Empresários ofereceram estadia em hotel de luxo a líder do Turismo do Norte “por cortesia”
Julgamento da Operação Éter arrancou esta quarta-feira em Vila Nova de Gaia, tendo a maioria das 21 pessoas arguidas afirmado que pretendem prestar declarações nas próximas sessões. O principal arguido, Melchior Moreira, ex-presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, foi um deles.
O empresário Joaquim Palminha e a filha Helena confirmaram esta quarta-feira no arranque do julgamento da Operação Éter que ofereceram ao então presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) uma estadia de uma semana num hotel de quatro estrelas que a família possui no Algarve, no Verão de 2017, mas garantiram que não houve qualquer intenção de que tal permitisse beneficiar as suas empresas. E que o facto de estarem, naquela altura, a tentar construir um hotel de cinco estrelas no Porto, não teve qualquer impacto na oferta, que revestiu um carácter puramente pessoal.
Joaquim Palminha, de 81 anos, acusado de oferta indevida de vantagem, foi o primeiro arguido das 21 pessoas e nove empresas acusadas a ser ouvido na manhã desta quarta-feira no arranque do julgamento que está a decorrer no salão nobre dos Bombeiros Voluntários de Valadares, em Vila Nova de Gaia, devido às limitações de espaço no Tribunal de São João Novo, no Porto.
O empresário explicou que era a filha Helena que conhecia o então presidente do TPNP e foi ela a fazer-lhe o convite, tendo-lhe antes apenas perguntado se concordava. “Não precisávamos de nada do senhor”, garantiu Joaquim Palhinha que sublinhou que o facto de estar a construir um hotel de cinco estrelas no Porto, que deve abrir este ano, não teve qualquer relação com a oferta. “Quando o conheci [Melchior Moreira] já tinha o projecto aprovado, financiado e em construção”, afirmou o hoteleiro.
O depoimento da filha permitiu perceber que não era bem assim, já que apesar de a construção estar licenciada desde Setembro de 2016, na altura da oferta da estadia a construção do hotel ainda não tinha arrancado por problemas burocráticos que Helena Palminha resumiu num e-mail que enviou a Melchior Moreira e com o qual foi confrontada em tribunal. “É normal que o presidente do turismo queira saber a situação dos hotéis da sua região”, justificou a gestora, que insistiu que o convite se tratou de “um gesto de cortesia, de cordialidade”, à semelhança do que o grupo hoteleiro faz com outros convidados. “Não convidamos o Melchior por interesse. Foi uma pessoa com quem simpatizei. Foi um gesto cordial, de simpatia”, insistiu Helena Palminha.
Pai e filha disseram ter sido Helena a convidar Melchior Moreira, inicialmente para ir a uma festa que o grupo costuma organizar anualmente, em Agosto, no Santa Eulália Hotel Apartamento & Spa, o hotel onde o então presidente do TPNP ficou instalado. Como Melchior Moreira não pôde ir nessa altura, convidaram-no mais tarde para conhecer as instalações daquela unidade, onde dizem ter ficado instalado num apartamento T2 destinado a convidados e que não está habitualmente disponível para clientes.
Incapaz de precisar valor da estadia
Por isso, Joaquim Palminha não foi capaz de precisar o valor da estadia, referindo que nesse hotel a diária pode variar entre os 70 e os 100 euros, um valor bastante inferior aos 300 euros diários contabilizados pelo Ministério Público para a “mastersuite” onde diz ter ficado alojado Melchior Moreira e mais quatro pessoas - dois adultos e duas crianças - entre 26 de Agosto e 1 de Setembro de 2017. Ambos admitiram que, como Helena estava fora do país, foi o pai que recebeu Melchior Moreira no hotel em Santa Eulália, onde esteve um ou dois dias durante a estadia do líder do TPNP. “Fiz como faço a qualquer convidado, indico os melhores locais para conhecer e os melhores restaurantes para comer”, referiu o empresário.
O juiz-presidente do colectivo não pareceu ter ficado convencido com muitas das justificações dadas por Helena Palminha, que contou que conheceu o então presidente do Turismo do Norte num almoço com um amigo e que, como houve empatia, trocaram contactos e foram mantendo contactos pontuais. “Era uma pessoa do Porto que é sportinguista. Eu sou sportinguista… houve logo uma empatia”, afirmou a arguida. “O seu normal é muito diferente do meu normal”, comentou o magistrado, por diversas vezes.
A maioria dos 21 arguidos indicou que pretende prestar declarações no início do julgamento, incluindo o principal arguido Melchior Moreira, que deixou a liderança do TPNP em 2019, na sequência da sua detenção neste caso; o presidente do Sporting Clube de Braga, António Salvador; Júlio Mendes, antigo presidente do Vitória de Guimarães, e a empresária Manuela Couto, mulher do antigo presidente da Câmara de Santo Tirso.