Macron preparado para tudo menos para a adesão à UE de um país em guerra

Para o Presidente de França, e anfitrião da cimeira informal de Versalhes, o apoio da UE à Ucrânia não passa pela confirmação do estatuto de candidato à entrada no clube. E todos os líderes da parte ocidental da Europa pensam o mesmo. “Este não é o momento para falar nisso”, concorda Mark Rutte.

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Charles Michel e Emmanuel Macron à frente dos outros líderes europeus IAN LANGSDON/EPA

O Presidente de França, Emmanuel Macron, é um homem que está preparado para tudo: tanto está disposto a continuar a falar ao telefone com o Presidente Vladimir Putin, na esperança de o convencer a retomar a via negocial, como está disponível para carregar nas sanções e medidas restritivas contra a Rússia, numa estratégia de punição e pressão máxima que leve o Kremlin a parar com os bombardeamentos e a retirar as suas tropas da Ucrânia.

“A Europa tem de estar preparada para todos os cenários”, justificou o Presidente francês aos jornalistas, imediatamente depois de dar as boas vindas aos chefes de Estado e de governo da União Europeia que participavam numa reunião informal do Conselho Europeu, no Palácio de Versalhes. Todos os cenários, menos um. “Iniciar um processo de adesão com um país em guerra, sinceramente, não estou a ver…”, confessou, desaparecendo logo de seguida para não atrasar muito o arranque dos trabalhos.

Ficava assim desfeita a grande dúvida do dia: a forma como os líderes europeus iam enquadrar a sua resposta, ou falta dela, aos apelos do Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, para uma avaliação expedita do pedido de adesão à UE, apresentado poucos dias depois dos tanques russos terem cruzado a linha da fronteira em direcção a Kiev. A heróica resistência ucraniana à agressão da Rússia vai para além da defesa da sua soberania e independência, alegou Zelensky, é uma luta pelos valores europeus.

“Este é um momento decisivo para a Europa. A guerra de Putin é um sério teste à resiliência das democracias”, considerou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que mais uma vez manifestou o desejo de ver “uma Ucrânia livre e democrática, com a qual partilhamos um destino comum, como parte da nossa família europeia”.

A guerra da Ucrânia não estava ainda em perspectiva quando a presidência francesa do Conselho da UE começou a preparar terreno para a “sua” cimeira: Macron começou por escolher a “autonomia estratégica” da UE como tema principal, mas como a defesa faz parte da agenda do Conselho Europeu do fim de Março, acabou por centrar o debate na promoção de um novo modelo para o crescimento económico e o investimento, através da dupla transição verde e digital, e beneficiando do impulso do fundo de recuperação “Próxima Geração UE” criado durante a crise pandémica.

Com as atenções voltadas para os horríficos bombardeamentos em território ucraniano, a França resolveu combinar todos os tópicos, e desviar o foco das discussões para o impacto do conflito com a Rússia na segurança ou na recuperação económica. “Esta será uma reunião estratégica para determinar a agenda operacional para a nossa independência no domínio da energia, na economia e na defesa e segurança”, referiu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, à chegada ao Palácio de Versalhes.

“Vamos repensar a defesa europeia, que deve ter capacidades mais fortes. Vamos repensar a energia, porque precisamos de nos livrar da dependência dos combustíveis fósseis que importamos da Rússia, e de investir maciçamente em energias renováveis”, enumerou Von der Leyen. “A UE tem de se preparar para ser independente, em termos de assegurar a sua própria defesa, em termos de abastecimento do seu mercado”, completou Macron, chamando a atenção para o debate entre os líderes das propostas avançadas pelo executivo comunitário para reduzir em dois terços a sua procura de gás natural russo já no fim deste ano.

No final desta cimeira informal será apresentada uma Declaração de Versalhes, mas que apenas dará conta do consenso alcançado na discussão das matérias de defesa europeia, energia e investimento, que são as que constam na ordem de trabalhos preparada pelo presidente do Conselho Europeu. No rascunho da declaração, os líderes concordam que é preciso completar a rede europeia de interconexões de gás e electricidade, uma exigência dos governos português e espanhol que até agora esbarrou nas reservas da França.

“Este não é o momento”

A resposta dos 27 ao pedido de adesão entregue pela Ucrânia surge num texto anexo, talvez para evitar qualquer tipo de confusão ou comparação com o mais famoso tratado de Versalhes — o acordo de paz assinado em Junho de 1919 pela França, o Reino Unido e a Alemanha, e no qual esta assumia a responsabilidade por ter provocado a Grande Guerra e se comprometia a reparar os aliados, entre os quais a Rússia.

Um século mais tarde, europeus e russos estão em lados opostos, com os 27 firmemente unidos no seu apoio ao Presidente da Ucrânia e na sua condenação do regime de Moscovo. “Há duas semanas, a Rússia trouxe a guerra de volta à Europa”, lê-se no ponto 1 dessa declaração anexa, onde os líderes culpam Vladimir Putin (e o seu cúmplice Alexander Lukashenko) pelo “sofrimento indescritível” a que estão a sujeitar a população ucraniana. “Serão responsabilizados pelos seus crimes”, prometem.

Nos pontos 2 e 3 do mesmo documento, os parceiros europeus garantem que jamais deixarão a Ucrânia sozinha, e que “continuarão a fornecer apoio coordenado a nível político, financeiro, material e humanitário” ao país, e a acolher todos os refugiados da guerra. Cerca de 2,3 milhões de ucranianos escaparam da guerra para os países vizinhos.

É no quarto e último ponto que abordam a candidatura ucraniana à UE. “O Conselho agiu rapidamente e convidou a Comissão a apresentar um parecer sobre este pedido. Até lá e sem demora, iremos reforçar ainda mais os nossos laços e aprofundar a nossa parceria”, prometem, sem concretizar.

“Não estamos a falar de ser a favor ou contra [a adesão da Ucrânia à UE], isso não é sequer uma questão. Este não é o momento”, explicou o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, revelando que nos contactos que tem mantido com os seus homólogos, verificou que “todos os líderes da parte ocidental da Europa dizem que não se deve falar de procedimentos acelerados de adesão, que não existem”. “Não devemos dar a sensação à Ucrânia de que isto é qualquer coisa que pode acontecer da noite para o dia”, completou o líder luxemburguês, Xavier Bettel.

Janez Jansa, o primeiro-ministro da Eslovénia, apareceu com uma proposta de roteiro para a integração da Ucrânia na UE no prazo máximo de cinco anos.

O primeiro-ministro, António Costa, evocou a canção dos GNR “Portugal na CEE” para lembrar como os processos de adesão são “necessariamente longos” e de desfecho incerto. “Nós sabemos por experiência própria. Portugal apresentou o pedido em 1977 e entrou em 1986. Não sei se ainda se lembram daquele refrão do ‘queremos ver Portugal na CEE’, porque a certa altura já era mesmo um tema de humor. São processos sempre muito longos.”

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