Escritores apelam: “Digam a verdade. Se Vladimir Putin é cego e surdo, talvez os russos ouçam aqueles que falam a mesma língua”
Nobel Svetlana Alexievich e outros escritores pedem aos falantes de russo em todo o mundo que digam a verdade sobre a guerra na Ucrânia para que a censura imposta à imprensa livre e a propaganda do Kremlin não vençam. A este apelo associaram-se já mais quatro prémios Nobel da Literatura.
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Perante a censura crescente do regime russo aos meios de comunicação independentes e as restrições impostas ao uso da Internet, um grupo de autores que escrevem em russo uniram-se num apelo para que todos façam uso da sua liberdade para divulgar o que se passa na Ucrânia.
Num texto breve, denunciam os ataques à liberdade de expressão na Rússia nos últimos anos, ataques que a invasão da Ucrânia decretada pelo Presidente Vladimir Putin tornou ainda mais cerrados nos últimos dias.
“Hoje a língua russa está a ser usada pelo Estado russo para alimentar o ódio e justificar esta guerra vergonhosa contra a Ucrânia. Em russo, os meios de comunicação oficiais [fiéis ao Kremlin] continuam a repetir mentiras intermináveis que estão a criar uma cortina de fumo em torno desta agressão”, pode ler-se no texto assinado por Vladimir Sorokin, Lyudmila Ulitskaya, Maria Stepanova, Sergei Lebedev, Sascha Filipenko, Alisa Ganieva e Svetlana Alexievich.
Alexievich, prémio Nobel da Literatura em 2015 “pela sua escrita polifónica, memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época”, é bielorrussa e, para além de escritora, jornalista.
“Há muitos anos que o povo russo é alimentado com mentiras. As fontes independentes de informação foram quase totalmente destruídas. Os líderes da oposição silenciados. A máquina de propaganda estatal está a trabalhar com toda a sua força.”
E é por temerem que a informação que chega aos russos é cada vez mais controlada e falseada, que estes escritores lançam um apelo planetário. Pedem a todos os que falem russo, como língua nativa ou como segunda ou terceira, que se façam ouvir na Rússia através de todos os meios de comunicação que tiverem ao seu dispor: “Cheguem às pessoas que conhecem e que não conhecem. Digam a verdade. Se Vladimir Putin é cego e surdo, talvez os russos ouçam aqueles que falam a mesma língua”. Tudo em nome do fim da guerra.
O acesso à BBC, a televisão pública britânica, à Radio Liberty, com financiamento norte-americano, e à radio pública alemã, a Deutsche Welle, está proibido depois do Parlamento russo ter aprovado uma lei que torna crime a difusão de notícias consideradas “falsas” sobre as forças armadas. A TV Rain, um dos poucos meios de comunicação russos independentes, deixou de operar na quinta-feira, cedendo à pressão governamental.
“Nesta situação, é fundamental revelar aos cidadãos russos toda a verdade sobre a agressão russa contra a Ucrânia. Sobre o sofrimento e as perdas da nação ucraniana. Sobre os civis que estão a ser transformados em alvos e mortos. Sobre o perigo [que esta guerra representa] para todo o continente europeu. E, possivelmente, para toda a humanidade, dada a ameaça nuclear”, conclui o texto.
Aos autores que escrevem em russo associaram-se colegas que se expressam noutras línguas, estando entre eles quatro que, à semelhança de Alexievich, receberam já o Nobel da Literatura: Herta Müller (Alemanha), Elfriede Jelinek (Áustria), J.M. Coetzee (África do Sul) e Olga Tokarczuk (Polónia).
O britânico Ian McEwan não faz parte da lista, mas deixou clara a sua opinião num artigo que assina este sábado no diário britânico The Guardian, a que deu o título: “Estamos todos assombrados por fantasmas – e pelos sonhos doentios de Vladimir Putin”.
“A catástrofe está cada vez mais próxima na Ucrânia e nós não podemos ser apenas espectadores. Se não fizermos tudo o que está ao nosso alcance para travar o conflito, nunca nos perdoaremos”, escreve o autor de Sábado ou Solar, num texto em que pede ainda a todos os jogadores do tabuleiro internacional que assumam as suas responsabilidades e que trabalhem em conjunto para garantir um cessar-fogo eficaz.