Estádio de Leiria serve de abrigo a refugiados ucranianos: “Portugal foi meu amigo e já o vejo como segunda casa”

Camarotes foram transformados em quartos para refugiados que fugiram do conflito. Para quase todos, a segurança encontrada tem sabor agridoce: bombardeamentos e combates ameaçam vida dos familiares na Ucrânia.

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Olga e a cadela Linda num dos camarotes do Estádio de Leiria Paulo Pimenta
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Sofia (em cima) e Alina (abaixo) são uma das famílias que chegaram na quarta-feira Paulo Pimenta
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Marido de Tatiana (à direita) tem queimaduras em 80% do corpo e ficou a ajudar o exército Paulo Pimenta
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Crianças jogam futebol para passar o tempo Paulo Pimenta
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Camarotes foram adaptados para quartos Paulo Pimenta
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Comunicações com familiares na Ucrânia ainda têm sido possíveis Paulo Pimenta
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Algumas famílias conseguiram logo alojamento com familiares Paulo Pimenta
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Calçado das famílias no Estádio de Leiria Paulo Pimenta
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Camarotes da bancada nascente são agora quartos para acolhimento de refugiados Paulo Pimenta
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Pessoas deixaram quase todos os pertences para trás Paulo Pimenta
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Alguma da bagagem trazida na viagem Paulo Pimenta
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Crianças jogam xadrez Paulo Pimenta
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Estádio foi construído para o Euro 2004 Paulo Pimenta
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Grupo é composto por crianças e adolescentes Paulo Pimenta
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Sofia prepara-se para abrir porta do camarote Paulo Pimenta
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Lotação de 54 camas deve ser esgotada na própria semana Paulo Pimenta
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PP - 11 MARCO - 2022 - LEIRIA - ESTADIO MUNICIPAL DE LEIRIA REFUGIADOS UCRANIANOS RECOLHIDOS NOS CAMAROTES Paulo Pimenta

Quatro peluches servem de balizas improvisadas num jogo de futebol usado para fintar momentaneamente os fantasmas da guerra. O entusiasmo das crianças contrasta com a apreensão dos adultos no outro lado da sala. Sofia prefere olhar para o início de uma segunda vida em Portugal com atitude positiva, a começar pelo alojamento temporário. “O quarto tem uma vista bonita, o estádio é grande e estamos sempre a ver desportistas. Não me posso queixar, as condições são boas”. A jovem de 16 anos foi uma das 21 pessoas que chegaram na noite de quarta-feira à cidade de Leiria, depois de uma viagem de três dias com ponto de partida na Polónia. Pernoitou no Estádio Municipal de Leiria, que funciona agora como ponto de acolhimento de refugiados ucranianos no concelho. Os camarotes foram transformados em quartos com beliches. No total, há 54 camas disponíveis.

Para Sofia, o mais difícil em deixar a Ucrânia foi a sensação de estar a abandonar os amigos de infância e a escola em troca de segurança. “Muitos eram meus amigos desde os seis anos de idade, sempre foram meus colegas de turma. Tanto eles como a minha avó ficaram na Ucrânia. Aqui não tenho amigos, mas espero conhecer pessoas novas. Quero muito voltar para a escola e aprender a falar português. Este país foi meu amigo e já o vejo como a minha segunda casa”, prossegue, com um sorriso.

Sentada no beliche ao lado da filha, Alina ouve atentamente, apesar de não entender o inglês falado por Sofia. É a jovem que serve de tradutora à mãe, que relata os impactes psicológicos sofridos com a aproximação dos russos. Arranjar emprego é agora uma prioridade para Alina.

“A minha mãe diz que é uma situação muito difícil. Ela compreende que eu sou só uma adolescente e estou a viver os anos que supostamente deveriam ser os melhores da minha vida. Não sabe o que vamos fazer a seguir. Foi difícil tomar a decisão de sair da Ucrânia, mas ouvíamos as sirenes três a cinco vezes por dia, era muito mau para o nosso estado psicológico. Caíam bombas perto da nossa cidade. Decidimos sair”, transmite Sofia, enquanto a mãe faz uma pausa no discurso para limpar as lágrimas.

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Sofia tem 16 anos e quer aprender a falar português Paulo Pimenta

“Quando eles não ligam dois ou três dias…”

O grupo de pessoas acolhidas em Leiria é composto exclusivamente por mulheres e crianças, visto que os homens com idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos têm de ajudar no combate às tropas russas.

