política e económica”, alertou Paulo Pinheiro, presidente da comissão.

Com a situação social a degradar-se, a guerra na Ucrânia pode também ter consequências nos planos político e militar. A Rússia enviou para a Síria mais de 63 mil soldados e os ataques da sua força aérea foram determinantes para mudar o rumo da guerra civil a favor das tropas de Assad, que conseguiram recuperar e manter o controlo de grande parte do país.

Mas “o ataque das forças russas à Ucrânia pode alterar o curso da natureza dos campos de batalha na Síria”, avalia o The Soufan Center, um grupo de análise em segurança e política internacionais. Se o conflito “evoluir para uma campanha de contra-insurgência de longo prazo ou se se tornar numa guerra mais vasta na Europa de Leste, é plausível que o Presidente russo seja obrigado a deslocar tropas russas da Síria para a Ucrânia”.

“Sozinhas, as forças sírias, esgotadas pelos anos de guerra, não são suficientes para prevenir um avanço da oposição sobre território controlado pelo regime se o poder aéreo russo desaparecer”, diz ainda o Soufan Center.

Uma possível diminuição de influência russa em Damasco poderia traduzir-se num aumento de poder de outros actores regionais, como o Irão – que ajudou Assad, mas está a usar território sírio para formar milícias e apoiar com armamento o Hezbollah – ou a Turquia, que apoia as forças de oposição a Assad. Há ainda a ameaça de um ressurgimento em força do Daesh, cuja liderança mudou recentemente depois de os Estados Unidos terem anunciado a morte do chefe anterior, Abu Ibrahim al-Qurayshi.

Para já, no entanto, quem está a ser recrutado para ir combater na Ucrânia são militares sírios. Vladimir Putin anunciou na sexta-feira a formação de um exército de voluntários com origem no Médio Oriente e o The Guardian reportou que nos últimos dias começaram a surgir anúncios de alistamento em páginas e grupos de Facebook ligados ao regime de Assad. É prometido um salário máximo de três mil dólares (cerca de 2700 euros), muito mais do que um soldado sírio ganha normalmente.

Mas esta legião pode vir até a ter mais do que apenas tropas oficiais. “Tendo em conta a miséria da economia síria, não haveria falta de homens com experiência de combate, em idade militar, dispostos a arriscar a vida por um ganho material modesto”, disse Danny Makki, analista da Síria no Middle East Institute, à AP. “Na visão russa, os sírios podem ser mercenários bons e baratos”, acrescentou.

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