Nova guerra na Europa desperta velhos fantasmas para os judeus ucranianos

Pela fronteira da Roménia já terão passado cerca de 20 mil refugiados judeus ucranianos a fugir da guerra, “muitos vão emigrar para Israel”, diz Israel Sabag, que há 30 anos trabalha para a The Joint, a maior organização humanitária judaica.

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Tania Yeliet tem apenas 21 anos, mas já uma grande responsabilidade nos seus ombros. Como aconteceu ao povo judeu ao longo dos séculos, viu-se agora a liderar os seus familiares numa fuga do país onde nasceu em direcção a um porto de abrigo.

Veio da maior cidade do centro da Ucrânia, Kryvyi Rih, e junto à tenda da The Joint (JDC), a maior organização humanitária de judeus que está em Siret, na fronteira romeno-ucraniana, a ajudar todos aqueles que fogem da guerra, judeus ou não, procura organizar a família e os amigos que chegaram com ela.

Tania já vivia entre a metade da família na Ucrânia e a outra metade em Arad, no Sul de Israel. Agitada pela situação e pela enorme responsabilidade de ter de guiar os avós, a irmã e dois primos até Israel, responde pouco e rapidamente: “Não consigo falar muito, só sei que os russos estão a bombardear a região. As explosões eram muitas e frequentes, por isso, tomei a decisão de levar a minha família para Israel.”

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Tania Yelet, à esquerda, comendo junto à tenda da Joint em Siret

Trinta anos depois da queda da União Soviética, Israel prepara-se para uma nova vaga de imigrantes judeus do Leste da Europa. Não terá a mesma dimensão de outras do passado, nomeadamente aquela que aconteceu na desagregação da União Soviética – de acordo com o estudo Post-Soviet Aliyah and Jewish Demographic Transformation​, de Mark Tolts, entre 1989 e 2001 deixaram a Ucrânia para Israel 299,8 mil judeus –, mas ainda será considerável.

Na terça-feira, a ministra do Interior israelita, Ayelet Shaked, afirmou que o Governo estava a preparar a Operação Israel Garante para receber até 100 mil judeus da Ucrânia e da Rússia e também de outras antigas repúblicas soviéticas, depois de nova guerra na Europa despertar os velhos fantasmas de perseguições.

Os judeus na Ucrânia já são poucos. Além dos 1,5 milhões mortos durante a II Guerra Mundial, os muitos que fugiram antes, durante e depois do conflito, bem como aqueles que deixaram a União Soviética antes e logo após o seu fim, reduziram a comunidade a um número que, em 2016, era calculado pelo demógrafo hebraico Sergio Della Pergola, no seu World Jewish Population, 2016, entre 56 mil e 140 mil.

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Judeus ucranianos num avião em Chisinau, Moldova, a caminho de Israel ABIR SULTAN/EPA

Ainda são a quarta maior comunidade judaica na Europa e a 11ª fora de Israel, mesmo assim uma sombra do que eram depois da I Guerra Mundial, quando o ídiche foi declarado língua oficial e a criação da União Nacional Judaica permitiu um estatuto de autonomia para os judeus, ou antes da II Guerra Mundial, quando mais ou menos um terço da população urbana na Ucrânia era judia.

Este conflito ameaça reduzir ainda mais esta comunidade que sempre fez parte da identidade da Ucrânia, um território onde a história dos judeus nos leva até ao tempo da Rússia de Kiev, a confederação de tribos eslavas que do século IX ao século XIII se estendia por um território que abrange parte da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia. E que Vladimir Putin evocou na sua enviesada leitura histórica para justificar a guerra e negar a identidade ucraniana.

“Nós acreditamos que passaram por aqui até agora aproximadamente 20 mil refugiados de origem judaica”, afirma Israel Sabag, um judeu nascido em Marrocos que há 30 anos trabalha com a The Joint. “Muitos vão emigrar para Israel, muitos têm já familiares que residem em Israel, pois a imigração ucraniana é muito significativa no país, parte seguirá com destino a vários países da Europa”, explica.

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Israel Sabag trabalha há 30 anos para a maior organização humanitária judaica, The Joint

“Como um povo que foi durante muito tempo refugiado, um povo sofrido, decidimos, com as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, juntar esforçar esforços para receber os refugiados da melhor maneira possível”, conta Sabag, garantindo que a organização está ali 24 horas por dia, oferecendo refeições completas, bebidas quentes, para aliviar um pouco o mal-estar dessas “pessoas que chegam em sofrimento”.

A organização pode ser judaica, mas a ajuda humanitária é secular, sublinha Israel Sabag: “Aqui ajudamos todos os que precisam, não importa a cor da pele, religião ou qualquer outra diferença. Somos todos humanos e fazemos de tudo para o que o refugiado se sinta confortável e se sinta amado, acima de tudo.”

Aliás, as autoridades israelitas, além dos 100 mil judeus, também previam receber até 5000 ucranianos não judeus fugidos da guerra e aos 20 mil que chegaram ainda antes de rebentar o conflito vai dar autorizações de residência temporária. A decisão de cobrar 10 mil shekels (2330 euros) aos ucranianos à chegada ao aeroporto Ben Gurion, em Telavive, ou às famílias que os vão receber, acabou por não sair do papel depois de ter sido alvo de muitas críticas.

No meio do corredor de tendas e mais tendas montadas à beira da estrada em Siret, a The Joint montou a sua que tem um letreiro bem visível em hebraico, inglês e ucraniano, uma expressão que, provavelmente, é a mais calorosa de todas as expressões para quem foge sem mais que o conseguiu carregar, entre filhos uma mala de roupa e um camião de traumas e medos: “Bem-vindo à Roménia”.

Ali naquela tenda, protegidos das temperaturas negativas do Inverno romeno, os refugiados esperam os autocarros que a organização disponibiliza para os levar aos seus destinos. É para elas que Tania Yeliet e a sua família sobem. A jovem, com expressão tensa e um esboço de sorriso, conta que muitos ficaram para trás porque, apesar do medo, não querem “abandonar as suas casas”.

“Acho que não estão a perceber ainda na sua total dimensão o verdadeiro prejuízo” desta guerra, diz a jovem. Não só no que diz respeito a poderem mesmo morrer, mas, sobretudo, “as consequências disto”, desta nova guerra.

Serviço especial para o PÚBLICO

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