Há casas e emprego para ucranianos. Mas falta transporte e segurança até Portugal

Associação de ucranianos pediu ao Governo que garanta transporte e segurança. Voluntários queixam-se de falta de meios para trazer pessoas. SEF registou quase 2700 pedidos de protecção e IEFP mais de 13.600 ofertas de emprego. Número de acolhimentos “é impressionante”, diz Serviço Jesuíta aos Refugiados. “É preciso pensar em medidas que autonomizem as pessoas.”

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Muitos portugueses disponibilizaram-se a receber refugiados ucranianos nas suas casas LUSA/NUNO VEIGA

Há ofertas de emprego, e neste momento são mais do que a procura. Até às 10h desta segunda-feira havia 13.663 ofertas de emprego para refugiados ucranianos no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), um número bastante superior ao dos cerca de 2700 pedidos de protecção contabilizados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até ao final do dia de hoje.

Há gente disposta a receber refugiados ucranianos nas suas casas. Braga, por exemplo, recebeu mais ofertas do que as 44 pessoas que chegaram às 1h de segunda-feira. “Tivemos uma onda solidária enorme. As disponibilidades são superiores às necessidades, o que significa que podemos vir a ajudar outras pessoas”, diz ao PÚBLICO o presidente da autarquia, Ricardo Rio.

Mas o grande problema é como fazer chegar os ucranianos a Portugal, dizem pessoas no terreno. No caso de Braga, foi a própria autarquia que enviou transporte e motoristas a uma zona da fronteira com a Polónia. Eram para vir 30 pessoas que tinham ligação com outras em Portugal, mas juntaram-se mais. Ficaram instalados no hotel da diocese de Braga e nesta segunda-feira passaram o dia a tratar de papelada, a fazer testes à covid-19 e a formalizar a sua situação documental. Alguns irão ser encaminhados para casas de pessoas, outros vão ter com familiares. Na camioneta vieram 16 famílias: 12 crianças até aos 12 anos, dez abaixo dos 18 e o resto mulheres adultas, três delas com mais de 65 anos.

Apoios multiplicam-se

A vinda dos refugiados tem sido feita de diversas maneiras, há muita gente que se voluntariou para apoiar, há os apoios institucionais. Nos grupos de redes sociais multiplicam-se mensagens de oferta e procura. Para Pavlo Sadokha, dirigente da associação de ucranianos em Portugal, falta uma boa coordenação entre todas as entidades e informação nos locais que explique às pessoas onde podem juntar-se para serem transportadas para Portugal. Mas alerta: “Estamos em guerra, fornecer dados pessoais de refugiados pode pôr em perigo a vida deles.”

Por isso, numa reunião que decorreu esta tarde com a secretária de Estado para a Integração e as Migrações, Cláudia Pereira, a associação pediu ao Governo que garanta transporte e segurança às pessoas. Até à hora do fecho desta edição não foi possível obter uma resposta do Governo.

Vários países abriram as linhas férreas aos refugiados, como a Polónia, Alemanha, Áustria, República Checa, Eslováquia, Hungria, França e Dinamarca, segundo o Euractiv, além de Bélgica e Holanda, mas Portugal não anunciou medida idêntica. Questionado pelo PÚBLICO sobre se estava a ponderar organizar transporte para os refugiados, ou abrir as portas das linhas ferroviárias como outros países europeus, o gabinete afirmou não ter informação sobre essa questão.

Além de Braga, também a autarquia de Lisboa criou um programa de apoio com o Centro de Acolhimento de Emergência para refugiados, que já recebeu desde a sua entrada em funcionamento 126 pessoas e nesta segunda-feira ia receber mais 57. “As principais necessidades de apoio têm sido ao nível das necessidades básicas de alojamento, alimentação, higiene e descanso, bem como apoio psicossocial e acesso a cuidados de saúde”, afirma o gabinete de imprensa.

Já entre os grupos de voluntários que se organizaram para trazer para Portugal refugiados da Ucrânia sublinha-se que o grande problema é a falta de transportes. “Estamos a tentar colocar as pessoas nas caravanas que já existem. Temos pessoas com crianças em campos de refugiados a dizer que as vão expulsar em 48 horas. Mas está muito complicado”, desabafa Inês Mourão, 31 anos, advogada que, com um grupo de voluntários, Ajuda para a Ucrânia, tenta cruzar oferta com procura e está a organizar um crowdfunding para este apoio logístico. Também quem se voluntariou para receber refugiados fala do mesmo problema. Jorge Marques, da Covilhã, que aguarda uma mãe com duas crianças, em trânsito desde domingo, revela: “Conseguimos articular transporte com muita dificuldade.”

Número “impressionante”

Num só fim-de-semana, os ucranianos que chegaram a Portugal somaram os 1500, um dado que André Jorge, do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), classifica de “impressionante, tendo em conta que somos o último país da Europa”. Explica-o com o facto de existir no país uma comunidade ucraniana desde os anos 1990 que servirá de âncora. De qualquer forma, é um número acima do habitual; esse foi “mais ou menos” o número de refugiados sírios que chegaram entre 2015 e 2018, e desde Agosto que recebemos 500 pessoas do Afeganistão, compara.

E poderá haver mais algumas pessoas que ainda não se registaram, vindas ao abrigo das iniciativas da sociedade civil de quem vai buscar pessoas às fronteiras. Os ucranianos não precisam de visto para entrar em Portugal.

O também coordenador da PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados comenta que o preocupa “muito” a segurança das pessoas, nomeadamente de menores não acompanhados que ficam nas fronteiras. Por outro lado, neste momento começa a nascer um negócio de transporte, continua.

Elogiando a medida tomada pelo Governo de acelerar o processo de legalização dos ucranianos, e de permitir que tenham o essencial para seguir com a sua vida como os números de saúde e fiscal, refere que falta clarificar alguns aspectos. Qual o apoio social que poderão vir a ter de futuro é um deles. “É normal que neste período as pessoas fiquem a cargo de familiares, mas é preciso pensar que as pessoas são também imigrantes e que daqui a umas semanas esse custo vai ser pesado para as famílias”, nota. “É preciso pensar em medidas que autonomizem as pessoas.”

A JRS está a trabalhar na área do apoio à habitação e saúde com a criação de seguros que permitam às pessoas arrendar uma casa (o seguro faz de fiador) e ter acesso a cuidados médicos em alguns privados. Na área da empregabilidade, querem criar bolsas para trabalhadores qualificados, à semelhança do que fizeram com a Fundação Calouste Gulbenkian com a inserção de profissionais médicos imigrantes. “A ideia é que haja aceleração no reconhecimento de qualificações profissionais. No passado, apesar de terem qualificações, havia muitos médicos ucranianos a trabalhar na construção civil e serviços domésticos, mas creio que podemos fazer melhor. Se temos mão-de-obra qualificada a chegar, não podemos desperdiçar.”

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