“Velhos brinquedos e velhos jogos”: a normalidade cruza-se com a guerra numa fronteira da Roménia
Jovens portugueses, turcos, espanhóis e búlgaros estão em Suceava, ao abrigo do programa Erasmus, para conhecer as brincadeiras dos outros e agora querem ajudar refugiados que fogem da Ucrânia. Rota romena atrai cada vez mais ucranianos em fuga.
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Hesitaram muito. Chegaram a ponderar cancelar a viagem por razões de segurança. Consultaram o site do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não encontraram nenhuma referência a Suceava ou qualquer linha vermelha sobre as viagens para o Norte da Roménia. Escreverem às autoridades competentes, mas nada lhes disseram em contrário e foi assim que alunos de 14 anos da Escola Dr. Mário Fonseca, de Lousada, se encontraram a fazer um projecto (Mobilidade) de interacção com escolas de outros países ao abrigo do programa Erasmus numa das rotas dos refugiados que fogem da Ucrânia.
“Tivemos muitas reuniões antes de vir e, mesmo na última reunião, a direcção tinha mesmo decidido que o melhor era não vir, até porque a situação se agravou e havia notícias da ameaça nuclear”, conta ao PÚBLICO a professora Susana Carrilho no Hotel Continental em Suceava. “Mas, entretanto, como as autoridades portuguesas não deram nenhuma indicação a impedir a nossa viagem”, a escola decidiu cumprir o previsto “e, para já, está a correr tudo bem”, garante a professora.
Sibelle Delibash, professora de inglês na escola de Ancara, na Turquia, outro dos estabelecimentos de ensino do intercâmbio, também refere que “está tudo a correr bem com o projecto” Erasmus, com essa troca de “experiências sobre velhos brinquedos e velhos jogos”, sobre os “brinquedos e jogos dos nossos avós e bisavós” de “cada país representado”.
O projecto da Mobilidade Erasmus proporciona a interacção entre alunos de escolas da Turquia, Espanha, Bulgária e Portugal. Havia uma escola italiana igualmente envolvida, mas acabaram por cancelar com receio por causa da segurança.
“Todos nós, educadores e pais, tivemos medo de vir para Suceava, vimos as notícias, mas ligámos para os responsáveis aqui na Roménia e disseram-nos que aqui só os refugiados estavam a ser acolhidos e nada além disso”, explicou Sibelle Delibash.
Tal como a professora portuguesa, também a educadora turca refere que até agora “está tudo a correr bem com o projecto”, aquilo que se torna mais “difícil é ver as famílias de refugiados despedaçadas que chegam aqui no hotel, dá para ver o drama nos seus rostos deles, mas acho que os nossos miúdos não têm tanta noção disso”.
Susana Carrilho concorda, “acho que os miúdos não têm completa noção” do que se está a passar. “Sabem que existe a possibilidade de vermos refugiados, mas acho que não têm a noção da situação dramática que se está a viver.” Mas “estão curiosos”, tal como “os outros meninos do projecto”.
Para já, a professora não coloca de parte a possibilidade de ir para além do objectivo inicial do projecto, mesmo tendo todo um programa para cumprir. “Se surgir uma oportunidade de ajudarmos em algo”, irão fazê-lo, até porque “os meninos já manifestaram a vontade de ajudar as crianças refugiadas de qualquer forma”.
Bruna e Íris, 14 anos, duas das alunas da Escola Dr. Mário Fonseca, afirmam ao PÚBLICO que todos comentaram as notícias da guerra antes de partirem e sabiam que a Ucrânia estava perto do sítio para onde vinham. “Tivemos receio de vir, mas como disseram que aqui estava seguro”, refere Íris, numa troca breve de palavras antes de mais uma actividade do programa apertado do projecto.
Mais de 294 mil refugiados entraram na Roménia vindos da Ucrânia desde o começo da guerra até às 12h desta terça-feira, de acordo com as autoridades romenas, na sua grande maioria mulheres e crianças. Também esta terça-feira, o chefe do conselho regional de Suceava, Gheorghe Flutur, afirmou ter ordenado um aumento da assistência e o reforço das equipas de emergência médica, com especial atenção para as crianças, tendo em conta as baixas temperaturas (negativas) que se sente nesta região da Roménia.
Algumas das crianças chegam exaustas, assustadas, doentes, depois de longas jornadas fugindo de zonas de guerra. Esta terça-feira, uma equipa do Schneider Children's Medical Center viajou propositadamente de Israel para levar dez crianças gravemente doentes, que chegaram com os pais à fronteira vindos de um hospital em Kiev, e precisam de tratamento urgente. As dez seguem imediatamente para Israel num avião fretado por uma empresa israelita.
Especial para o PÚBLICO