Ambiente “encolheu” na passagem para as Aprendizagens Essenciais, mas não em todos os ciclos de ensino
No esforço de encurtar os programas curriculares que estavam em vigor, a abordagem das questões ambientais também foi encolhida, sobretudo no ensino secundário. Estudo da Unesco demonstra que as alterações climáticas e a biodiversidade são esquecidas na maioria dos documentos curriculares de 50 países, Portugal incluído.
As questões ambientais têm uma expressão maior nos programas do ensino secundário de 2001 e 2002 do que nas Aprendizagens Essenciais (AE) que, a partir de 2018, os foram substituindo na função de orientações curriculares para as várias disciplinas.
É o que sobressai a partir de uma pesquisa por palavras-chave (ambiente, alterações climáticas, etc.) feita pelo PÚBLICO e que incidiu nos documentos curriculares de disciplinas como Biologia e Geologia do 10.º e 11.º ano, Geografia A dos mesmos anos e Biologia do 12.º ano.
“As Aprendizagens Essenciais são resultado de um encurtamento dos programas que estavam em vigor e que, no caso de Biologia e Geologia, levou à eliminação da parte (Geologia Antrópica) em que eram mais abordadas as questões ambientais derivadas dos impactos da acção humana” refere o presidente da Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia, Adão Mendes.
Já no que respeita a Biologia do 12.º ano, acrescenta este docente, as AE mantêm os mesmo cinco domínios elencados no programa, mas com a opção de só serem abordados três deles. O último da lista é o que respeita à preservação do ambiente.
Esta operação de encolhimento não significa, contudo, que as questões ambientais não possam ser abordadas nas aulas, alerta. Podem ser desenvolvidas, por exemplo, nos tópicos da Biodiversidade e da Gestão de Recursos Geológicos. Na verdade, frisa Adão Mendes, “no secundário apenas não se falará dessas questões se não se quiser”, só que esta opção “passou a depender sobretudo da sensibilidade dos professores e das escolas”.
A coordenadora da parte de Geologia do programa de 2001, Filomena Amador, corrobora: “Há margem de liberdade nas Aprendizagens Essenciais para se continuar a abordar o que estava no programa.” O problema é que, sendo deixado ao critério dos professores e das escolas, “tal não vai acontecer porque se passou a ensinar sobretudo em função dos exames nacionais e nestas provas foge-se a questões que sejam polémicas”, afirma Filomena Amador.
Frisa também o seguinte: “Os lobbies existem e há sempre uma pressão muito grande quando se elaboram os currículos.” Mas o que continua a deixar Filomena Amador estupefacta é o facto de se ter reduzido o programa de 2001, revogado no ano passado como todos os outros, a “listagens de três a quatro páginas, de onde desapareceu toda a contextualização”.
Estas listagens são as actuais Aprendizagens Essenciais, que fazem parte do pacote de reformas introduzido pela tutela de Tiago Brandão Rodrigues e cuja definição, segundo o Ministério da Educação, se tornou necessária para resolver o problema da “extensão” dos programas que estavam em vigor e permitir que seja fixado um “conjunto essencial de conteúdos” que todos os alunos devem saber, em cada disciplina, no final de cada ano de escolaridade.
“Parecem programas do final do século XIX, princípios do século XX”, comenta Fátima Amador, sublinhando que os conceitos “têm de ser contextualizados para que façam sentido, nomeadamente no que respeita às suas implicações para a sociedade”.
Geografia é outra das disciplinas de acolhimento das questões ambientais. Nas AE de Geografia A do 10.º e 11.º ano, existe meia dúzia de referências a esta temática, enquanto no programa anterior, datado de 2001, eram pelo menos 30.
Melhor no 3.º ciclo
Para a presidente da Associação de Professores de Geografia, Ana Cristina Câmara, esta contabilidade não traduz a realidade existente. Especifica que nas AE “mantiveram-se os temas e subtemas do programa”, sendo que “as questões ambientais tanto surgem nos documentos das Aprendizagens Essenciais, como elemento aglutinador de um tema curricular (Ambiente e Sociedade do 3º Ciclo), como associados a subtemas da geografia física (recursos naturais, risco e catástrofes naturais), da geografia humana (áreas de fixação humana, actividades económicas e mobilidade) ou da gestão e ordenamento do território (gestão das bacias hidrográficas e política ambiental europeia)”.
