Refugiados agradecem acolhimento em Braga. Mas adorariam “lutar e salvar a democracia ucraniana”
Hotel João Paulo II, em Braga, acolhe 44 ucranianos. Oleksii, Svitlana e o filho Kirill são de Kiev e chegaram no domingo.
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O Hotel João Paulo II, no santuário do Sameiro, em Braga, é, por estes dias, um porto de abrigo para dezenas de refugiados ucranianos. À entrada do hotel, vislumbram-se caixas de mantimentos, vestuário, e malas vazias. Pelos corredores, circulam dezenas de pessoas: não só os refugiados mas também voluntários de organizações humanitárias, bombeiros e funcionários públicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da Segurança Social. O improviso toma novamente conta de um lugar que durante o pico da pandemia da covid-19 serviu de estrutura de retaguarda para acolher doentes e profissionais de saúde. Na madrugada de domingo, a unidade hoteleira voltou a abrir portas para receber 44 ucranianos – 25 mulheres, 10 crianças e nove adolescentes – vindos da cidade de Wroclaw, na Polónia, após três dias de viagem.
Oleksii Kovalov, de 36 anos, pai de uma das crianças e companheiro de uma das mulheres, chegou durante a mesma madrugada, mas no seu próprio carro. Pôde acompanhar a sua família porque, à hora da invasão russa, estava na Estónia. Livrou-se, por isso, da lei marcial, que obriga os homens entre os 18 e os 60 anos a ficar na Ucrânia. Mas apenas por uma questão de dias. “O meu visto de trabalho na Estónia expirou no dia em que a Ucrânia foi invadida pela Rússia. A minha ideia era voltar para o meu país dias depois mas de repente tudo começou”, conta, em inglês, ao PÚBLICO. No dia 24 de Fevereiro, ligou à namorada Svitlana, de 31 anos e residente em Kiev, e pediu-lhe para fazer as malas, reunir a documentação e trazer consigo o filho Kirill, de 6 anos, para Lviv. Antes da chamada, Svitlana apercebeu-se que algo se passava quando, às seis da manhã desse dia, ouviu um estrondo invulgar: “Percebi logo que aquele som não era o de um fogo-de-artifício. Peguei no Kirill e fomos para a casa-de-banho. Estava a tremer mas ainda não tinha certeza do que se passava”, lembra.
As certezas chegaram quando os professores do seu filho lhe enviaram uma mensagem a avisar que a escola ia fechar nesse dia e quando, já fora de casa, viu uma fila de dois quilómetros num posto de combustível. Apesar de recordar o aviso de “amigos georgianos sobre a natureza de Vladimir Putin”, Svitlana não acreditava que a Rússia pudesse invadir a Ucrânia. “Foi inesperado. Não esperávamos bombardeamentos, nem uma invasão militar”, relata. Na manhã de 24, a mãe e o padrasto de Svitlana levaram-na a ela, ao seu filho e aos seus cinco animais - um cão, uma cobra, dois hamsters, um ouriço - até Lviv. Esteve na zona de refugiados no oeste da Ucrânia durante três dias e entrou na Polónia ao quarto dia, onde se encontrou com o seu companheiro. Para trás, ficaram o padrasto - que tem 57 anos e está obrigado a combater – a mãe e a avó, de 83 anos. Estão agora em “bunkers subterrâneos” perto de Kiev onde o som dos bombardeamentos é ouvido “cinco a sete vezes” por dia. “Estão bastante assustados. Não podem sair à rua e não há comida suficiente”, descreve Svitlana. Sair de onde estão é hoje um cenário “impossível”. “As ruas estão ocupadas e as pontes destruídas. Não é seguro sair”, lamenta.
O desejo é o de regressar e confiar no exército ucraniano
A oportunidade da família Kovalov vir para Portugal surgiu através de pessoas conhecidas da mãe de Oleksii. “Disseram-nos que para Portugal podíamos vir mesmo sem passaporte - eu tinha apenas a minha carta de condução e a certidão de nascimento do meu filho. Também não colocaram problemas em relação aos animais”, diz Svitlana, para quem os primeiros dias em Portugal estão a ser um “paraíso”. “Não esperávamos esta ajuda. Deram-nos roupa, comida e alojamento”.
Depois da estadia no hotel, a família ucraniana deve mudar-se para habitações de familiares de voluntários em Braga. A integração de Kirill numa escola em Braga também estará assegurada e já há contactos para Svitlana, que foi hospedeira de bordo durante nove anos na Ukraine International Airlines, e Oleskii encontrarem trabalho. Até lá querem voluntariar-se para “ajudar” quem ficou na Ucrânia, embora reconheçam que é “difícil fazer grandes planos”, não só porque ainda é incerto o tempo da ocupação russa mas também porque a vontade de regressar é muita. “Eu e o Oleskii não estivemos juntos durante um ano e meio e, na hora de ele regressar a Kiev, acontece isto. Apesar disso, não estou cem por cento certa da minha decisão de sair. Adoraríamos lutar e salvar a democracia ucraniana. Não queremos fazer parte da Rússia, onde não há direitos”, assume Svitlana, para quem a esperança é a última a morrer. “Os meus amigos dizem-me que o exército está forte e que devemos confiar neles. Que mais podemos fazer?”.
Refugiados vão seguir para várias zonas do país
Segundo Vasyl Bundzyak, padre da igreja ortodoxa e responsável da associação Luso-Ucraniana, com sede em Braga, entre 12 a 14 famílias instaladas no Hotel João Paulo II devem ficar naquela cidade.
O padre ucraniano, residente há vinte anos em Portugal, tem servido de mediador entre os refugiados e os voluntários em Braga e relata que “tudo está a correr bem”. Além de Braga, também as cidades de Póvoa de Varzim, Chaves, Aveiro, Lisboa e Faro devem receber as mulheres e crianças que ainda estão na unidade hoteleira. “As famílias já têm a documentação necessária do SEF e estão aptas a tratar de tudo na Segurança Social e nas Finanças”, revela Vasyl. No entanto, diz que “eles não querem ficar cá muito tempo”. Tal como Svitlana e Oleksii, “querem regressar a casa o mais rápido possível”.