O Jardim da Cerca, na Graça, foi tomado por “mulheres errantes”
No coração da Graça, o Jardim da Cerca, é todas as semanas palco das partilhas de um grupo de mulheres imigrantes. Nasceu em Granada, mas em Janeiro de 2021 o movimento “Mulheres Errantes” estendeu-se a Lisboa, onde existe uma falta de grupos de mulheres, diz Kitti Baracsi, fundadora do grupo.
“Temos disponibilidade para usar os jardins da cidade, mas quantas vezes o fazemos num mês?”. A questão é colocada por Sara Zavala, antropóloga espanhola de 31 anos, que se mudou para Lisboa há cinco anos, depois de estudar em Coimbra. “Sendo público, temos de fazer este espaço nosso”, diz a mais jovem integrante do grupo “Mulheres Errantes”, que todas as quintas-feiras se reúne no Jardim da Cerca, na Graça.
Criado em Granada em 2018, pela mão de Kitti Baracsi, Daniela Galindo e Marta Ruffa, este grupo de partilha para mulheres estendeu-se a Lisboa há ano e meio, em plena pandemia. Hoje é composto por 12 mulheres entre os 31 e os 55 anos, vindas de países tão distantes ou próximos como Itália, Hungria, Chile, França, Espanha, Rússia, Brasil, Bélgica, Panamá e Equador.
Não estando reservado a mulheres migrantes, a ideia do movimento é “criar conexões e ligações entre pessoas que se sentem desarraigadas”, o que acontece particularmente com aquelas mulheres que, por uma razão ou outra, tiveram de se deslocar dos seus países de origem até Lisboa, conta Kitti Baracsi, mãe solteira de 37 anos, natural da Hungria, a viver em Portugal há cerca de um ano.
Mas mais do que uma questão de “deslocamento físico”, explica Sara, aquilo que as torna “errantes” é o facto de reflectirem colectivamente sobre as suas experiências: “qualquer mulher que se questiona sobre a própria existência pode ser errante”, diz.
É o caso de Amandine Desille, de 36 anos, mãe de um recém-nascido e investigadora na área das migrações internacionais, vinda de França, que nunca tinha estado envolvida num grupo deste género até agora. “Para mim o que é diferente neste grupo é que está fora da esfera comercial”, conta. “Não é um meet up elitista, nem um exercício passivo. Somos um grupo de mulheres no mesmo pé de igualdade à procura de relações que nos empoderem”.
O mesmo defende Gloria Ríos, de 42 anos, que se refere ao grupo como “um espaço de diálogo e igualdade”. Mãe e avó, esta assistente social chilena mudou-se para Lisboa para tirar um mestrado e acabou por se juntar ao grupo logo ao início. Desde então, não só participou, como já organizou uma das actividades do grupo: um momento de dança flamenca. “Fazer estas actividades ao ar livre, num espaço público, é uma coisa muito humana, mas também muito política”, afirma.
Desenho, ioga, meditação, exercícios corporais, são algumas das actividades que as podemos encontrar a desenvolver no Jardim da Cerca e que são organizadas por cada uma das mulheres do grupo, consoante o que têm vontade de partilhar com as restantes. “Pode parecer muito banal, mas acreditar que cada uma de nós tem algum talento para ensinar e experimentar, dá-nos muita força. A partir de algo simples, já estamos a mudar radicalmente as nossas relações”, argumenta Kitti.
Ao contrário de Granada, onde “a tradição de entender a arte como algo político” é maior, Kitti admite que em Lisboa “não existe uma grande oferta de grupos de mulheres”. Isso fez com que não fosse tão fácil arrancar com o grupo, mas o desafio motivou-a porque considera que “há pessoas com perfis muito mais diversos” a viver na capital portuguesa.
Talvez por essa razão, as pessoas que encontram no jardim reagem de forma natural quando as vêem, asseguram as quatro “Mulheres Errantes”. Apesar da vergonha que todas dizem experienciar por vezes, vão-se sentindo cada vez mais confiantes ao longo das semanas e não pensam em mudar de lugar tão cedo. “Nem sempre é fácil”, diz Amandine. “Mas como mulheres, temos de lutar contra isso e tomar o espaço público”.