Para o comprovar, Ana Cristina Câmara enviou ao PÚBLICO uma comparação entre as orientações curriculares aprovadas em 2001 para o 3.º ciclo, de que foi uma das autoras, e as actuais AE, cuja elaboração contou com a participação da associação de professores, como aconteceu aliás em todas as outras disciplinas. Esta comparação “demonstra não só a manutenção como também o reforço das questões ambientais e da emergência climática nos documentos orientadores da disciplina mais recentes”, sublinha. Apenas um exemplo dos vários apresentados por esta docente: as questões ambientais e de emergência climática não constavam da introdução ao documento de 2001, mas têm uma presença significativa na apresentação das AE de Geografia do 3.º ciclo.
Perfil dos Alunos analisado pela Unesco
A educação ambiental faz também parte de um dos temas obrigatórios da disciplina Cidadania e Desenvolvimento, criada em 2018. Para este efeito foi elaborado um extenso Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade, que é o “documento orientador para a implementação desta temática no âmbito da Cidadania e Desenvolvimento”, descreve a Direcção-Geral de Educação.
Esta nova disciplina integra as matrizes curriculares de todos os ciclos e níveis de ensino. No 1.º ciclo e no secundário a sua abordagem deve ser transversal a todas as áreas curriculares. No 2.º e 3.º ciclos (do 5.ºao 9.º ano) assume o perfil de uma disciplina própria, à qual as escolas têm geralmente atribuídos 45 minutos semanais.
Existe também um documento orientador do currículo, com 30 páginas, que serve de chapéu a todos os outros. Trata-se do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado em 2017. Foi este documento que uma equipa da UNESCO pesquisou para avaliar a presença das questões ambientais no currículo nacional no âmbito do relatório Learn for our Planet, publicado em 2021 e onde se analisa os currículos escolares de cerca de 50 países.
Os resultados para Portugal não estão discriminados no relatório, mas a pedido do PÚBLICO um dos responsáveis da área da Educação da Unesco, Alison Kennedy, descreveu o que descobriram quando pesquisaram aquele documento.
E que é o seguinte: “Encontrámos cinco referências relativas à educação ambiental num documento com cerca de sete mil palavras: uma relativa à sustentabilidade, quatro relativas ao ambiente e nenhuma respeitante à biodiversidade ou às alterações climáticas”, precisamente as questões de ponta da actualidade. Apesar desta escassez, os resultados de Portugal figuram entre os 33% com melhor cotação, adianta.
Para chegar a esta performance, os resultados foram convertidos à medida standard utilizada no relatório: 100.000 palavras. “Padronizámos os resultados deste modo, porque alguns dos documentos analisados eram muito mais longos do que os outros e por isso a mera contagem das referências não seria suficiente para comparar”, explica o responsável da Unesco. Neste exercício, as cinco menções encontradas no Perfil dos Alunos, com cerca de sete mil palavras, equivalem a 728 referências caso este documento tivesse 100.000 palavras.
Resultados desoladores
Olhando para os resultados globais, constata-se que “mais de metade dos documentos analisados não faz qualquer referência à mudança climática, e apenas 19% mencionam a biodiversidade”. Esta análise de conteúdo foi complementada por um inquérito online destinado sobretudo a docentes: um terço indicou que as questões ambientais não fazem parte da formação dos professores. De Portugal chegaram 21 respostas que não foram consideradas representativas.
“Os resultados são desoladores”, escreve a Unesco a propósito desta reduzida presença das questões ambientais nos currículos escolares. Para prosseguir deste modo: “Não estamos a fazer o suficiente para assegurar que aquilo que aprendemos nos possa ajudar a fazer face aos desafios ambientais que enfrentamos. As alterações climáticas estão a afectar todos os países, em todos os continentes, mas são apenas referidas em menos de metade dos documentos curriculares analisados. A Natureza encontra-se globalmente em declínio a um ritmo sem precedentes na história humana, e, no entanto, a biodiversidade não tem espaço em 81% dos documentos analisados. E quando as questões ambientais marcam presença, são geralmente abordadas de forma superficial.”