Tatiana vive nos arredores de Dnipro, quarta maior cidade da Ucrânia (com quase um milhão de habitantes), e ainda não acredita que a realidade que conhecia deixou de existir há apenas duas semanas. A decisão de sair do país foi difícil, mas a necessidade de manter a filha de 15 anos em segurança falou mais alto. Não consegue conter as lágrimas quando se fala do apoio internacional dado à luta ucraniana, nem tampouco quando mostra uma fotografia da cara da filha encostada à janela do autocarro na Polónia que fez capa de jornais. “Como as coisas mudaram em tão pouco tempo...”, desabafa.

A segurança assume um sabor agridoce quando o pensamento volta à Ucrânia e ao que lá ficou. O marido de Tatiana está no Exército e os pais ficaram na casa de infância, aguardando uma resolução do conflito.

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Autarquia de Leiria quer arranjar soluções para educação dos mais jovens Paulo Pimenta

“O meu marido teve um acidente em criança e ficou com 80% do corpo queimado. Mesmo assim, não foi dispensado do serviço militar e está a ajudar o Exército, a conduzir camiões e a realizar outras tarefas. Não está em combate activo, mas, ainda assim, a preocupação é muita”, lamenta.

Viktoria é outra das mulheres que trazem constantemente “o coração nas mãos”. Em 2014, levou o filho aos protestos em Maidan, num momento em que a Ucrânia lutava pela integração na União Europeia. Agora, com 25 anos – e apesar da diabetes e outros problemas de saúde –, Rosti Slav recusou sair do país com a mãe, combatendo na linha da frente nos arredores de Kiev. “Ele conseguiu que a mãe e os primos saíssem do país, mas ficou lá com as tropas a combater em Kiev. Tem diabetes e nem sequer devia ir para os combates, mas, como tem formação militar, voluntariou-se. Pedi-lhe para ele não ir e ele disse-me que não podia, que o país precisava da ajuda dele”, traduz a intérprete Natália Nokikova, que auxiliou na viagem de autocarro.

Para já, manter comunicação com os familiares através das redes sociais não tem sido difícil. Por razões de segurança, os homens não podem divulgar a localização nem grandes pormenores sobre as operações: “Dizem apenas que estão bem.” O problema acontece quando passam dias sem uma mensagem: o pensamento vai logo para o pior. “Se eles ficam dois ou três dias sem falar… aí é que começa a preocupação”, resume Tatiana.

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Olga trouxe Linda para Portugal Paulo Pimenta

Estádio foi centro de vacinação durante pandemia

No estádio, o desporto vive agora paredes-meias com a ajuda humanitária. Os banhos são tomados nos balneários usados pelas equipas em dia de jogo e as refeições trazidas por uma empresa contratada pela autarquia. Esta é uma nova forma encontrada para utilizar o estádio construído para o Euro 2004, casa do União de Leiria que teve um custo de construção superior aos 60 milhões de euros.

“Os estádios do Euro 2004 tinham a ambição de se tornar palcos de desporto com milhares de pessoas a assistir [aos eventos]. O de Leiria, Aveiro, Coimbra, Algarve não estão a cumprir com a sua função e estão sobredimensionados. Compete também aos donos dos espaços, nomeadamente as autarquias, de encontrar soluções para rentabilizar este investimento”, explica ao PÚBLICO Gonçalo Lopes, presidente da Câmara Municipal de Leiria. O distrito tem uma presença ucraniana muito forte, com o socialista a adiantar que, em 2020, Leiria tinha mais de 1000 ucranianos registados.

Durante a pandemia, o estádio de Leiria foi usado como centro de vacinação e os camarotes transformados em consultórios. Esta é a nova vida para o complexo, com o autarca a dizer que estão já a ser encontradas soluções para a educação dos mais novos. O objectivo passa por os integrar no menor tempo possível.

“Não há um prazo definido para a estada destas pessoas no estádio, mas é muito importante que as equipas do município na educação, saúde e segurança social possam accionar e desenvolver as medidas necessárias para integrar estas pessoas. Até porque cada caso é um caso: temos jovens em ensino básico, outros no secundário, níveis de escolaridade muito diversos”, resume.

Gonçalo Lopes elogia as muitas “ofertas de emprego” enviadas pelos negócios e empresas locais, mostrando-se optimista com o futuro dos refugiados em Portugal. Antevendo a subida do número de ucranianos a chegar a Portugal, o socialista diz que já estão reservados espaços – de hospedagens, a casas da câmara e ofertas particulares – para ajudar o máximo de pessoas possível.

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